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Agnès Varda: tempero de Nouvelle Vague no BIFF

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
A cineasta nascida em Ixelles, na Bélgica, em 1928, filmou de 1954 até sua morte, em 2019  Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Tá rolando a edição 2022 do BIFF - o Brasília International Film Festival, lá no DF, muito bem lapidado pela jornalista e produtora Anna Karina de Carvalho, contando com a grife do crítico Miguel Barbieri na equipe curatorial e carregando em seu ventre uma homenagem a uma diretora que virou signo da afirmação feminina: a belga Agnès Varda (1928-2019). Entre os títulos do tributo à cineasta, destacam-se "Elsa, a Rosa" (1966) e "Ô Saisons Ô Chateaux" (1958), raramente projetados em tela grande. As sessões de todo o evento podem ser conferidas no https://biffestival.com/, sendo que as exibições presenciais se passam no Cine Brasília, Sesc 504 Sul, Sesc Taguatinga, Sesc Ceilândia, Sesc Gama e Complexo Cultural de Planaltina. No momento em a falta de equidade de gêneros, agravada pelo sexismo, torna-se uma das pautas centrais do cinema, dentro e fora das telas, a realizadora que ganhou notoriedade global por retratos de mulheres aguerridas segue eterna nas reflexões sobre a dimensão política e poética da arte de contar histórias em imagens em movimento. Ela morreu em decorrência de um câncer no seio. Só que a indústria do audiovisual nunca deixou de aclamar seu nome, hoje presente na grade de plataformas como a MUBI. Comemorando seis décadas, "Cléo das 5 às 7" (1962), que está no BIFF, é a ficção mais famosa de sua prolífica obra. Ela dirigiu cerca 54 produções. Seu último trabalho, "Varda par Agnès", lançado há três anos no Festival de Berlim, mobilizou circuitos de arte e por cinematecas de toda a Europa. Todos querem prestar loas à realizadora que foi um pilar da Nouvelle Vague, o movimento que modernizou a maneira de se filmar na França, a partir de um engajamento com os pleitos revolucionários do período, revelando gênios como Truffaut, Godard, Chabrol. "Parecia uma maluquice uma garota que nem tinha visto tantos filmes assim se propor a abrir um debate estético numa França onde as vozes masculinas eram preponderantes nos sets, só que eu tinha a ingenuidade e a bravura para fazê-lo", disse Agnès na Berlinale.

 

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Aos 90 anos, ela morreu lutando de modo sereno contra seu tumor, sem jamais abrir mão do trabalho. Pioneira da modernização política e narrativa da produção audiovisual, a diretora de "As duas faces da felicidade" (Prêmio Especial do Júri no Festival de Berlim de 1965) e "Os renegados" (Leão de Ouro em Veneza, em 1985) nasceu Arlette Varda, mas mudou legalmente seu nome aos 18 anos. Ela tinha em seu currículo um Oscar honorário, uma Palma de Ouro de honra ao mérito e o troféu Berlinale Camera. Seu prestígio passou a crescer a partir de 1954, quando finalizou "La Point-Courte". Hoje, afirma-se que este é o filme-gênese do fluxo de modernização da arte audiovisual na França, que gerou a "Nova Onda" francófona nas telas, entre 1958 e 1970. Foi uma época revolucionária, na qual ela foi casada com o mestre europeu dos musicais Jacques Demy (1931-1990), realizador de "Os guarda-chuvas do amor" (1964). Viveu com ele de 1962 até a morte do diretor, com quem teve um filho, o ator Mathieu Demy. Antes dele, numa relação com o ator Antoine Bourseiller (1930-2013), teve uma filha, Rosalie Varda, uma aclamada figurinista, que, nos últimos anos, trabalhou como produtora de Agnès. "Temos muitas grandes mulheres fazendo filmes, mas esse número pode ser maior do que é. O mundo precisa da diferença, da diversidade", disse a cineasta, em sua passagem pelo Festival de Berlim de 2019, onde lançou "Varda par Agnès", um misto de autorretrato e diário de viagem.

"Varda par Agnès" estreou na Berlinale, em 2019 Foto: Estadão

Tocante, esse .doc-ensaio é resultado das viagens que a cineasta fez pelo mundo durante o lançamento de "Visages, Villages", produção feita em parceria com o fotógrafo JR, laureada com o troféu L'Oeil d'Or, a Palma de Ouro dos documentários, em Cannes em 2017. Por esse exercício de reflexão da imagem, ela chegou a ser indicada ao Oscar, em 2018. Reestruturado para ser exibido na TV, como série, "Varda par Agnès" acompanha uma jornada dela de Paris até Los Angeles e, de lá, pra China, passando em revista 60 anos de imagens produzidas a partir de um instinto autoral. "Eu sei que o Brasil anda passando por maus bocados políticos, mas estou longe demais de vocês para opinar. Resistir ainda é uma forma poética de se expressar. Em 1968, era o que a gente mais fazia, entre filmagens e conversas sobre grandes diretores. Cinema é pra ser vivido e essa vivência envolve levar o mundo para os sets, para os diálogos, para as conversas ao fim dos filmes", disse Agnès ao JB, em recente conversa na Espanha, em meio ao lançamento de "Visages, villages" na Europa. "A função social de um artista é investigar a brutalidade e a beleza, para instigar a emoção e o pensamento. Intervir na sociedade pela expressão poética é parte do processo de criação e faz do cinema uma ferramenta de denúncia e de transcendência".

Em várias enquetes respeitadas de melhores filmes de todos os tempos, encontra-se o nome de Agnès, quase sempre representado por "Cléo das 5 às 7" (1962), lançado no ápice da Nouvelle Vague. Em sua visita ao Brasil, em 2009, no Festival do Rio, ela frisou a importância moral que aquele longa teve na luta por desmistificar tabus da representação feminina. Esse manifesto da força feminina, indicado à Palma de Ouro, entrou na lista dos cem maiores longas de língua não inglesa apurado pela BBC de Londres com mais de 200 críticos do planisfério cinematográfico todo. Recorrente, o merecido carinho dos críticos com Agnès é uma gratidão à sua contribuição para novas (e livres) formas de representação da mulher no cinema. "Venho de uma época em que eu era a única cineasta em atividade num ciclo cheio de homens. Cá entre nós, acho que o número atual de mulheres cineastas ainda é muito aquém do que a arte e o mundo. Meus filmes são femininos e aportam à realidade a percepção de que as mudanças são graduais e que dependem da integração de todos", disse Agnès em um recente colóquio em San Sebastián. "A vida ganha um novo tom quando vista por uma câmera".

 

Entre os títulos em competição no BIFF, há uma produção japonesa que merece especial afeto: "Yamabuki". Revelado pela mostra competitiva de Roterdã, na Holanda, em janeiro, quando disputou o troféu Tigre, o painel de solidões construído por Juichiro Yamasaki vem colhendo elogios planeta adentro. Seu filme assume como arena uma região montanhosa, utilizada como área de mineração. Lá, ele monta diversos núcleos de personagens - um mais sofrido do que o outro. Lá vive Changsu, um ex-atleta equestre da seleção sul-coreana, que foi forçado a desistir de seus sonhos mais cedo do que esperava. Ele se vê trabalhando em uma pedreira. Também naquele lugar vive Yamabuki, uma adolescente batizada com o nome de uma flor. Ela anda envolvida com uma série de protestos para o desespero de seu pai, um dedicado policial. Calmamente, Juichiro nos leva a conhecer cada uma dessas pessoas. O BIFF vai até o dia 30.

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p.s.: Gabriel é um menino de 8 anos que gosta de dançar, ao mesmo tempo em que joga futebol e toca rock. Mas na escola onde estuda, não querem que ele faça aula de dança só porque é menino. Com texto da premiada Renata Mizrahi, conhecida por suas peças infantis de qualidade e conteúdo, direção de Renata e Priscila Vidca e direção musical de Marcelo Rezende, o espetáculo infantil "Gabriel só quer ser ele mesmo" faz três únicas apresentações, nos dias 1º, 2 e 12 de outubro, no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, às 16 horas. "Até os brinquedos que são destinados para as meninas e os meninos são reflexos de uma tentativa de simplificar o mundo baseado em estereótipos de gênero, cuja origem não passa de mera construção social. Com este espetáculo, quero provocar a reflexão sobre educação infantil, sobre o quanto deixamos as crianças serem quem são, ou se estamos oprimindo a partir de uma conduta social automatizada", comenta Renata.

p.s.2: Uma das únicas três residências originais situadas à beira-mar, em Ipanema, no RJ, a Casa de Cultura Laura Alvim recebe o projeto 35 anos de Laura, idealizado e realizado pela Constelar, da empresária Tatianna Trinxet, e com patrocínio máster da PRIO, maior companhia brasileira independente de óleo e gás. A partir do dia 28 de setembro, será inaugurada uma exposição inédita, imersiva e gratuita, que presenteia a cidade do Rio com o acervo original de Laura Alvim e de sua família. Mais de 4 mil peças históricas foram catalogadas. Cerca de 1,5 mil imagens (a maioria é fotografia) foram digitalizadas para oferecer ao público uma experiência sensorial única e lúdica, com cores, sons, elementos visuais e narrativas históricas. Parte desse acervo cultural museológico estará presente no Memorial Laura Alvim, espaço que será permanente no centro cultural, tendo sido idealizado como uma entrega para a sociedade. Na exposição, uma foto inédita de Laura Alvim, já em seus últimos anos de vida, ganha destaque em um ambiente sensorial criado por um coletivo de artistas de diversas nacionalidades. Em outro espaço, um mini palco e cadeiras refletidas em um jogo de espelhos lembram os encontros promovidos por Laura com a presença de artistas como Fernanda Montenegro, Bibi Ferreira, Darcy Ribeiro e Tônia Carrero. A casa é gerida pela FUNARJ.

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