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Conheça o supercomputador de R$ 200 mi que pode fazer o Brasil antecipar eventos climáticos extremos

Equipamento dará aos cientistas a possibilidade de enxergar o comportamento da atmosfera com maior nitidez e trabalhar em escalas de tempos maiores

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Foto do author Caio Possati

O Brasil se planeja para adquirir, nos próximos meses, um supercomputador científico que deve refinar a capacidade do País na tarefa de prever e monitorar o clima, o tempo e o ambiente. Mais moderna e atualizada, a tecnologia promete, na prática, tornar as previsões meteorológicas mais rápidas e precisas, permitindo ao poder público ter mais tempo na tomada de decisões em casos de eventos climáticos extremos, como a passagem de um ciclone no Rio Grande do Sul ou a seca extrema que assola a Amazônia.

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A máquina será operada pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), órgão do Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais (Inpe). O responsável pela compra será o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

O novo supercomputador dará aos cientistas a possibilidade de enxergar o comportamento da atmosfera com maior nitidez e trabalhar em escalas de tempos maiores. Isso significa que a máquina será capaz de antecipar mais previamente a chegada de eventos.

A aquisição do equipamento está vinculada ao Projeto de Renovação da infraestrutura de supercomputação (Risc) do Inpe, implementado para renovar e, com isso, atualizar as operações e tecnologias de previsão meteorológica do Cptec, cuja sede fica na cidade de Cachoeira Paulista, interior de São Paulo.

Dentro do âmbito do Risc, o Inpe também planeja fazer a aquisição de sistemas de armazenamento de alta densidade; a renovação de toda a infraestrutura de suporte para manter o supercomputador funcionando, como a construção de uma usina de energia elétrica fotovoltaica; e o desenvolvimento de um novo modelo matemático, batizado de Monan (sigla em inglês para Modelo de Previsão da Atmosfera, Oceano, e Superfície Terrestre), que será rodado no instrumento científico.

“O supercomputador, em si, é uma máquina densa, com muita memória, processadores, e discos rígidos rápidos. E, neste caso, é voltado para rodar modelos operacionais de previsão numérica de tempo e clima”, explica Ivan Barbosa, Coordenador de Infraestrutura de Dados e Supercomputação do Inpe.

“A depender de como será a sua arquitetura, o supercomputador poderá ocupar uma sala de mil metros quadrados, mas certamente vai demandar toda uma mudança na estrutura no do nosso prédio para poder recebê-lo”, acrescenta.

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Hoje, para fazer esse serviço de previsão do clima e tempo, o Inpe utiliza o Tupã, um supercomputador instalado em 2010, na sede do Cptec, em Cachoeira Paulista. Mesmo passando por alguns processos de progressão nestes últimos 13 anos, a máquina se encontra defasada em relação aos demais centros meteorológicos do mundo.

Traduzindo em números, o Tupã possui uma capacidade de processamento de 550 teraflops (flop é a medida usada para medir o desempenho do processador de um supercomputador), enquanto a expectativa com o novo aparelho, afirma Ivan Barbosa, é que se atinja um grau de processamento de até 16 vezes essa capacidade.

“O que vamos adquirir são quatro máquinas de aproximadamente dois petaflops cada, oito petaflops ao todo. Cada uma dessas máquinas terá, aproximadamente, quatro vezes mais capacidade de processamento do que o Tupã”, explica.

O MCTI prevê um gasto de R$ 200 milhões para a compra do supercomputador e de toda a operação de renovação da infraestrutura para receber os sistemas de supercomputação, além de recursos para apoiar a construção do software que implementa o Monan. O Inpe espera poder contar com o novo aparelho dentro de um prazo de oito meses.

A cidade de Muçum, no Rio Grande do Sul, ficou parcialmente destruída após a passagem de um ciclone extratropical em setembro. Foto: Silvio Avila/AFP

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A aquisição do aparato científico será feita por meio de processo licitatório, que ainda será aberto via edital de concorrência assim que a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) disponibilizar os recursos necessários para a aquisição da máquina.

Supercomputador deve melhorar a previsão sobre eventos climáticos

De acordo com o físico Saulo Freitas, chefe da Divisão de Modelagem Numérica do Sistema Terrestre do Inpe, as especificações técnicas deste supercomputador que o Brasil pretende comprar vão trazer maior acurácia nas previsões, agilidade para perceber a formação de fenômenos e capacidade de antever, com mais antecedência, a chegada de eventos climáticos extremos, como tempestades severas, ondas de calor, períodos longos de secas e poluição do ar pela fumaça das queimadas.

“Esse novo supercomputador vai permitir fazer previsões com pixels menores. Então, teremos um detalhamento maior sobre o que está acontecendo em determinada área”, diz Freitas.

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Os pixels, ele explica, são as unidades responsáveis pela resolução espacial de uma área de cobertura. A lógica é semelhante a uma tela de televisão: quanto menor forem os pixels, maior será a nitidez de uma imagem já que mais pixels serão necessários para preencher determinado quadro.

Por causa disso, o novo supercomputador poderá trazer um ganho de seis vezes em detalhamento em comparação ao que o Cpteq consegue entregar hoje, diz o físico. “Seremos capazes de prever com maior antecedência temporal fenômenos de secas, ondas de calor e regime de chuvas mais torrenciais”, afirmou Saulo Freitas ao Estadão.

Rio Negro atingiu, em 16 de outubro, o nível mais baixo registrado em mais de um século em Manaus, capital do Amazonas. Foto: Antonio Lima/Secom AM

Ele acrescenta ainda que a nova aquisição vai dar aos meteorologistas mais dinamismo nas previsões, chegando a estimar, em até seis horas, o acontecimento de alguns fenômenos. “Vamos poder entrar nessa área que outros centros já fazem que é a previsão de curto prazo. Vamos conseguir prever, em até seis horas, uma tempestade severa com um ineditismo que nunca houve antes”, afirma.

Freitas explica que, do ponto de vista teórico, não é possível garantir que o supercomputador vai dar exatamente uma previsão perfeita em função do “comportamento caótico” - como ele define - da atmosfera. “Mas, (com o novo supercomputador) temos certeza que estaremos mais próximos da realidade em termos de previsão de eventos climáticos extremos”, acrescenta.

Modelo matemático

Para fazer a previsão do clima, é necessário ter informações sobre a atmosfera que são colhidas por diferentes fontes, como satélites, radares meteorológicos, sensores a bordo de aeronaves, entre outros mecanismos. Esses dados são canalizados para o Cptec, que vai gerar uma espécie de fotografia da atmosfera.

“Com essa fotografia, você a coloca dentro de um modelo matemático que vai traduzir essa informação nas variáveis termodinâmicas, como temperatura, umidade, pressão, vento. Desse processo de integrar no supercomputador as informações, deriva o produto da previsão, como a temperatura para São Paulo, por exemplo”, explica o físico Saulo Freitas, chefe da Divisão de Modelagem Numérica do Sistema Terrestre do Inpe.

Isso significa que, para elaborar uma previsão meteorológica com o máximo de exatidão possível, um supercomputador não pode depender apenas da própria tecnologia, mas também de um modelo matemático que servirá de base para a máquina interpretar essas informações colhidas sobre a atmosfera.

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E, de acordo com Freitas, os eventos climáticos extremos têm imposto aos pesquisadores o desafio de elaborar esse modelos de forma mais sofisticada em razão da necessidade de abarcar diferentes variáveis em uma única análise.

Operação do supercomputador Tupã, no Inpe, em 2010. Foto: Filipe Araújo/Estadão

“Tempestades severas como as no litoral norte, em São Sebastião, por exemplo, têm uma conexão com a topografia da região, atmosfera, oceanos. Então, esse novo modelo vem com uma física muito mais avançada do ponto de vista da formulação matemática que o supercomputador vai resolver”, diz o especialista.

Por isso, parte dos recursos disponibilizados pela Finep para o projeto do Risc, que fará a renovação da infraestrutura de supercomputação do Inpe, será usada também para a criação do modelo matemático Monan, que está sendo desenvolvido a muitas mãos.

“O Monan é um projeto nacional que está em desenvolvimento. O projeto envolve mais de 30 instituições, como Inpe, Instituto nacional de Meteorologia (Inmet), Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), os órgãos de meteorologia e oceanografia das forças armadas, e inúmeras universidades, incluindo a USP”, diz Saulo Freitas.

“O Monan vai integrar as relações entre diversas variáveis, como oceano, atmosfera, topografia, elementos químicos etc. A ideia é ter uma descrição física mais realista, um modelo mais acurado. Então, essa é uma vertente da modelagem: aperfeiçoar a formulação física do modelo para ficar cada vez mais próximo da realidade”, afirma o físico.

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