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Santos-Dumont em 1916: ‘avião será veículo de passageiros’

O pai da aviação falou ao Estado sobre o futuro da aviação e sobre casamento

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Foto do author Liz Batista
Atualização:
Santos-Dumont, aos 25 anos, em balão esférico com motor a explosão, Paris, 1897 Foto: Acervo/
Foto: Acervo/Estadão
Entrevista comAlberto Santos-DumontPai da Aviação

Chegando a São Paulo, vindo dos Estados Unidos, depois de quase dois anos fora do Brasil, Santos-Dumont concedeu rara entrevista ao Estadão em 10 de maio de 1916. Na ocasião, falou sobre o futuro da aviação, que depois da guerra, na sua opinião, se voltaria para o transportes de passageiros.

O aviador também esclareceu boatos sobre um possível casamento. O inventor do avião chegava a São Paulo depois de uma viagem feita por terra do Chile, passando pela Argentina e Foz do Iguaçu. Só no trecho entre Buenos Aires e Foz foram seis dias de viagem.

Entrevista de Santos-Dumont ao Estadão em 11/5/1916 Foto: Acervo/Estadão

Chegando à capital paulista, Santos Dumont, autoridade mundial da aviação que acabara de representar os Estados Unidos no Congresso Pan-Americano de Aviação no Chile, passou quase desapercebido, sem que ninguém lhe oferecesse homenagem ou recepção.

Na entrevista também se demonstrou maravilhado com as belezas de Foz do Iguaçú, “O Iguassú, sem exaggero nenhum, é uma maravilha. Maior, muito maior que o Niagara”.

Confira a transcrição da entrevista (para ver como foi publicada, clique aqui).

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Conversando com Santos Dumont

Santos Dumont chegou hontem a S. Paulo. Aqui está uma noticia que a muita gente causará surpresa. Pois então, chegou hontem Santos Dumont, brasileiro celebre, o inventor do aeroplano - e não se fez nada na cidade, não se viu manifestação popular nenhuma, nem a mais simples demonstração official?... Infelizmente, comnosco é assim. Nós somos o povo das maximas expansões e da maior indifferença. Ou nos desmanchamos num enthusiasmo descompassado ou nos encolhemos na apathia mais desoladora. Meio termo, o precioso meio termo equilibrado das manifestações sinceras, é coisa que não conhecemos.

Por isso, Santos Dumont que devera ser recebido sempre entre nós com as demonstrações mais honrosas, chega sem ninguem o perceber quasi, e não tem as homenagens que lhe são devidas. Entretanto, certa vez a sua chegada a S. Paulo foi um acontecimento que sacudiu de enthusiasmo toda a população.

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Mas Santos Dumont continua a ser celebridade. Não se inventa impunemente o aeroplano! Não se faz em aviação o que elle fez, sem estar sujeito a todos os precalços da gloria... E logo nos acudiu entrevistal-o, conversar com elle alguns instantes, sobre a sua viagem ao Chile, sobre aviação, sobre os seus projectos futuros.

Alberto dos Santos Dumont é de pouca prosa. Evidentemente, faz pouco caso da sua celebridade e não gosta de “interviews”... Como, porém é o mesmo rapaz simples e franco, não é dificil a ninguem trocar meia duzia de idéas ou de impressões com elle. Por menos que fale, sempre diz coisas interessantes...



Não se pode ainda dizer quantos passageiros poderá um apparelho transportar normalmente: Mas fique sabendo que já se transportaram vinte e nove pessoas num só apparelho. Não é uma bella lotação?

Naturalmente, a conversa principia pela viagem. Que chegara bem, obrigado. Mas que viagem longa, da Argentina a S. Paulo, por terra! A sua, sobretudo, tivera um accrescimo de seis dias a cavallo, 450 kilometros, uma distancia assim como daqui ao Rio - porque, tendo ido ver o Salto do Iguassu’, quiz vir de lá directamente a S. Paulo. Mas o salto do Iguassu’, que maravilha! Compensa fartamente os incommodos da viagem.

- De Buenos Aires ao Iguassú, diz elle, são seis dias de viagem, tres de estrada de ferro e tres por via fluvial. Em todos os pontos onde desembarquei recebi as homenagens mais delicadas das autoridades argentinas. Chegando ao Salto do Iguassú fiquei, positivamente, maravilhado. Imagine você um Niagara - ainda não viu o Niagara? pois imagine uma immensa quéda d’agua offerecendo o mais bizarro pittoresco deste mundo: cachoeiras numerosas variadissimas, ilhas espalhadas por alli, e a vegetação, e uma infinidade de aspectos bellissimos. O Iguassú, sem exaggero nenhum, é uma maravilha. Maior, muito maior que o Niagara. O Niagara é uma formidavel quéda d’agua - mais nada. Não tem o lindo pittoresco do Iguassú. Poder-se-ia dizer que ha um Niagara saxonio nos Estados Unidos e um Niagara latino aqui no sul da America.

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Dumont fala fluentemente, com enthusiasmo, um brilho vivo nos olhos escuros. Tez corada, bigode aparado á americana, no cabello a mesma falha que já tinha ha annos quando aqui esteve.

Vem do Chile, para onde tinha ido directamente dos Estados Unidos. Os longos mezes que passou nos Estados Unidos, passou-os a viajar, percorrendo as fabricas de aeroplanos.

- A maior fabrica de aeroplanos do mundo está nos Estados Unidos. E’ a Curtiss, com o capital de 16 milhões de dolars. Tudo quanto produz ella e as outras é para a Inglaterra. Naturalmente, emquanto durar a guerra, não pode ser de outra forma: a Inglaterra compra tudo. Mas depois, essas fabricas não poderão acabar: hão de continuar a produzir, a fabricar aeroplanos. Teremos então o aproveitamento definitivo do aeroplano como meio de transporte. Na America, principalmente, onde ha deficiencia de estradas de ferro, é que o aeroplano poderá prestar relevantissimos serviços, não só como meio de transporte postal, mas ainda como vehiculo de passageiros...

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- Quantos?

- Não se pode ainda dizer quantos passageiros poderá um apparelho transportar normalmente: Mas fique sabendo que já se transportaram vinte e nove pessoas num só apparelho. Não é uma bella lotação? Mas tudo isso, só depois da guerra.

Santos Dumont fala em seguida do Congresso Pan-Americano de Aviação, realisado em Santiago, no qual se estabeleceu a federação das sociedades de aviação de toda a America:

- No Congresso, eu representei, o Aero-Club Norte-Americano...

Estava nos Estados Unidos quando se annunciou o Congresso. Immediatamente, o Aero-Club Americano lhe pediu que o representasse. Do Brasil, nenhum pedido semelhante recebeu. Por isso, officialmente, só representou aquella sociedade norte-americana de aviação. Particularmente, representava o seu paiz, que muito ama...

A proposito das festas a que assistiu em Santiago do Chile, Dumont conta que a sua chegada foi tal a agglomeração popular, tal ancia do povo na estação, que, apesar dos 400 policias e das ordens severissimas, houve um tremendo atropelo, o povo invadiu a estação, e por pouco não ficou sem vida o ministro do Brasil...

Em Buenos Aires, como em Santiago, foi tratado admiravelmente.. Tão admiravelmente que até falou no seu casamento com uma senhorita argentina..

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- Mentira, não houve nada, nem “flirts”. Mas não é a primeira vez falam no meu casamento. Ao que parece, por aqui não se tem o direito de ser solteiro...

Santos Dumont pretende voltar a Argentina em Julho, por occasião dos festejos do centenario. Isso, a convite das sociedades de aviação argentinas. Então, tornará a visitar o Iguassú.

E volta a falar do prodigioso salto:

- Estou enthusiasmado com aquillo. Pretendo mesmo escrever um livro sobre o Iguassú, e livro com muitas gravuras. Quando passei por Curityba, fui falar com o presidente do Estado somente sobre o Iguassú: pedir-lhe que se intereses pelo salto, e torne mais facil e commoda a excursão. Imagine que não existe nem hotel por aquellas paragens. Existe, com o nome de hotel, uma casinha, com dois quartos e uma sala, apenas...

A conversa torna ao centenario argentino, que agora se vai commemorar brilhantemente no paíz vizinho.

- Que se pretende fazer para festejar o nosso? Nada até agora? Pois, na França, commemorações como essas começam a ser preparadas com dez annos de antecedencia. Aqui faz-se tudo á ultima hora, tão á ultima hora que até, frequentes vezes, se adia a festa para dois annos depois. Segundo parece é o que vae succeder com o nosso centenario...

Santos Dumont cala-se. Comprehende-mos que está finda a entrevista. E de pé, já de chapéu na mão, temos ainda algumas informações: que por estes dias seguirá para o Rio, onde ficara uma semana ou pouco mais, tornando a S. Paulo para aqui ficar até principio de Julho. Em Julho, partirá para Buenos Aires.

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