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Bolsa Família de R$ 300 prometido por Bolsonaro exigirá 'contorcionismo', dizem especialistas

Presidente terá de comprar brigas no Congresso e contar com a criatividade da equipe econômica para encaixar o valor prometido para o benefício nos limites das regras fiscais

Foto do author Eduardo Rodrigues

BRASÍLIA - Para cumprir a promessa repetida na terça-feira, 20, de entregar um Bolsa Família com valor médio de R$ 300 para 22 milhões de famílias, o presidente Jair Bolsonaro terá que comprar brigas no Congresso Nacional e contar com a criatividade da equipe econômica para encaixar o novo benefício dentro dos limites das regras fiscais. 

Bolsa Família Foto: Agência Senado/ Divulgação

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Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, a margem para alavancar o programa social ao patamar desejado pelo presidente é bastante reduzida, o que torna a medida uma "aposta de alto risco" e vai requerer ao governo fazer escolhas, num "exercício de contorcionismo" fiscal.

Na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou que o governo deve "carimbar" a arrecadação extra com a taxação dos dividendos distribuídos pelas empresas a seus acionistas, prevista na proposta de reforma do Imposto de Renda, para garantir uma fonte de receita perene para a expansão do Bolsa Família. 

Por isso, Guedes não abre mão da alíquota de 20% que, junto com o fim da dedução dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), deve aumentar a arrecadação federal em R$ 19,4 bilhões em 2022, R$ 57,7 bilhões em 2023 e R$ 61 bilhões em 2024 - de acordo com cálculos da Receita Federal.

O orçamento do Bolsa Família em 2021 é de R$ 34,8 bilhões, suficientes para a ampliação do programa já a partir de novembro. O problema fica para 2022. Mesmo com o acréscimo de R$ 20 bilhões anunciado por Guedes, restam dúvidas se a turbinada no programa social caberá no teto de gastos, a regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação, do próximo ano.

De acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, o espaço para ampliar o valor do benefício depende da inflação acumulada até o fim do ano. Cada ponto a mais de inflação neste ano, calcula o órgão, retira R$ 12,4 bilhões da folga do teto em 2022. No pior cenário, a folga fica perto de R$ 28 bilhões. 

"O diabo é que já há pressão para aumentar os salários do funcionalismo, gastar mais com emendas etc. Estão gastando por conta um espaço que ainda nem existe. A falta de planejamento é o que mais preocupa", avalia o diretor executivo da IFI, Felipe Salto.

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Queda de popularidade

Em meio à contínua queda de sua popularidade, Bolsonaro passou a prometer publicamente um benefício de R$ 300 para o Bolsa Família em 2022, ano em que deve disputar a reeleição. Como mostrou a reportagem no mês passado, o valor pegou de surpresa os técnicos do Ministério da Economia, que trabalhavam com uma reformulação do benefício médio dos atuais R$ 190 para R$ 250. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente,chegou a falar que um meio termo - em R$ 270 - seria debatido com o ministro da Cidadania, João Roma.

"A primeira restrição para esse valor de R$ 300 é o teto de gastos. Para expandir o Bolsa Família de R$ 34 bilhões para mais de R$ 50 bilhões, o governo vai precisar encontrar espaço no teto de gastos", diz o economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper e ex-chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda.

"Ao mesmo tempo, o presidente Bolsonaro fala em reajuste de servidores e o Congresso quer aumentar o valor das emendas parlamentares. Para saber se vai caber no teto ou não, é preciso saber o que fazer com outras despesas, se vai reduzir os investimentos, se vai negar a ampliação das emendas a deputados e senadores. O governo vai ter que fazer escolhas", afirma.

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Mendes levanta dúvidas ainda sobre o uso da arrecadação de dividendos como fonte de receita para a ampliação do Bolsa Família. Ele lembra que, apesar da taxação da distribuição de lucros aumentar a arrecadação, a redução maior do Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas (IRPJ) deve levar um saldo final de perda de receitas para o governo - estimada pelo relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), em até R$ 30 bilhões.

"Essa fonte de aumento de receita é complicada. Porque temos uma reforma do IR que no cômputo geral derruba a arrecadação. A equipe econômica pegou uma parte da reforma que aumenta a arrecadação (os dividendos) para dizer que estão usando como fonte de receita nova. Mas o que vale é a reforma inteira, fica parecendo um exercício de contorcionismo. Para cumprimento da letra da Lei de Responsabilidade Fiscal, pode até funcionar, mas não é razoável do ponto de vista lógico", critica Mendes.

O economista alerta que Guedes vem apostando todas as fichas no crescimento da arrecadação dado pela recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. Enquanto o ministro já projeta receitas até R$ 200 bilhões superiores ao esperado para este ano, Mendes avalia que ainda não há como cravar que esse crescimento é estrutural ou apenas cíclico.

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"Parte desse volume maior é decorrente da inflação deste ano, que não traz ganhos reais para a receita. Além disso, o preço das commodities (produtos básicos, como alimentos, minério de ferro e petróleo) que também impulsiona a arrecadação pode se reverter a qualquer momento. Abrir mão de receitas na reforma do IR e se comprometer agora com despesas adicionais pode comprometer o pagamento futuro. É uma aposta de alto risco, preocupada mais com a popularidade do presidente e a eleição do próximo ano", completa Mendes. 

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