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Arno Augustin, pai das ‘pedaladas fiscais’, reaparece em Brasília para debater reforma tributária

Ele participou de debate no Senado; ex-secretário do Tesouro elogia novo arcabouço, mas antevê dificuldades

Foto do author Mariana Carneiro
Por Mariana Carneiro
Atualização:

BRASÍLIA - O assunto que levou o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin a Brasília foi a reforma tributária. Ele reapareceu no Senado nesta quarta-feira, 23, quase nove anos depois de deixar o cargo, no fim do primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), e sete anos depois de ser condenado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) pelas pedaladas fiscais que levaram ao impeachment da petista em 2016.

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Augustin foi convidado a debater a reforma tributária na Comissão de Assuntos Econômicos, que organizou um grupo de trabalho para discutir o tema, ainda que não tenha nenhum poder deliberativo. O convite foi proposto pela senadora Teresa Leitão (PT-PE).

Após a palestra, Augustin falou sobre o passado e também sobre a decisão do TRF-1, que nesta terça-feira, 22, confirmou o arquivamento do processo contra Dilma pelas pedaladas.

Gestão de Arno Augustin no Tesouro, iniciada em 2007, no segundo mandato de Lula, foi marcada por manobras que foram apelidadas na época de 'contabilidade criativa'. Foto: WILTON JUNIOR

A “pedalada fiscal” foi o nome dado à prática do Tesouro Nacional de atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos (públicos e também privados) e autarquias, como o INSS. O objetivo do Tesouro e do Ministério da Fazenda era melhorar artificialmente as contas públicas.

O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, também foi beneficiado pela decisão. Augustin segue inabilitado para ocupar funções no governo federal até 2030, por ordem do TCU. Ele está recorrendo.

A gestão dele no Tesouro, iniciada em 2007, no segundo mandato de Lula, foi marcada por manobras que foram apelidadas na época de “contabilidade criativa”, uma vez que tinham por objetivo despistar a piora nos indicadores fiscais e o aumento dos gastos do governo.

O desequilíbrio nas contas públicas e a incerteza sobre a capacidade do governo em honrar seus compromissos, em meio a uma queda no preço das commodities, levou a uma grave crise de confiança, cujo resultado foi uma forte recessão que durou três anos (2014 a 2017).

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O ambiente econômico negativo e a perda de apoio popular decorrente disso foi um dos combustíveis para o impeachment de Dilma, responsabilizada em 2016 pelo TCU por editar decretos autorizando despesas sem a prévia autorização do Congresso.

‘Invenção’

Anos depois, Augustin tem um balanço diferente daquele tempo. Diz que a política executada até 2014, quando deixou o Ministério da Fazenda, diminuiu o desemprego e a dívida era baixa. Desde que deixou o cargo, Augustin adotou uma vida reservada no Rio Grande do Sul e deu raras entrevistas.

“A história está mostrando que vínhamos num bom caminho. Infelizmente, por razões principalmente políticas, o Brasil foi para outro caminho e acabou tendo muitos anos em que não houve crescimento, houve aumento do desemprego, em que houve um conjunto de fatos econômicos negativos”, disse. “Essa é a minha avaliação, os números demonstram isso de forma inequívoca, e agora o Judiciário também.”

Ele credita a recessão ocorrida naquele momento, quando houve uma perda acumulada de PIB de mais de 7%, à turbulência política e à Operação Lava Jato, versão que coincide com a de políticos do PT, inclusive Lula.

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“Houve uma série de mudanças, fatos econômicos, a própria Lava Jato; houve pressão política do Congresso que dificultou muito a gestão da presidenta Dilma no seu segundo mandato. Um conjunto de eventos que têm a ver com a política brasileira e também alguns fatos econômicos internacionais. Mas a Lava Jato teve um efeito muito importante”, afirmou.

Sobre as pedaladas e a maquiagem nas contas do governo, Augustin afirma hoje que tudo se tratou de “invenção” e “mentira”. “O Judiciário acabou de dar a sua palavra, que foi uma fraude, uma invenção feita à época e que a presidenta Dilma e muitos outros são inocentes”, afirmou.

Arcabouço

Augustin elogiou o novo arcabouço fiscal, proposta pelo ministro Fernando Haddad e aprovada nesta terça-feira, 23, na Câmara. Ele antevê, contudo, problemas com a pressão que os gastos em saúde e educação farão sobre o novo teto, o que também é alvo de atenção de analistas do mercado financeiro. Para o ex-secretário do Tesouro, essas duas áreas deveriam ficar de fora do limite de gastos da nova regra

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“O País decidiu que saúde e educação devem ter uma determinada regra de gastos. No momento em que há uma regra constitucional, que terá que ser cumprida, ela criará eventualmente alguma dificuldade para o arcabouço fiscal”, disse, referindo-se aos pisos constitucionais para as duas áreas.

“Vai ter que haver uma solução, possivelmente essa (cortar outros gastos). Mas são detalhes do arcabouço”, disse. “Eu seria a favor de tirar educação e saúde do limite de gastos, mas entendo que o governo está fazendo o possível, numa nova circunstância, está sendo bem-sucedido. O mercado está enxergando bem o governo.”

Reforma tributária

Durante sua palestra sobre a reforma tributária, Augustin elogiou o que considera ser o esforço do governo em apoiar uma proposta que já foi ensaiada inúmeras vezes no passado e que acabou emperrada por falta de acordo. Antes de comandar o Tesouro Nacional, ele foi secretário de Fazenda de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul.

“Eu entendo que o motivo principal pelo qual esse assunto levou tanto tempo para ser enfrentado até hoje é o fato de que o ICMS passou a ser um imposto com enormes de distorções causadas por isenções fiscais bastante pronunciadas – cujo mérito eu respeito. Há um conjunto de Estados que entendem que têm o direito de se desenvolver e para isso usar benefícios fiscais. Mas tudo isso gerou enormes distorções para todo o sistema”, disse. “Falar em simplificar falar e em fazer reforma é antes de mais nada enfrentar esses problemas.”

A uma plateia formada em boa medida por críticos da atual reforma, como a senadora Margareth Buzetti (PSD-MT), Augustin sugeriu que todos abram mão de seus pleitos em prol de um benefício comum.

“Esse grande esforço do governo federal deve ser acompanhado pelo esforço de cada um de nós, dos municípios, dos Estados, dos brasileiros, porque é muito difícil sair da circunstância em que o Brasil está sem que tenhamos respectiva capacidade de união.”

Buzetti, por sua vez, repetiu crítica que já foi vocalizada pelo governador Ronaldo Caiado (União-GO). “A única coisa que não podemos é privilegiar os Estados que já são privilegiados e prejudicar Estados com diferenças regionais, que é o caso do meu Estado. Um Estado produtor, exportador de commodities, que não arrecadar na cadeia, vai arrecadar o quê? Vai ficar com o pires na mão?”, questionou.

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