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Opinião|Houve um crime de espionagem?

convidado
Atualização:

Observo o que publicou o portal de notícias DW, em 8.4.24:

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“A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) descobriu um espião russo que atuava no Brasil ao se passar por diplomata da Embaixada da Rússia em Brasília, de acordo com informação divulgada neste domingo (07/04) pelo jornal Folha de S. Paulo.

Identificado como Serguei Alexandrovitch Chumilov, ele trabalhava cooptando brasileiros como informantes e deixou o Brasil depois de o setor de contrainteligência da Abin descobrir que ele atuava como membro de um dos serviços russos de inteligência.

De acordo com a Folha, Chumilov visava reunir informações a respeito de determinados setores ou temas brasileiros que eram de interesse do serviço de inteligência russo que integrava.

Chumilov chegou ao Brasil em 2018 para assumir o posto de primeiro-secretário na embaixada russa, conforme informações do Itamaraty. Ainda que sua permanência no país fosse legal, ele usava a posição de diplomata para desempenhar atos de espionagem.

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O espião também se dizia representante da Casa Russa no Brasil (Russky Dom), ligada à Rossotrudnichestvo, agência russa para “assuntos de colaboração com a comunidade de Estados independentes, compatriotas no estrangeiro e cooperação humanitária internacional”.

Discute-se sobre o crime dc espionagem.

O crime de espionagem consiste na entrega a governo estrangeiro ou organização criminosa estrangeira de informações secretas.

Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa (Espionagem e direito) nos disse que: “Não há um conceito único de espionagem entre os estudiosos da questão. O historiador britânico Michael Burn destaca alguns atributos específicos dos espiões: 1. envolvimento deliberado com a entrega de informações sobre pessoas ou coisas recentemente observadas; 2. aquisição e envio sigilosos dessas informações; 3. uso das informações por pessoas hostis ou suspeitas às pessoas a que se referem, geralmente envolvendo questões governamentais; 4. enganação consciente. Gerard Cohen-Jonathan e Robert Kovar apontam os elementos constitutivos da espionagem, que podem ser resumidos no seguinte esquema: a) elemento material Z objeto da espionagem; b) elemento subjetivo Z intenção ou dolo de espionar; c) elemento pessoal Z vítima e beneficiário da espionagem.”

Quanto a ilicitude da conduta disse ainda Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa (obra citada):

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“A primeira corrente entende que atos de espionagem perpetrados por agentes estatais contra outros Estados em tempos de paz são ilícitos internacionais, isto é, constituem violação do direito internacional. Esse posicionamento, defendido por Manuel Garcia-Mora, Quincy Wright e Ingrid Delupis, baseia-se em duas proibições estabelecidas em tratados internacionais: 1) a proibição de ingerência arbitrária na vida íntima dos indivíduos (art. 17 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (BRASIL, 1992)); e 2) a proibição de violação da integridade territorial e independência política de um Estado por outro (art. 2º da Carta das Nações Unidas (BRASIL, 1945).

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Esse também foi o entendimento da Suprema Corte do Canadá, que negou o direito do serviço de inteligência externa canadense de realizar operações de inteligência no exterior que implicassem violação da privacidade e do direito local, por considerar que, com isso, estariam violando o direito internacional.”

O art. 5º, n. 4, da Lei de Crimes de Responsabilidade prevê como infração política contra a existência política da União o ato de “revelar negócios políticos ou militares, que devam ser mantidos secretos a bem da defesa da segurança externa ou dos interesses da Nação,” praticado pelo presidente da República ou ministro de Estado.

A espionagem geralmente está ligada a serviços de inteligência.

No Brasil a recente lei de defesa do estado democrático de direito tratou da matéria, inserindo conduta ilícita típica no Código Penal.

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Tem-se o crime de espionagem:

Art. 359-K. Entregar a governo estrangeiro, a seus agentes, ou a organização criminosa estrangeira, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, documento ou informação classificados como secretos ou ultrassecretos nos termos da lei, cuja revelação possa colocar em perigo a preservação da ordem constitucional ou a soberania nacional: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Pena - reclusão, de 3 (três) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

§ 1º Incorre na mesma pena quem presta auxílio a espião, conhecendo essa circunstância, para subtraí-lo à ação da autoridade pública. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

§ 2º Se o documento, dado ou informação é transmitido ou revelado com violação do dever de sigilo: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

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Pena - reclusão, de 6 (seis) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

§ 3º Facilitar a prática de qualquer dos crimes previstos neste artigo mediante atribuição, fornecimento ou empréstimo de senha, ou de qualquer outra forma de acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

§ 4º Não constitui crime a comunicação, a entrega ou a publicação de informações ou de documentos com o fim de expor a prática de crime ou a violação de direitos humanos. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

O objeto de tutela deste delito é, como todos do Título XII, o Estado Democrático de Direito, mas aqui especificamente pelo viés da manutenção de segredos fundamentais ao País, cujo conhecimento indiscriminado colocam em risco a soberania nacional.

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O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa, civil ou militar (crime comum), nacional ou estrangeiro. O Estado brasileiro é o sujeito passivo.

A entrega é feita, em uma das possibilidades, a governo estrangeiro ou a seus agentes, ou seja, representantes oficiais de outros países.

Cícero Coimbra ( Crime militar extravagante de espionagem) assim lembrou:

“O que se entrega, objeto material do delito, é um documento ou uma informação classificados como secretos ou ultrassecretos, nos termos da lei. A lei em questão é a Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regula o acesso à informação, possibilitando a classificação dos documentos públicos de acordo com a imprescindibilidade à segurança da sociedade ou do Estado, excepcionando a regra encerrada pelo princípio da publicidade (art. 37, caput, CF), com amparo, note-se, na própria Constituição, no inciso XXXIII do art. 5º: constitucional em XXXIII: “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (g.n.).

A propósito da Lei mencionada, são consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional, prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais, pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população, oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País, prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas, prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional, pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares ou comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações (art. 23 da Lei n. 12.527/2011).”

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O elemento subjetivo é o dolo, a intenção, a vontade livre e consciente de incorrer nas condutas descritas de espionagem e suas formas autônomas acessórias.

O crime é formal na medida em que tem como objetivo a desestruturação do Estado Democrático.

Conceitua-se segredo de Estado como a informação, passível ou não de informação, passível ou não de classificação sigilosa, cujo sigilo classificação sigilosa, cujo sigilo seja imprescindível à segurança seja imprescindível à segurança da sociedade ou do Estado.

Ao tratar da restrição de acesso à informação, a Lei nº 12.527 prevê a classificação sigilosa nos graus reservado, secreto e ultrassecreto, com os prazos de sigilo de cinco, 15 e 25 anos, respectivamente. A prorrogação é possível somente neste último caso e por uma única vez, pelo mesmo período.. Assim, a Lei de Acesso a Informacao prevê as seguintes hipóteses de classificação sigilosa: Art. 23. São consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado e, portanto, passíveis de classificação as informações cuja divulgação ou acesso irrestrito possam: I - pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; II - prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; III - pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; IV - oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; V - prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; VI - prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; VII - pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.

A Lei de Acesso a Informação ressalva ainda o direito à informação relativa às demais hipóteses de sigilo previstas em lei.

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Há, outrossim, o tipo penal inserido no artigo 153, § 1º, A, do CP:

§ 1º-A. Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 2º Quando resultar prejuízo para a Administração Pública, a ação penal será incondicionada.

Fala-se do crime de violação de sigilo funcional ( CP, artigo 325).

São dois os núcleos previstos: revelar que tem as significações de comunicar, transmitir, dar a conhecimento. Facilitar a revelação (revelação indireta), não guardar como devia.

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O delito é subsidiário na medida em que se só se configura se não houver crime mais grave.

Entende-se por sujeito do crime o agente que desempenha funções, encargos e interesses de órgão público, recebendo e executando ordens de autoridade.

Dir-se-á que o sujeito do crime é funcionário público, crime próprio.

Pode ocorrer participação de particular nos casos em que este induz, auxilia ou colabora de qualquer forma na conduta do funcionário.

Esse entendimento, salvo melhor juízo, também se aplica ao artigo 325 do CP com relação a figura do sujeito ativo. Se considerarmos o estagiário pertencente ao rol elencado pelo artigo do diploma supracitado, poder-se-à imputar a ele responsabilidade por qualquer dos crimes cujo sujeito ativo seja o funcionário público.

Cabe à Justiça Comum Federal instruir e julgar esse delito penal. Isso porque se trata de crime político, a teor do que dita o artigo 109, IV, da Constituição Federal, sendo o Supremo Tribunal Federal a instância recursal, recurso ordinário, a teor do artigo 102, II, “b”, da Constituição Federal.

Por sua vez, há a conduta inserida no Código Penal Militar, cuja instrução e julgamento é da competência da Justiça Especial Militar.

Para tanto, prevê o artigo 143(Decreto-lei nº 1.001/69:

Art. 143. Conseguir, para o fim de espionagem militar, notícia, informação ou documento, cujo sigilo seja de interêsse da segurança externa do Brasil:

Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

§ 1º A pena é de reclusão de dez a vinte anos:

I - se o fato compromete a preparação ou eficiência bélica do Brasil, ou o agente transmite ou fornece, por qualquer meio, mesmo sem remuneração, a notícia, informação ou documento, a autoridade ou pessoa estrangeira;

II - se o agente, em detrimento da segurança externa do Brasil, promove ou mantém no território nacional atividade ou serviço destinado à espionagem;

III - se o agente se utiliza, ou contribui para que outrem se utilize, de meio de comunicação, para dar indicação que ponha ou possa pôr em perigo a segurança externa do Brasil.

Modalidade culposa

§ 2º Contribuir culposamente para a execução do crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, no caso do artigo; ou até quatro anos, no caso do § 1º, nº I.

Como aduzem Rogério Sanches e Ricardo Silvares (Crimes contra o estado democrático de direito. Salvador: Jus Podivm, p. 205):

“A conduta do art. 143 do Código militar é nitidamente preparatória do crime de espionagem do CP, especificamente da conduta do caput do art. 359-K, combinada ou não com seu § 2º, pois, neste, não se previu a conduta de obtenção do documento ou informação sigilosa, mas somente a utilização posterior dos objetos materiais. Além disso, o tipo do art. 143 limita a finalidade da obtenção dos dados informativos à espionagem de natureza militar, ou seja, aquela praticada no âmbito das forças militares e para fins de atividades destas, o que leva à conclusão de que pode ser cometido por militar, e sempre com violação de sigilo, pois inerente às suas funções .”

Há crimes propriamente militares e crimes impropriamente militares. Os propriamente militares dizem respeito à vida militar, vista globalmente na qualidade funcional do sujeito do delito, na materialidade especial da infração e na natureza peculiar do objeto da ofensa penal, como disciplina, a administração, o serviço ou a economia militar. Os crimes impropriamente militares, que podem ser cometidos por militares e ainda, excepcionalmente, por civis, abrangem os crimes definidos de modo diverso ou com igual definição na legislação penal comum. Sendo assim, crimes impropriamente militares são os que, comuns em sua natureza, podem ser praticados por qualquer cidadão, civil ou militar, mas que, quando praticados por militar em certas condições a lei considera militares, como se tem dos crimes de homicídio e lesão corporal, os crimes contra a honra, os crimes contra o patrimônio, os crimes de tráfico ou posse de entorpecentes, o peculato, a corrupção, os crimes de falsidade, dentre outros.

São ainda impropriamente militares, os crimes praticados por civis, que a lei define como militares, como a violência contra sentinela, previsto no artigo 158 do CPM.

Trata-se aqui de uma forma de espionagem que objetiva uma vantagem militar em detrimento da pátria. Esse o seu objeto jurídico. Esse o aspecto a considerar aplicando-se o princípio da especialidade.

Convidado deste artigo

Foto do autor Rogério Tadeu Romano
Rogério Tadeu Romanosaiba mais

Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado
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