Marajó: como explorar a ilha dos búfalos e do carimbó

A pedida é entrar no ritmo da ilha - distante 87 quilômetros de Belém - e desacelerar

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Pôr do sol visto do deque da Pousada Paracauary Foto: Bruna Toni/Estadão

O carimbó, pau oco de onde se tira som de tambor, era acompanhado do ganzá e do maracá. Juntos, determinavam o ritmo do giro das moças, cujos pés, nus, pouco saíam do chão, enquanto os corpos se moviam para frente e para trás. Era uma dança bonita de se ver, mesmo sem qualquer explicação do que se tratava. Mas ela veio, e veio em forma de versos entoados por um dos músicos: “Vem conhecer o Lago do Arari, a Ilha de Marajó é um pedaço do Brasil (...) Canta comigo, homem da beleza rara, ô índia marajoara...”.

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Era meados de setembro quando subi no barco em Belém rumo à Ilha de Marajó. Desejo antigo de viagem, a maior bacia fluvial do mundo – 48 mil quilômetros quadrados de área – é casa do ritmo mais popular do Pará, também batizado carimbó. Dona de uma das culturas mais antigas de que se tem notícia, o destino era perfeito para um roteiro de três dias.

Na busca por informações, perguntei a diversos belenenses se eles já haviam cruzado a Baía do Guajará até o arquipélago. Surpreendentemente, a maioria disse que não, mesmo estando tão perto – são 87 quilômetros de barco. 

Apesar de, nos últimos anos, ter crescido em espaço urbano e em número de leitos e serviços de turismo, Marajó não é exatamente o destino mais procurado da região Norte. Sobretudo depois que outro destino fluvial paraense, o aquífero de Alter do Chão, chegou ao topo das listas de melhores destinos de viagem

Mas engana-se quem troca um destino por outro julgando serem iguais. E perde quem vai a Belém e não considera a esticada até esta “barreira de mar” – ou mbarai-o, na língua tupi –, que acompanha o majestoso desembocar dos Rios Amazonas e Tocantins no Atlântico.

Búfalos

Formado por 16 municípios, o arquipélago traz uma experiência singular. Nas suas duas principais cidades e bases turísticas, Soure, a capital, e Salvaterra, do outro lado da margem, as ruas ou travessas de terra dão a impressão de estarmos num lugar quase inabitado, até meio fantasmagórico. Mas isso até que apareça um búfalo seguindo a passos lentos – Marajó é dona do maior rebanho do País, com cerca de 600 mil cabeças – ou uma moto com cinco ou seis pessoas na garupa. 

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“É perigoso, né? Mas aqui é comum”, conta Júnior Eleres, taxista em Soure e grande guia da nossa viagem. Como outros motoristas, semanalmente ele aguarda turistas desembarcarem no pequeno porto local para oferecer carona até as hospedagens e tentar fechar passeios. Numa dessas, me encontrou. Cheguei a recusar o auxílio, mas o sol de rachar e a distância da minha pousada tornavam o plano da caminhada inviável. “Vamos, levo vocês, não vou deixá-los nesse sol”, disse ele, já dentro do carro, andando ao nosso lado. Aceitamos e, a partir daí, não o largamos mais.

Ilha de Marajó esbanja manguezais Foto: Bruna Toni/Estadão

Praia em Marajó é bucólica, quase particular. Feita de rio, com água ora mais doce ora mais salobra, dependendo da incidência do oceano, propõe sossego e isolamento em vez de mergulho. Esbanja manguezais – o Pará é o segundo Estado brasileiro com mais mangues, atrás apenas do Maranhão – onde noutras partes há só igarapés. Oferece redes no lugar de espreguiçadeiras. Serve filé de búfalo e não porções de fritas.

E talvez só mesmo a arte consiga explicar essa ilha amazônica. Afinal, foi no tal Lago do Arari da canção que a técnica policromada da cerâmica marajoara, a mais antiga do Brasil e uma das mais antigas das Américas, se desenvolveu entre os anos 400 e 1.350. Tanto quanto o carimbó, essa forma artística resiste não só em museus mundo afora, mas ali, na ilha, graças a artesãos que a reproduzem e preservam. Mas como entender arte exige senti-la, aceite o convite da música (e desta reportagem) para ver tudo de pertinho.

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