Dois fenômenos climáticos opostos ocorrem simultaneamente na região amazônica. Enquanto Roraima enfrenta uma das maiores secas da história e registra recorde de focos de calor para fevereiro, o Acre sofre com a chuva e alagamentos, que já deixaram mortos e milhares de desabrigados. É normal a floresta ter esses dois cenários ao mesmo tempo?
- Em Roraima, Estado que concentra a maior quantidade de focos de incêndio no Brasil, as chamas avançam por áreas protegidas, como unidades de conservação ou indígenas, e a fumaça encobre estradas, como a RR-206, e partes de Boa Vista.
O Ministério do Meio Ambiente disse ter contratado mais brigadistas e reforçado as ações. Em 2023, quando o Amazonas teve um pico de incêndios, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Estadão que a estrutura de combate ao fogo era insuficiente.
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Já o governo estadual suspendeu as autorizações para queima controlada e deslocou até policiais militares para as equipes de combate ao fogo. Especialistas têm alertado desde o ano passado que a estiagem poderia ser agravada pelo El Niño.
- A quase 2,4 mil quilômetros da capital roraimense, o Rio Acre registrou na quarta-feira, dia 28, o maior nível da história, chegando à cota de 15,58 metros, segundo a Defesa Civil de Brasiléia, na fronteira com a Bolívia. O recorde anterior era de 15,55 metros, em 2015.
A geógrafa Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), explica que os dois fenômenos são compatíveis. “O ciclo de chuvas nos dois Estados é completamente diferente, até complementar. Em Roraima, a chuva historicamente acontece de março a agosto. No Acre, esse período costuma ser de outubro a maio”, afirma.
Se os ciclos estão dentro do padrão, as intensidades da seca e da chuva expõe o agravamento das mudanças climáticas. “Esses períodos de chuva e de seca são comuns, mas não dessa forma. No Acre, o auge do período chuvoso é em março, então a situação tende a piorar. A seca e a enchente são demonstrações do desequilíbrio da natureza, resultante da intervenção humana”, diz a geógrafa.
O climatologista Carlos Nobre conta que a chuva que atingiu o Acre nos últimos dias se estendeu por toda a região, incluindo partes da Bolívia e do Peru, e as causas ainda estão sendo estudadas.
“Não foi uma chuva localizada, ela pegou os Andes, foi recorde em Machu Picchu (cidade inca histórica e principal local turístico peruano)”, afirma. Uma das hipóteses é de que correntes meteorológicas do Oceano Pacífico tenham intensificado o regime de precipitações”, afirma ele, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.
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Seja qual for a causa, não é a primeira vez que uma parte da Amazônia sofre seca e outra fica alagada. “Em 2021 a Amazônia teve recorde histórico de chuva, por influência do fenômeno La Niña, mas nessa região que hoje está alagada - o Acre, a Bolívia, o Peru -, houve seca”, recorda.
O El Niño ocorre com intervalos de dois a sete anos, e se caracteriza pelo aquecimento das águas do Pacífico na região do Equador. Isso causa a interrupção dos padrões de circulação das correntes marítimas e massas de ar.
Já o La Niña é um fenômeno climático oposto, caracterizado pelo esfriamento das águas do Pacífico e pela consequente queda nas temperaturas globais. No Brasil, costuma causar fortes chuvas no Norte e no Nordeste.
Nobre ressalta que fenômenos climáticos extremos, seja a seca que gerou recorde de incêndios em Roraima ou a chuva que alagou o Acre, são cada vez mais comuns. “Não tem volta. Vamos conviver com excesso de calor, alagamentos, seca. O calor é a situação extrema que causa mais mortes, principalmente de idosos. Os governos precisam adotar medidas para proteger essa população”, alerta.
Seca em Roraima
Para não deixar a população sem água potável, a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER) usa uma bomba flutuante em uma balsa que se locomove em partes do rio que ainda possui água. Com uma quantidade limitada, a pressão reduz e em algumas horas do dia, bairros da periferia de Boa Vista ficam desabastecidos.
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Suerlene Abreu, de 57 anos, moradora da zona oeste da capital, sofre há pelo menos duas semanas sem água para necessidades básicas. “Durante o dia a água mal sobe na pia. Só conseguimos tomar banho à noite. Para eu e minha família bebermos água no dia seguinte, cozinhar, tenho que juntar à noite”, relata.
Boa Vista não é atendida apenas pelo Rio Branco. Além dele, mais 90 poços são usados diariamente. Entretanto, segundo o presidente da CAER, James Serrador, há uma redução de 30% no volume de água da capital, por causa da falta de chuva e o calor excessivo. “Nós teremos que desligar bombas do sistema submerso de captação se a situação continuar se agravando”, alertou para um racionamento.
O pescador, pai de seis filhos, José Matos, de 66 anos, vive e sustenta a família do que pesca no Rio Branco. Mas o mês de fevereiro o deixou no negativo. “Não tem peixe. Não tá tendo peixe, não tem o que vender, não tem dinheiro.” A preocupação é ainda mais porque no dia 1 de março inicia o período da piracema, onde fica proibida a pesca.
Cheia no Acre
No Acre, 17 cidades tiveram decretada situação de emergência em razão das cheias dos rios Acre, Tarauacá, Juruá, Rôla e Jordão. Os mananciais cortam maior parte dos 22 municípios acreanos. O governo federal reconheceu sumariamente a situação dos municípios, e o governo do Acre, depois da emergência, avalia decretar estado de calamidade.
A servidora púbica Vanessa Alencar, de 36 anos, é moradora do bairro Seis de Agosto, em Rio Branco. A mulher perdeu todos os móveis da casa durante a enchente de 2023. Neste ano, saiu de casa logo que a água invadiu a cozinha da casa.
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“Já sofro com essas cheias desde que vim morar aqui. São mais de cinco enchentes já, mas ano passado a gente perdeu tudo, foi muito rápido. Consegui uma casa para deixar minhas coisas, e vou dormir em uma amiga com meus filhos”, conta.
Em Xapuri, no interior do Acre, a casa onde viveu o sindicalista ambiental Chico Mendes também foi invadida pelas águas e está mais da metade submersa. No início da semana os móveis que estavam no local precisaram ser retirados às pressas devido o rio ter subido rapidamente.
O Hospital Epaminondas Jácome, o único no município, a situação também preocupa, já que o rio passa no barranco em frente à unidade de saúde, e a previsão é que o nível ultrapasse os 17 metros. Nesta quinta, marcou pouco mais de 16 metros.
Mesmo com a cheia do rio, muitos atingidos preferem ficar em casa, mesmo sem energia elétrica ou água potável, temendo terem os espaços saqueados por criminosos. Contudo, o Corpo de Bombeiros está retirando famílias diariamente das águas alagadas.
Foi montada uma força-tarefa para garantir o envio de água, cestas básicas, materiais de limpeza, higiene pessoal e medicamentos às cidades afetadas, isso durante e após a vazante dos rios, uma vez que é preciso limpar as casas para retorno à vida normal.
Em Brasiléia, o carpinteiro Evaldo Tavares, de 46 anos, que vive na Rua das Palmeiras, uma das mais atingidas pelo Rio Acre, é um desses exemplos. Ele preferiu ficar em casa mesmo com o avanço das águas. “A gente precisa de marmita, de água, e está faltando. Se sair de casa, podem vir aqui e roubar as minhas coisas. A gente sempre prefere ficar, e vamos sair para onde? Não tenho outro lugar para ir”, questiona.
“Em todo o estado, o Corpo de Bombeiros e outros órgãos de segurança e governamentais estão prestando apoio às prefeituras visando a atender a população. Dentro dessa estrutura, estamos utilizando barcos, veículos e motores para garantir o auxílio às famílias. Estamos atuando em 19 municípios, 24 horas por dia, junto com a Defesa Civil”, explica o comandante do Corpo de Bombeiros do Acre, coronel Charles Santos. / COLABOROU NATÁLIA FUHRMANN