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A condenação de Elizabeth Holmes vai fazer o Vale do Silício pôr os pés no chão?

Sentença para ex-CEO da Theranos pode enviar mensagem séria ao setor de tecnologia

Por Michael Liedtke

SAN JOSE, Califórnia (AP) – A condenação por fraude da ex-CEO da Theranos, Elizabeth Holmes, poderia ser mais do que apenas enviar uma outrora famosa ex-bilionária à prisão. Em teoria, também poderia passar uma mensagem preocupante para uma cultura do Vale do Silício que costuma se perder na própria arrogância e presunção. Será? É melhor esperar sentado por isso.

Elizabeth Holmes; promotores federais a descreveram como uma charlatã obcecada por fama e fortuna Foto: Jeff Chiu/AP

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Para que essa mudança aconteça, os empreendedores teriam que reduzir a promoção exagerada de si mesmos, o que poderia levar a perda de possíveis investidores para startups mais barulhentas e com menos receios. Enquanto isso, os capitalistas de risco e outros investidores em startups – sempre de olho no próximo lance de sorte inesperado – precisariam ficar muito mais desconfiados em relação às propostas ambiciosas que escutam, apesar do hábito de décadas do Vale do Silício de injetar dinheiro em uma variedade de ideias vagas de startups. A maioria fracassa, mas os raros casos bem sucedidos podem mais do que compensar uma série de perdas.

“Acho que isso vai gerar um pouco mais de cautela entre os empreendedores, mas, no geral, a natureza humana sendo como é, ainda haverá uma tendência em exagerar, principalmente quando você sabe que talvez não consiga capital se não fizer isso”, disse Richard Greenfield, advogado que representa investidores em startups. “E não acho que isso mudará o comportamento de muitos investidores”, acrescentou. “As pessoas ainda vão querer proezas quase impossíveis.”

Elizabeth foi duramente criticada por passar dos limites em seus incansáveis discursos de vendas enquanto estava à frente da Theranos, uma startup de exames de sangue que ela fundou quando abandonou a faculdade em 2002, aos 19 anos.

Na segunda-feira, um júri a considerou culpada por ludibriar investidores fazendo-os acreditar que a Theranos havia desenvolvido um dispositivo médico revolucionário que poderia detectar um grande número de doenças com apenas algumas gotas de sangue. Ela pode pegar até 20 anos de prisão para cada uma das quatro condenações, embora especialistas jurídicos digam ser pouco provável que ela receba a pena máxima. O júri também inocentou Elizabeth de quatro acusações criminais que lhe atribuíam tentativa de fraude com pacientes que pagaram por exames de sangue da Theranos.

Os promotores federais descreveram Elizabeth como uma charlatã obcecada por fama e fortuna. Durante os sete dias em que depôs, ela se definiu como uma pioneira visionária em um Vale do Silício dominado por homens, assim como uma jovem abusada emocional e sexualmente pelo ex-namorado e parceiro de negócios, Sunny Balwani.

O julgamento também revelou as armadilhas de uma das jogadas favoritas dos empreendedores do Vale do Silício – transmitir um otimismo sem limites, independentemente de ser justificável, conhecido como “fake until you make it” (algo como, finja até conseguir). Esse ethos ajudou a criar empresas inovadoras como Google, Netflix, Facebook e Apple – esta última cofundada por um dos heróis de Elizabeth, Steve Jobs.

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Assim que ela foi indiciada em 2018, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos deixou claro que esperava usar seu caso como uma cutucada que sacudiria o Vale do Silício – sem mencionar as gigantes da tecnologia que continuam ampliando seu domínio na vida cotidiana – e o faria voltar à realidade.

“Eles queriam enviar uma mensagem”, disse Carl Tobias, professor de direito da Universidade de Richmond que acompanhou o julgamento de Elizabeth. “Agora vamos ver se ela é o suficiente para mudar alguns dos comportamentos de risco que temos visto há anos.”

Poucos esperam que a condenação de Elizabeth diminua a força das promessas arrojadas e exageros ousados que se tornaram rotina na atividade de inovação da indústria de tecnologia.

A sentença de Elizabeth “enviará uma mensagem aos CEOs de que há consequências ao ultrapassar os limites”, sugeriu Ellen Kreitzberg, professora de direito da Universidade Santa Clara que assistiu ao julgamento. Por outro lado, ela disse, “os investidores ainda vão querer ganhar mais dinheiro com uma ideia promissora. “Eles sempre vão apreciar as chances de grandes lucros.” A ambiciosa meta que Elizabeth tentou alcançar quando fundou a Theranos havia se tornado um pesadelo na época em que ela foi indiciada por crimes graves em 2018.

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Ela pretendia criar uma maneira menos dolorosa, mais prática e mais barata de rastrear centenas de doenças e outros problemas de saúde usando apenas algumas gotas de sangue em vez de encher tubos para coleta com sangue para cada teste. Elizabeth almejava subverter uma indústria dominada por empresas gigantes que administram laboratórios clínicos, como a Quest Diagnostics e a Labcorp, começando com a instalação de “minilaboratórios” em farmácias e supermercados nos EUA, que usariam um pequeno dispositivo da Theranos chamado Edison para realizar exames de sangue mais rápidos e menos invasivos.

O conceito – e a maneira como Elizabeth o apresentava – impressionou investidores abastados e ansiosos para conseguir uma participação inicial em uma empresa revolucionária. Isso ajudou a Theranos a levantar mais de US$ 900 milhões com bilionários experientes, como o mandachuva das comunicações Rupert Murdoch e o magnata de softwares Larry Ellison, assim como com ricas famílias, como a dos Waltons, fundadora do Walmart, e o clã dos DeVos, por trás da Amway.

“Algumas pessoas gostam de gastar dinheiro com coisas sem pensar muito e têm demasiado otimismo sem fundamento e Elizabeth Holmes aproveitou ao máximo isso”, disse Greenfield. Ela também conquistou uma diretoria com boas conexões que incluía dois ex-secretários de Estado dos EUA, Henry Kissinger e o falecido George Shultz; dois ex-secretários de Defesa, general James Mattis e William Perry; o ex-senador Sam Nunn; e o ex-CEO da Wells Fargo, Richard Kovacevich. Ela encantou o ex-presidente Bill Clinton com uma palestra e impressionou o então vice-presidente Joe Biden, que a elogiou efusivamente durante uma visita a um laboratório da Theranos em 2015.

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Mas os investidores e integrantes da diretoria ficaram surpresos ao saber que a tecnologia de exames de sangue da Theranos continuava produzindo resultados equivocados. As provas mostraram que a Theranos fez um grande esforço para ocultar esse fato, inclusive obrigando os pacientes a passarem por coletas de sangue regulares em vez das prometidas picadas no dedo e analisando secretamente essas amostras com tecnologia convencional.

As provas apresentadas no julgamento também mostraram que Elizabeth mentiu sobre supostos acordos que a Theranos teria realizado com grandes empresas farmacêuticas, como a Pfizer, e as Forças Armadas americanas.

A fraude veio à tona em 2015, depois que uma série de reportagens do Wall Street Journal e uma auditoria na Theranos revelaram falhas potencialmente perigosas na tecnologia da empresa, levando ao seu colapso final. Durante seu depoimento, Elizabeth expressou em alguns momentos o arrependimento pela maneira como ela lidou com uma série de questões. Mas também evitou com frequência responder perguntas enquanto era interrogada, dizendo que havia esquecido as circunstâncias em torno dos principais eventos destacados pela promotoria. Ela insistiu que nunca deixou de acreditar que a Theranos estava prestes a aprimorar sua tecnologia.

“Sejamos realistas: o Vale do Silício é baseado em sonhos”, disse Greenfield. “E você precisa de pessoas que alimentem isso para manter esses sonhos vivos.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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