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Projeto Fragmentos: Globoplay resgata novelas clássicas incompletas com trechos perdidos; veja lista

Nesta segunda-feira, 22, chegam à plataforma capítulos de ‘O Rebu’, ‘Estúpido Cupido’, ‘Chega Mais’ e ‘Coração Alado’, que a Globo perdeu em incêndios ou fitas regravadas. Em fevereiro será a vez de ‘Sol de Verão’

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Por Danilo Casaletti
Atualização:

Assim como para os admiradores de música, que costumam garimpar canções raras e sempre cultivam a esperança de encontrar aquela gravação perdida no tempo, os fãs de telenovelas brasileiras também têm sua listinha de tramas que, por um motivo ou outro, se tornaram raridades.

Os atores Tony Ramos e Sonia Braga na novela 'Chega Mais' Foto: Acervo/ TV Globo

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A partir desta segunda-feira, 22, o Globoplay atende os anseios desses noveleiros. A plataforma dá início ao que batizou de projeto Fragmentos, que vai disponibilizar novelas que estão incompletas nos arquivos da emissora. Um contraponto ao projeto Regaste, que desde 2020 apresenta tramas completas, inclusive com vinhetas de abertura e encerramento e passagens de blocos.

A previsão é a de que 28 novelas produzidas pela emissora anos 1970 e 1980 entrem na plataforma até 2025, todas elas com até 20 capítulos preservados. As quatros primeiras, que serão oferecidas juntas na estreia do projeto, são O Rebu (1974), Estúpido Cupido (1976), Coração Alado (1980) e Chega Mais (1980). De acordo com o Globoplay, as próximas serão Sol de Verão (1982), com sete capítulos, em fevereiro, e Os Gigantes (1979), em março, com dois capítulos.

Para Flávio Furtado, gerente de programação do Globoplay, o projeto Fragmentos, além de fomentar a estratégia da plataforma - as novelas, antigas ou atuais, são o carro-chefe do negócio - ajuda a preservar a memória da cultura, da dramaturgia brasileira e a valorização do audiovisual nacional.

“O acervo da Globo tem uma relevância incomparável para a história da teledramaturgia brasileira e, tendo em vista a paixão do público pelo gênero, achamos muito pertinente ter a oportunidade dessas obras serem conhecidas ou revistas”, diz Furtado ao Estadão.

Para Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela Universidade de São Paulo (USP) e autor dos livro A Hollywood Brasileira - Panorama da Telenovela no Brasil e da coleção Grandes Novelas, o projeto, ao resgatar obras importantes do gênero, mostrará ao público o porquê a telenovela ter se transformado no principal produto da televisão brasileira a partir dos anos 1970.

Os autores Ziembinski e Lima Duarte na ousada novela 'O Rebu' que entra no projeto Fragmentos Foto: Divulgação/TV Globo

“Uma obra artística, particularmente uma telenovela com meses no ar, é o retrato mais fidedigno de um período histórico que engloba sociedade, política, comportamento, vestuário, gastronomia e música. É por onde compreendemos nosso caminhar pela história”, diz Alencar

Ele reforça que acompanhar ou rever um folhetim não se trata de um mero divertimento.

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Essas novelas incompletas serão disponibilizadas na categorias ‘Novelas’ dentro do Globoplay, na qual estão as produções que se encontram completas. Furtado diz que haverá um aviso junto à sinopse de cada trama avisando que se trata de uma obra incompleta.

Alencar, porém, acha a solução insuficiente. “É fundamental que se encontre uma maneira de situá-las dentro de um contexto maior artístico e social, para que não se tornem apenas uma mera exibição de capítulos esparsos e fragmentados”, diz o especialista no tema que trabalhou na TV Globo por 30 anos.

Por que tão poucos capítulos preservados?

Nessa primeira leva de novelas incompletas do projeto Fragmentos, o Rebu, a mais antiga delas, aparecerá com apenas dois capítulos. Estúpido Cupido, outro novela histórica em termos de audiência, terá seis capítulos, assim como Chega Mais e Coração Alado.

O número de capítulos preservados varia muito. E por motivos diferentes. Um deles foram os incêndios pelos quais a TV Globo passou. O maior, em 1976, atingiu parte acervo da emissora.

Imagens do incêndio na Globo em 1976 exibidas durante o 'Fantástico' especial de 50 anos em 2023 Foto: Reprodução de 'Fantástico' (2023)/TV Globo

Outro motivo: a falta de visão no passado de que esse material pudesse ser reaproveitado pela emissora - o Vale a Pena Ver de Novo só estreou em 1980. Muitas fitas magnéticas, grandes para se guardar e caras para o tamanho de produção que a emissora adquiriu a partir dos anos 1970, fez com que elas fossem reaproveitas em outros programas.

Dos anos 1980 em diante foi ficando mais clara a importância de preservar os materiais das novelas. Ainda assim, algumas mídias acabaram se perdendo ou se deteriorando, o que era comum pela própria natureza das fitas magnéticas, vulneráveis à ação do tempo

Flávio Furtado, do Globoplay

Entretanto, outro expediente pode explicar o fato de novelas já dos anos 1980, como Chega Mais e Coração Alado e, provavelmente, muitas outras que entrarão no projeto, terem cerca de seis capítulos cada uma.

Durante um tempo, por essas mesmas medidas de reaproveitamento, a emissora decidiu guardar, em geral, apenas os dois primeiros capítulos, dois do meio e os dois últimos em seu acervo.

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Segundo relato de Mauro Alencar ao Estadão, em 1995, quando a Globo fez 30 anos, ele foi chamado por Mauro Lúcio Vaz (1933 - 2019), na época diretor da Central Globo de Produção), para o que foi denominado como projeto Quadruplex (uma referência à fita usada para gravação de imagem e som a partir da invenção do video tape).

O objetivo era digitalizar o acervo da emissora, porém, com a proposta de compactar as novelas em 60 capítulos. Na lista, diz Alencar, estavam produções como Feijão Maravilha, Marron-Glacé e Olhai Os Lírios dos Campos.

“Mostrei a ele que era uma trabalho insano. Que deveríamos preservar a novela na íntegra, a exemplo de outros países como Estados Unidos, e Japão, que não apenas preservam, mas capitalizam seu acervo”, diz.

Já naquela época, novelas como Pigmalião 70, O Cafona, Bandeira 2 e Os Ossos do Barão já não existiam mais no acervo da emissora.

As atrizes Isabel Tereza e Renata Sorrah na novela 'O Cafona', de 1971, que se perdeu no tempo Foto: TV G

‘Coração Alado’, uma novela problemática

Cada uma das novelas que entrarão nessa primeira fase de Fragmentos tem sua peculiaridade, justamente o que atiça o saudosismo de quem pôde assisti-las à época ou curiosidade de quem não teve a oportunidade de acompanhá-las pela TV quando foram exibidas originalmente.

Coração Alado, de Janete Clair, é um exemplo. A trama, na época, sofreu com a censura da ditadura militar e a críticas da imprensa. A novela, que tinha Tarcísio Meira, Vera Fischer, Débora Duarte e Walmor Chagas como protagonistas, jamais foi reprisada pela Globo. Com uma cena de masturbação e outra de estupro, o folhetim entrou para a lista de ‘novelas polêmicas’.

A atriz Debora Duarte em 'Coração Alado': cena polêmica marcou a trama de Janete Clair Foto: Acervo/ TV Globo

Essas cenas, de certo, não estarão no Fragmentos. Há uma lenda de que a da masturbação da personagem Catucha, de Debora Duarte, tenha sido apagada logo após a exibição, no calor do choque que provocou. Alencar acha mais provável que a sequência, fechada apenas no rosto de atriz, tenha tido um final muito menos romântico: foi extinta na política de redução de fitas.

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Foi uma tentativa de Janete de se aprofundar em temas polêmicos, ousados. Mas é preciso dizer que Coração Alado foi a sua produção mais fraca, com excesso de personagens sem a mesma urdidura dramática fabulosa que ela construiu em Irmãos Coragem ou Selva de Pedra

Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia

Os dois capítulos restantes de O Rebu, uma obra-prima de Bráulio Pedroso, de certo não revelarão a dimensão de sua proeza. A produção de 1974 rompeu com a narrativa convencional da telenovela brasileira ao mostrar uma história de um assassinato e seu esclarecimento que se passava em dois dias. O autor levou o suspense durante 121 capítulos. O remake, produzido em 2014, teve apenas 36 episódios.

Os parcos seis capítulos de Sol de Verão, de Manoel Carlos, que entrarão no ar em fevereiro, também não darão a ideia do trauma que foi a morte do protagonista Jardel Filho quatro meses após a estreia. Por conta da fatalidade, a Globo encurtou a novela e o autor pediu afastamento de sua função - ele havia escrito a novela especialmente para Jardel, de quem era amigo.

O que pode vir por aí?

De acordo com Flávio Furtado, do Globoplay, as novelas do projeto Fragmentos serão divulgadas aos poucos. Para colocá-las na plataforma, segundo ele, além do esforço técnico de recuperação das mídias, também é necessário que os direitos de exploração da obra sejam revistos.

Muito provável que as novelas se concentrem, sobretudo, nos anos 1980 - uma faixa também mais aceita pelo público da plataforma. Os anos 1970, admite Furtado, têm mais característica de nicho, ou seja, são para um público realmente interessado - as narrativas eram bem mais lentas e a qualidade das imagens não tão boas.

Para os fãs do gênero resta outra grande dúvida: a primeira versão de Saramandaia (a emissora produziu um remake da obra em 2013), sucesso de Dias Gomes em 1976, uma produção que, ao lado de O Bem-Amado, é essencial para se entender seu estilo na televisão, está preservada a ponto de poder ser divulgada na íntegra ou com apenas poucos capítulos?

O personagem João Gibão, de Juca de Oliveira, na primeira versão da novela 'Saramandaia' Foto: Acervo/ TV Globo

Segundo Alencar, até meados dos anos 1990, Saramandaia estava completa nos arquivos da TV Globo. “Existia, sim. Se de lá para cá ela foi apagada ou as fitas se deterioraram, é outra história. Eu a tenho no meu acervo”, afirma. Furtado, por sua vez, diz que a situação técnica de Saramandaia, está “em análise”.

Nesse caso, um mistério típico de Dias Gomes. Resta aos fãs de telenovelas, então, aguardar as cenas dos próximos capítulos - ou de fragmentos deles.

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