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Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|Quem faz o livro viver é a leitura

A Biblioteca de Cangalha é a mais nova do Brasil e do mundo. Entreguei a vida de Fernanda como o primeiro livro. E já tem fila para ler

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Foto do author Ignácio de Loyola Brandão

Certo dia, cheguei a Cangalha, sul de Minas Gerais, com a biografia de Fernanda Montenegro nas mãos. Renatinha e Rose, da comunidade, ficaram curiosíssimas. “Fernanda? A grande?”, exclamaram com os olhos iluminados. Eu: “Gostariam de ler? Deixo o livro aqui, quando voltar, apanho”. Fernanda ficou semanas. Voltei para lá, volto com frequência. Gosto. Na verdade, necessito me distanciar por algum tempo desta amada e maltratada São Paulo, que um prefeito que a despreza transformou em uma Babel de arranha-céus, ruas esburacadas e imundas, fiações apodrecendo, semáforos pifando, água correndo pelo meio-fio, trânsito congestionado, cracolândia, obras, obras, obras, assaltos. São Paulo que, em recente evento, quando foi assinada a concorrência para tornar o topo do Edifício Martinelli um mirante de prazer, o prefeito declarou que São Paulo é tão bela quanto Paris. “Basta olharmos nossas represas...”, afirmou.

'Quem faz o livro viver é a leitura. A minha está indo para Cangalha, bairro de Aiuruoca, sul de Minas, 6 mil habitantes, aos pés da Pedra do Papagaio', escreve Ignácio de Loyola Brandão  Foto: Werther Santana/ Estadão

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Neste final de ano, quando está sendo aberta pela comunidade a Casa Cangalha, lugar para encontros, debates, música, reuniões, loja de artesanatos, tomei a decisão. Ali haverá uma biblioteca. Entreguei a vida de Fernanda como o primeiro livro. E já tem fila para ler. Ana Maria Machado, colega da Academia Brasileira doou boa parte de suas obras. Em seguida, enviei 400 livros de minha biblioteca. Tenho 8 mil, que li, consultei, guardei. Livro fechado? Inútil. Lembrei de uma entrevista de Maria Fernanda para o Caderno 2 com Leandro Karnal. Ela chegou à casa do historiador e filósofo e encontrou estantes vazias. Ele já “despachou” tudo. Também me vieram os tempos finais de Antonio Candido, que foi distribuindo sua biblioteca. Quem faz o livro viver é a leitura. A minha está indo para Cangalha, bairro de Aiuruoca, sul de Minas, 6 mil habitantes, aos pés da Pedra do Papagaio. Terra da atriz Isis Valverde. Acrescento que, no município de Carvalhos, vizinho à cidade, nasceu Dantas Motta, advogado e poeta, 1913-1974. Viveu bom tempo em Aiuruoca. Vejam o que disse Carlos Drummond de Andrade sobre ele: “Se tivéssemos de escolher um poeta para representar cada Estado, o de Minas seria Dantas Motta”. Região abençoada. Sem esquecer a cachaça premiadíssima Tiê, que o Antonio Carlos produz em Guapiara e o músico e compositor Hélio Ziskind adora de morrer.

A Biblioteca de Cangalha é a mais nova do Brasil e do mundo. E a mais antiga? Fui ao livro do Mattoso, de história da humanidade do colegial. Raramente vou ao Google, prefiro me exercitar. A mais antiga é a de Nínive, na Mesopotâmia, hoje Iraque, criada há 6 mil anos.

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão

É escritor, membro da Academia Brasileira de Letras e autor de 'Zero' e 'Não Verás País Nenhum'

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