BRASÍLIA – As mudanças realizadas nesta semana pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no processo de autuação de crimes ambientais podem paralisar imediatamente o trabalho de fiscalização e autuação de criminosos ambientais. A avaliação é dos próprios servidores do Ibama, que podem a revogação imediata das alterações determinadas pelo ministro.
O Estadão teve acesso a uma nota informativa enviada pelos analistas ambientais do Ibama de Minas Gerais à Diretoria Técnica Ambiental do Ibama, em Brasília. No documento, que é assinado por 27 servidores que atuam na linha de frente desses processos, os analistas ambientais alertam que a nova norma "tornou impraticáveis os procedimentos vinculados à fiscalização ambiental, provocando o risco de paralisia imediata das atividades".
A avaliação técnica dos agentes aponta que as alteração produzem “insegurança jurídica”, além de conter “vício de forma a todos os procedimentos de fiscalização registrados”. Por isso, os agentes ambientais federais pedem à chefia do Ibama, em caráter de urgência, que seja feita a “revogação da referida norma nos moldes estabelecidos”, diante da “incompatibilidade apresentada pelos novos procedimentos para lavratura de auto de infração”.
As alterações nas regras sobre multas foram publicadas em uma Instrução Normativa Conjunta nesta quarta-feira, 14, assinada por Ricardo Salles e os presidentes do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, e do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), Fernando Lorencini. Hoje há cerca de 130 mil processos de infração ambiental no Ibama, os quais somam aproximadamente R$ 30 bilhões em multas aplicadas por fiscais.
A publicação das mudanças ocorre no momento em que Ricardo Salles é acusado pelo chefe da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, de atuar para favorecer madeireiros ilegais e grileiros de terras. Questionado sobre o assunto, Ricardo Salles negou que as mudanças vão engessar o trabalho dos agentes de fiscalização. “Não é nada disso. Quem faz a confirmação dos atos é o Ditec (diretor técnico ambiental), técnico de carreira do Ibama. Já é assim hoje em dia, porém, sem prazo”, declarou.
Não é o que dizem os agentes que vão a campo e trabalham diretamente nas operações. Segundo os profissionais, há diversas inconsistências na norma que afetam diretamente a emissão dos autos de infração, além das etapas a serem seguidas para preenchimento dos formulários utilizados.
Os profissionais mencionam, por exemplo, que a regra impõe a elaboração de um relatório de fiscalização antes do auto de infração. No entanto, o sistema de auto de infração eletrônico do Ibama não possui ferramenta para emissão do relatório antes da lavratura dos documentos. “Torna-se impossível a emissão de relatório de fiscalização de modo preparatório ou concomitante ao auto de infração”, afirmam.
As regras indicam ainda que cada multa deve passar por uma “autoridade hierarquicamente superior” e indica o prazo de cinco dias para análises de infrações administrativas. “É sabido que as atividades fiscalizatórias são de alta complexidade, o que faz com que tais orientações inviabilizem diretamente o trabalho, bem como a atuação do agentes na apuração dos ilícitos”, alertam os servidores.
O governo publicou uma regra que não foi acompanhada de orientações por parte da Diretoria de Proteção Ambiental e, conforme os agentes, não há qualquer informação sobre apresentações, discussões técnicas ou capacitações para a correta aplicação da norma.
“A instrução normativa recém-publicada reduz a autonomia dos fiscais sobre a lavratura dos autos e concentra poder em um superior hierárquico não definido. Na prática, todos os atos de fiscalização deverão ser confirmados por uma autoridade hierarquicamente superior antes da instauração do processo sancionador”, avalia a especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima, Suely Araújo.
Araújo afirma que o texto elimina a atuação da equipe de fiscais e a fase de análise de conformidade jurídica antes da realização de audiência de conciliação com o autuado. Pela nova regra, essa análise será realizada pelos próprios conciliadores, durante a reunião de conciliação, na qual estará presente o infrator. “Além disso, a instrução normativa estabelece prazos inexequíveis para vários atos. O prazo de cinco dias consta em vários dispositivos. A intenção parece ser, no futuro, punir os próprios servidores, porque o governo sabe que esses prazos não serão cumpridos”, explicou.
A área de infração ambiental do Ibama está praticamente estagnada desde que Salles decidiu interromper os processos para criar uma área de “conciliação” com a finalidade de firmar acordos com os infratores. O Ibama não divulga dados, mas o Estadão apurou que milhares de multas estão prescrevendo todos os dias porque os processos estão paralisados.
Em dezembro do ano passado, Salles escolheu mais um militar para comandar áreas ligadas à pasta, com a nomeação do tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo Wagner Tadeu Matiota. No mês passado, nomeou um advogado de 27 anos, Luciano Leão Machado de Campos, para cuidar dos cerca de cerca de 130 mil processos de infração ambiental, que somam aproximadamente R$ 30 bilhões em multas aplicadas por fiscais do Ibama.
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