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IBGE faz primeiro recenseamento de quilombolas do Brasil em 6 mil comunidades

Pesquisadores irão a comunidades onde vivem descendentes de negros escravizados, como parte do Censo 2022; moradores serão recenseados como grupo étnico com relações territoriais específicas e presunção de ancestralidade e história comuns

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Foto do author Roberta Jansen

RIO - O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começa nesta quarta-feira, 17, o recenseamento nas comunidades quilombolas do Brasil. É a primeira vez que essa população será recenseada como pertencente a um “grupo étnico, dotado de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão historicamente sofrida”. O principal objetivo desse levantamento é determinar quantos são, onde estão e como vivem os quilombolas em território nacional.

Um pré-levantamento feito pelo IBGE identificou pelo menos 5.972 comunidades quilombolas em todo o Brasil. Não há, porém, estimativa do número de pessoas que vivem nesses locais. Nessas áreas mapeadas, os recenseadores vão abrir o questionário com a pergunta: “Você se considera quilombola?”. Em seguida, perguntarão: “Qual o nome da sua comunidade?”. Os pesquisadores dispõem de uma extensa lista de comunidades. Mas, se outros nomes forem referidos nessas áreas, eles serão registrados também.

Recenseamento das comunidades quilombolas do País começa nesta quarta-feira, 17. Foto: Márcio Costa/Agência IBGE Notícias

“Embora o direito aos territórios quilombolas esteja previsto na Constituição de 1988, o Estado brasileiro sempre teve muita dificuldade para organizar um cadastro nacional das comunidades e mapear os territórios”, afirmou o gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco. “Então, fizemos amplo levantamento junto a registros administrativos disponíveis nos órgãos oficiais do Estado, dados georreferenciados dos territórios e, até mesmo, meras indicações da existência de alguma população; contamos com um envolvimento muito grande das lideranças quilombolas.”

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A população que vive nessas comunidades previamente mapeadas já havia sido recenseada outras vezes. Nunca, porém,como quilombola. Por isso, será a primeira vez que será possível identificar quem são e em que condições vivem os descendentes de escravizados.

“Trata-se de um esforço pioneiro, nunca antes feito pelo Estado ou qualquer instituição brasileira”, frisou Damasco. “Estamos partindo de um cenário de completa ausência de informação, muito diferente do que ocorre com a população indígena O censo vai servir como um grande mapeamento, a consolidar as informações que pré-levantamos e identificar novas questões para pesquisas futuras.”

A pergunta “você se considera quilombola?” não faz parte do questionário padrão do Censo 2022 aplicado em todo o Brasil. Ela surge apenas no questionário das áreas pré-mapeadas. Essa foi a saída metodológica encontrada pelos especialistas. O termo não é de amplo conhecimento da população em geral. Poderia travar a entrevista, atrasar o recenseamento ou mesmo gerar muitas informações incorretas. No entanto, se alguém fora dos territórios mapeados se declarar espontaneamente quilombola, essa informação será registrada como “estimativa de subnumeração”.

“Temos consciência da limitação da metodologia, mas nenhuma outra chegou ao ponto a que chegamos, de conseguir retratar a população quilombola, sem inviabilizar o censo”, afirmou a coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta Antunes. “Essa é a metodologia possível para o momento.”

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Rol dos esquecidos

“Quem não é visto não é lembrado”, afirmou o militar da reserva Roberto dos Santos, um dois principais líderes da comunidade quilombola Caveira Botafogo, em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos fluminense. “Não podemos estar no rol dos esquecidos, perder nossas tradições.”

O discurso de Roberto foi feito para marcar o início do recenseamento dos quilombolas. “As autoridades vão reconhecer que existimos”, explicou. “E, assim, não terão como nos negar políticas públicas.”

Educação, saúde e saneamento básico são algumas das reivindicações das comunidades quilombolas. Boa parte desses territórios é reconhecida pela Fundação Palmares. Mas apenas uma fração conseguiu garantir a titularidade da terra e ainda enfrenta disputas.

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“Povos e comunidades tradicionais indígenas são recenseados como tais desde 1991”, contou o coordenador nacional do Censo, Luciano Duarte, que participou da celebração quilombola na Região dos Lagos. “Desde o último censo, de 2010, começamos a discutir também como incluir os quilombolas e gerar informações específicas sobre eles, como quantos são, mas também perfil de trabalho e residência, condições de vida.”

Tratamento a escravizados impressionou Charles Darwin

Na Região dos Lagos fluminense, há dez comunidades quilombolas. Ficam nos municípios de Cabo Frio, Búzios, São Pedro da Aldeia e Araruama. Todas têm origem na Fazenda Campos Novos, fundada no fim do século XVII pela Companhia de Jesus. A propriedade chegou a ocupar grande parte da área dos quatro municípios.

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A fazenda recebeu em 1832 o naturalista britânico Charles Darwin. Foi durante uma viagem que fez ao interior do estado entre 8 e 24 de abril daquele ano. Nessa viagem, ele mostrou-se chocado com o tratamento dispensado aos negros escravizados. A impressão o influenciou à elaboração da sua futura Teoria da Evolução.

Alguns prédios da antiga sede da fazenda ainda estão na região. É possível ver a sede, uma igreja e partes da antiga senzala onde viviam os escravizados.

O gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE, Fernando Damasco, lembrou os problemas que marcavam o tema.

“Embora o direito aos territórios quilombolas esteja previsto na Constituição de 1988, o estado brasileiro sempre teve muita dificuldade para organizar um cadastro nacional das comunidades e mapear os territórios”, afirmou ele. “Então, fizemos um amplo levantamento junto a registros administrativos disponíveis nos órgãos oficiais do estado, dados georreferenciados dos territórios e, até mesmo, meras indicações da existência de alguma população; contamos com um envolvimento muito grande das lideranças quilombolas.”

IBGE criou metodologia para quilombolas

Nas áreas previamente mapeadas, os recenseadores iniciam o questionário com a pergunta: “Você se considera quilombola?”. Emseguida, perguntam: “Qual o nome da sua comunidade?”. Os pesquisadores dispõem de uma extensa lista de comunidades, mas, se outros nomes forem referidos nessas áreas, eles serão registrados também.

“Trata-se de um esforço pioneiro, nunca antes feito pelo estado ou qualquer instituição brasileira”, frisou Damasco. “Estamos partindo de um cenário de completa ausência de informação, muito diferente do que ocorre com a população indígena. O censo vai servir como um grande mapeamento, para consolidar as informações que pré-levantamos e identificar novas questões para pesquisas futuras.”

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A pergunta “você se considera quilombola?” não faz parte do questionário padrão do Censo 2022 aplicado em todo o Brasil. Ela surge apenas nas áreas pré-mapeadas. Essa foi a saída metodológica encontrada pelos especialistas. O termo não é de amplo conhecimento da população em geral. Poderia travar a entrevista, atrasar o recenseamento ou mesmo gerar muitas informações incorretas. No entanto, se alguém fora dos territórios mapeados se declarar quilombola, a informação será registrada como “estimativa de subnumeração”.

“Temos consciência da limitação da metodologia, mas nenhuma outra chegou ao ponto em que chegamos, o de conseguir retratar a população quilombola, sem inviabilizar o censo”, afirmou a coordenadora do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, Marta Antunes. “Essa é a metodologia possível para o momento.”

 “O Brasil também é quilombola. Não sabemos quanto do Brasil. Mas, certamente, uma boa parte”, afirmou a coordenadora nacional das comunidades negras rurais quilombolas, Rejane Maria de Oliveira. “E temos um papel fundamental na sociedade. Somos os guardiões da história dos nossos ancestrais que foram sequestrados, escravizados e mortos. Temos a obrigação de levar a nossa história às futuras gerações.”

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