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Análise: Entenda o que é (mesmo) o Plano Pró-Brasil

Anunciado de forma desastrada pelo governo e articulado à revelia da equipe econômica, o programa gerou muita confusão no mercado sobre as suas características

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Por José Fucs
Atualização:

A divulgação desastrada do Plano Pró-Brasil, que o governo estava preparando à revelia do ministro Paulo Guedes, para alavancar o crescimento no pós-pandemia, gerou muito ruído no mercado. Apresentado em diferentes versões, com números divergentes entre si, o Pró-Brasil – batizado informalmente de “Plano Marshall”, em referência ao programa dos Estados Unidos para estimular a recuperação da Europa após a Segunda Guerra Mundial – acabou se tornando um quebra-cabeça difícil de ser montado, mesmo para quem seguiu de perto o tema.

O presidente Jair Bolsonaro particia da cerimônia de posse de Rogério Marinho no Ministério do Desenvolvimento Regional Foto: Gabriela Biló/Estadão

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Inicialmente, o próprio governo anunciou que o plano previa investimentos de R$ 300 bilhões em obras de infraestrutura, sendo R$ 250 bilhões por meio de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) e R$ 50 bilhões com recursos públicos, valor que chegou a ser divulgado por aí como sendo de R$ 30 bilhões. Por lembrar o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), implementado nos governos petistas com pesados investimentos públicos contabilizados à margem do orçamento, a proposta provocou uma saraivada de críticas e recebeu o apelido de “Dilma 3” entre integrantes da equipe econômica.

Depois, com o vazamento de uma apresentação em Power Point rasteira feita pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, numa reunião do Conselho de Ministros, outros números vieram à tona. Falou-se, então, que o plano previa a realização de investimentos de R$ 33 bilhões só neste ano com recursos extraorçamentários, a serem viabilizados por meio da flexibilização do teto de gastos. Além disso, a proposta de Marinho, levado ao governo pelas mãos de Guedes como ex-secretário de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, incluía mais R$ 184,4 bilhões até 2024 em recursos do próprio orçamento. A dinheirama seria usada para tocar obras inacabadas e iniciar novos projetos da Pasta.

Considerada uma “bomba fiscal” com alto poder de destruição das finanças públicas, já combalidas pela liberação de bilhões de reais para minorar os efeitos negativos das políticas de combate ao coronavírus, o projeto passou a ser chamado também de “PAC do Marinho”. Como Marinho é apontado como idealizador e articulador do plano e o principal defensor da ideia de que o governo deve deixar de lado a questão fiscal para estimular a retomada da economia, sua proposta foi encarada por muitos analistas como a espinha dorsal do programa.

Racionalidade

Ao mesmo tempo, as críticas de Marinho contra a atual política econômica, amplificadas por líderes do Centrão, com quem o presidente Jair Bolsonaro negocia um acordo político para reforçar sua base no Congresso, turbinaram as especulações sobre um possível “cavalo de pau” do governo na área e a eventual demissão de Guedes. O “barulho” só diminuiu depois de Bolsonaro afirmar que Guedes “é o homem que decide economia no Brasil”, na segunda-feira, 27, e que será dele a última palavra sobre o uso de dinheiro público nos projetos do Pró-Brasil (leia mais).

Com tudo isso, as dúvidas sobre o plano só aumentaram. Afinal, que plano é esse? Vai incluir recursos públicos ou não? Em que volume? Qual será o papel do ministro Paulo Guedes no programa? No momento, como o plano ainda está em elaboração, nem todas as respostas são definitivas. Mas, com a checagem de informações junto a alguns dos ministérios envolvidos no plano e a junção das peças do quebra-cabeça, é possível decifrar a esfinge. 

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Embora arquitetado por Marinho sem a participação de seu ex-chefe, o plano está sendo capitaneado pelo ministro Walter Braga Netto, da Casa Civil, com o apoio de Bolsonaro e da ala militar do governo. Participam também da iniciativa os ministros Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, Bento Albuquerque, das Minas e Energia, e Tereza Cristina, da Agricultura.

Braga Netto ficou responsável por reunir as propostas dos ministérios envolvidos no plano, que herdou o nome de um programa de investimentos públicos e privados que já estava em gestação no Ministério da Infraestrutura. Junto com os ministros de cada área, ele deverá avaliar os mais factíveis e tentar organizar tudo com certa racionalidade. Agora, segundo a nova diretriz dada por Bolsonaro, Braga Netto também deverá incorporar Guedes ao processo, para dar o seu aval à viabilidade econômica das propostas.

Reempacotamento

Na prática, portanto, o plano deverá funcionar como uma espécie de guarda-chuva, ao incorporar sugestões dos diferentes ministérios, mais ou menos em linha com o que já acontece com o Programa de Parcerias de Investimento (PPI). Isso significa que as propostas divulgadas até agora são apenas partes do todo. Inclusive a que prevê investimentos de R$ 300 bilhões em obras de infraestrutura (ou R$ 280 bilhões, conforme a versão), inicialmente divulgada pelo governo como se fosse o próprio plano.

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Na verdade, essa proposta nada mais é que um reempacotamento do que já estava na agenda do Ministério da Infraestrutura desde o ano passado. O órgão já previa a realização de investimentos de R$ 250 bilhões em concessões e PPPs até 2022, além aportes de R$ 8 bilhões ao ano com recursos orçamentários em locais sem interesse para a iniciativa privada.Considerando o período 2020-2022, portanto, daria um total de R$ 24 bilhões em investimentos públicos.

Nada disso é novo nem ameaça a saúde financeira do País. Tampouco vai contra a política econômica de Guedes. A novidade é que o Gomes de Freitas está pleiteando nesta fase pós-pandemia uma dotação adicional R$ 6 bilhões, que é o que falta para completar os R$ 30 bilhões em investimentos da própria Pasta com recursos públicos até 2022. Tal complementação deverá ser feita com o remanejamento de verbas de outras áreas e já recebeu o sinal verde do ministério da Economia.A ideia do Ministério da Infraestrutura é usar o dinheiro, cujo cronograma de liberação ainda não está definido, para acelerar as obras da BR-381, em Minas Gerais, e do trecho 2 da Ferrovia Leste Oeste, entre Caetité e Barreiras, na Bahia, que já estão em andamento, entre outros projetos de menor custo.

“Eike Batista do Emprego”

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Em entrevista ao Estado em fevereiro, o próprio Gomes de Freitas disse isso. "Em 2020, nós temos R$ 8 bilhões em recursos orçamentários, mais R$ 4 bilhões que a gente tem de restos a pagar, para executar em áreas mais remotas ou com menos tráfego”, afirmou. “Com a redução de custos a ser proporcionada pelas concessões, a tendência é a gente ir tendo mais fôlego orçamentário para levar as obras, a manutenção e os equipamentos de infraestrutura às regiões mais longínquas. Estamos, por exemplo, com várias intervenções em andamento em aeroportos regionais do Norte do País, com recursos públicos. A mesma coisa nós vamos fazer neste ano em termos de manutenção de estradas no Norte e no Nordeste. "

No caso de Marinho, porém, a questão muda de figura. O ministro realmente propõe uma mudança radical na política econômica. Sua apresentação não deixa dúvidas sobre suas intenções. Embora tenha sido confundida com o plano como um todo, sua proposta se limita à própria pasta, à qual está vinculado o programa Minha Casa Minha Vida, que deverá ser rebatizado de Casa Verde Amarela. Se todas as sugestões de Marinho fossem atendidas, certamente “matariam” a saudade que os construtores sentem do governo Dilma, quando receberam bilhões de reais em dinheiro subsidiado com recursos dos cotistas do FGTS, impedidos de movimentar os recursos depositados em seus nomes.

Para se ter uma ideia da desconexão da proposta com a realidade fiscal do País, Marinho sugeriu a retomada de 11,4 mil obras inacabadas, além da realização de 9,4 mil novos projetos, com recursos viabilizados pela flexibilização do teto de testos. Segundo suas previsões, a iniciativa geraria nada menos que 9,3 milhões de empregos até 2022 e 17 milhões até 2024. Não por acaso, ele está sendo chamado de “Eike Batista do emprego” pela equipe econômica, numa referência às previsões de prospecção de petróleo feitas anos atrás pelo empresário, que nunca se concretizaram.

Até agora, os demais ministérios, como Agricultura e Minas e Energia, não divulgaram suas propostas. Pode-se colocar desde já na conta, porém, as novas licitações do pré-sal e as concessões da usina termoelétrica de Angra 3 e de minas de fosfato, carvão, zinco e cobre, que já estavam na agenda do Ministério das Minas e Energia e do PPI, além da privatização da Eletrobrás adiada para 2021, que poderá render até R$ 25 bilhões, conforme a cotação das ações na Bolsa, se toda a participação de 51% da União na empresa for repassada aos investidores.