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‘Não faz sentido ter alíquota diferenciada por setor na reforma tributária’, diz Bernard Appy

Para secretário, os setores subestimam a carga tributária atual ao dizerem que haverá aumento de preços com as mudanças e apresentam números que ‘enganam’ ou ‘não fazem sentido’

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Foto do author Célia Froufe
Por Lorenna Rodrigues (Broadcast) e Célia Froufe (Broadcast)
Atualização:
Foto: Wilton Júnior/Estadão
Entrevista comBernard AppySecretário extraordinário da Reforma Tributária

Enquanto os diferentes setores da economia apresentam números assustadores para pedir tratamento diferenciado na reforma tributária - de preferência na forma de alíquotas menores -, o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, disse ao Estadão/Broadcast que a discussão não tem sentido. “Esquece setor, a tributação não é sobre setor, é sobre bens e serviços que são consumidos pelo consumidor final”, afirmou.

Segundo Appy, nenhum setor da economia será prejudicado pela reforma tributária por conta do impacto positivo sobe o crescimento Foto: Wilton Júnior/Estadão

Para o secretário, os setores subestimam a carga tributária atual ao dizerem que haverá aumento de preços com as mudanças e apresentam números que “enganam” ou “não fazem sentido”.

Na entrevista, Appy admitiu que, politicamente, será necessário abrir algumas exceções na reforma, mas espera que sejam as mínimas possíveis. “Nenhum setor da economia será prejudicado pela reforma tributária por conta do impacto positivo sobe o crescimento”, garantiu.

Veja os principais trechos da conversa:

Confederações da agricultura, comércio, transporte fizeram uma campanha dizendo que a reforma tributária aumentaria muito a carga para eles e geraria um aumento de preços. Eles citam alta de 22% sobre a cesta básica, 38% em medicamentos, 22% no plano de saúde. Esses cálculos batem com os do governo?

Os setores só conseguem ver a carga na parte final que eles estão recolhendo diretamente, e você tem sempre uma grande incidência cumulativa nas etapas anteriores. O importante é olhar para a carga efetiva que incide sobre o consumidor hoje considerando todas as etapas da cadeia. No geral, nossa percepção é que essa carga que incide sobre o consumo hoje é bem maior do que o setor costuma estimar. Desse ponto de vista, não consigo imaginar em hipótese nenhuma ter um aumento de 38% em um imposto que terá alíquota de 25%.

A CNA também pede para o produtor rural não ser incluído como contribuinte do IVA/IBS e diz que, se isso ocorrer, o impacto na carga tributária da agricultura seria de 875%. O que significa esse aumento?

É um número que engana. Quase sempre eles subestimam a carga efetiva porque deixam de olhar toda a cumulatividade que existe. O produtor rural hoje está comprando insumos que são tributados e não recupera o crédito. Isso provavelmente eles não estão olhando. Pequenos produtores rurais muito provavelmente exigirão um tratamento específico, como vai ser é uma decisão política e técnica, espero eu.

A Fecomércio (SP) disse que a alíquota do IVA Federal para o setor não ter aumento de carga deve ser de 6,5% para não ter aumento de carga. Isso é viável?

Esse argumento não faz o menor sentido. O IVA é um imposto sobre bens e serviços que são vendidos ao consumidor final. O consumidor final não consome comércio, consome mercadorias e serviços. O comércio é uma etapa da cadeia. 6,5% de quê? Tem comércio que tem alta margem e tem comércio que tem baixa margem.

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Então o senhor não vê necessidade na reforma tributária ter alíquota diferenciada por setor?

Não, não faz sentido. A questão não é setor. Esquece setor, a tributação não é sobre setor, é sobre bens e serviços que são consumidos pelo consumidor final. Pode ter algum sistema diferenciado de tributação em algumas etapas do processo. Faz sentido, por exemplo, ter uma tributação diferenciada para pequenos produtores rurais? Muito provavelmente sim. Mas é uma coisa mais operacional.

Nem para o setor de serviços, que é algo que se fala muito?

Também não faz sentido nenhum. É preciso tomar muito cuidado com essa generalização “o setor de serviços”. Há serviços que não têm justificativa para ser menos tributado do que mercadorias. Por exemplo, aluguel de automóveis, que hoje não paga nem ICMS nem ISS, tem de pagar o mesmo imposto de venda de automóveis, ou está distorcendo. Na discussão, tem de olhar o todo. Politicamente será necessário ter algumas exceções, algumas de ordem técnica, como tributação de bens imóveis, tributação de serviços financeiros. Mas que seja o mínimo possível, porque quanto mais diferenciações, mais complexo fica o sistema.

Por que insistem nesse ponto se o senhor já disse isso algumas vezes?

Todo mundo tenta levar o máximo possível. Quem não chora, não mama, esse é o ponto. Eles pensam assim: se eu conseguir manter a tributação mais baixa para o consumidor final e ainda levar um ganho, entendeu? Quando se incorpora o crescimento da economia, é positivo para todo mundo, todos os setores.

Se vários setores querem tratamento diferenciado e há uma premissa na reforma de não ter aumento de carga tributária, alguém vai pagar mais. Já conseguimos ver um segmento que vai pagar mais tributo?

O ideal é que no mínimo se reduza as distorções que existem hoje. O ponto é “é justo que o setor x seja menos tributado que o setor y?”. Essa é a questão. O Congresso é que terá de decidir. O segundo ponto, é, se for justo, qual a melhor forma de fazer essa diferenciação, via alíquota meno ou via um sistema de cashback, que acaba beneficiando mais famílias de baixa renda? É uma decisão política. Todo mundo esquece de falar aquilo que vai cair. Vai cair a conta de celular, vai cair a tributação sobre eletricidade, que são setores muito tributados.

Vai cair a demanda pelos produtos mais tributados?

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Não. Há estudos que mostram isso. No nível agregado, isso não acontece, todos os produtos têm aumento de demanda. Nenhum setor da economia será prejudicado pela reforma tributária por conta do impacto positivo sobre o crescimento. Há estudos muito bem feitos que mostram isso.

O senhor fala muito do papel do Congresso, o presidente Lula fala em passar a reforma possível. Isso não deixa muito espaço para o Legislativo mexer mais do que o governo gostaria na reforma?

Na hora que você explicita que o tratamento diferenciado por setor implica numa alíquota mais alta para os outros, isso ajuda a tomar uma decisão política que seja a melhor possível. São informações que o Executivo vai dar para o Legislativo para que ele possa tomar sua decisão. A reforma tributária possível, no nosso ponto de vista, tem de ser a melhor reforma tributária do ponto de vista técnico que seja a politicamente possível. Vai ter exceções demais? Espero que não, porque compromete o conceito de ser a melhor do ponto de vista técnico.

O senhor acha que a reforma tributária será votada no primeiro semestre?

A reforma tributária está sendo discutida há muito tempo e eu acho que chegou o seu momento político.

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Como será o tratamento da zona franca. O senhor já falou que será uma transição longa, não da para abrir mão de acabar com a zona franca?

A solução passa por um modelo que garante a geração de emprego e renda que hoje é proporcionada pela zona franca. Será uma transição bastante suave do modelo atual para o modelo que seja mais eficiente.

A desoneração da folha fica para quando?

Será discutida no segundo semestre, junto com o Imposto de Renda. Tem custo fiscal e é preciso saber como vai ser financiado. Neste momento, o compromisso do governo é sobre não aumentar a carga tributária sobre o consumo. Não tem um posicionamento do governo, mas o governo entende que, como não quer um tributo sobre movimentação financeira nem aumentar a tributação do consumo, só dá para discutir o financiamento da desoneração da folha junto com os tributos sobre a renda.

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