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É um problema o País se endividar para crescer? Veja o que dizem economistas sobre a fala de Lula

‘Se for necessário este País fazer um endividamento para o Brasil crescer, qual é o problema’, questionou o presidente após reunião com o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável

Por Jessica Brasil Skroch e Isabel Gomes

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender na terça-feira, 12, a possibilidade de o País se endividar para garantir investimentos. “Se for necessário este País fazer um endividamento para o Brasil crescer, qual é o problema?”, questionou o presidente após reunião com o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), na qual o grupo apresentou um conjunto de projetos para o Brasil, que dependem de decisões políticas para serem concretizadas.

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A declaração de Lula ocorre em um momento em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a equipe econômica do governo defendem a meta de zerar o déficit público em 2024, como previsto no arcabouço fiscal aprovado no Congresso. Ou seja, a ideia o governo é não gastar mais do que arrecada. Lula, porém, repetidas vezes já declarou que a meta pode não ser alcançada no ano que vem, e que isso não seria um problema.

Mas, afinal, há algum problema em se endividar para crescer? Para analistas ouvidos pelo Estadão, a ideia pode até ser bem intencionada. Mas, no caso brasileiro, os especialistas apontam que a estratégia já vem sendo feita há muitos anos e, até então, não provou ser efetiva na prática.

Segundo Silvio Campos Neto, sócio e economista sênior da Tendências Consultoria, a lógica de Lula já se mostrou não funcionar na prática. É apenas uma “justificativa para que o governo faça o que ele quer fazer”, diz.

Para ele, é equivocada a ideia de que mais endividamento se transformará em mais investimento. Ao longo da história, o País tem piorado a sua situação com aumento dos gastos correntes, e não com investimentos, diz. “Isso tem a ver com todo esse aumento da rigidez orçamentária, o aumento das despesas com previdência social, com funcionalismo”, diz. Ou seja, na prática, o aumento da dívida tem servido apenas para custear a máquina pública.

Campos Neto diz ainda que um outro grande problema é a questão da alocação de recursos, e que há vários amostras disso nos primeiros governos de Lula e nos de Dilma Rousseff, em que houve investimentos inviáveis financeiramente, frutos de pressão política, tornados possíveis apenas por conta de “subsídios e aportes duvidosos”.

Como exemplo, Campos Neto cita os investimentos da Petrobras na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), ou na empresa de sondas Sete Brasil - sendo boa parte dos investimentos financiados pelo BNDES. São todos investimentos bilionários e que acabaram naufragando, envolvidos em gigantescos escândalos de corrupção, e que não contribuíram em nada para o crescimento do País, segundo o especialista. “São investimentos com critérios questionáveis, ou seja, não econômicos, muito mais políticos”, diz.

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“Erro básico”

O economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, diz que a fala de Lula é um “erro básico”. A avaliação dele é que a estratégia defendida pelo presidente não é um caminho novo, e que essa relação entre gasto e crescimento “tem sido repetidas vezes desmentida pela realidade”.

“Se pegar o histórico do País das últimas décadas, em 1997 o governo federal gastava o equivalente a 14% do PIB, hoje ele gasta em torno de 20%. Nem por isso nós somos um País que cresceu muito”, diz.

Segundo Schwartsman, as taxas de juros crescem à medida em que as despesas públicas sobem, o que acaba, na verdade, dificultando o investimento e, consequentemente, o crescimento do País.

“Estamos passando por um período de aceleração de gastos muito grande. Não é por acaso que a gente olha o que está acontecendo no investimento do País e vê que está caindo nos últimos quatro trimestres de uma maneira consistente.” Nos dados do Produto Interno Bruto do terceiro trimestre, divulgados na semana passada pelo IBGE, a taxa de investimentos na economia, que estava em 17,2% do PIB no segundo trimestre, um número já considerado bastante baixo, ficou em apenas 16,6% no terceiro trimestre.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender a possibilidade de o País se endividar para garantir investimentos  Foto: Adriano Machado/Reuters

Arcabouço fiscal e “qualidade” do gasto

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Na avaliação do economista Renan Pieri, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, a frase de Lula, na teoria, não traz nada de incorreto. Segundo ele, o endividamento para um crescimento futuro é uma possibilidade. Mas ele lembra que é preciso se atentar a dois pontos que trazem preocupações.

O primeiro é o atual momento de teste do arcabouço fiscal, que promete um déficit primário zero em 2024. “Sabemos que vai ser muito difícil para o governo atingir a meta. Quando ele diz que fazer mais dívida é saudável, de certa forma, ele entende que talvez não seja prioridade absoluta atingir essa meta”, diz.

Já o segundo ponto a ser questionado é a “qualidade” do gasto. De acordo com Pieri, o Brasil ainda peca em fazer uma avaliação sistemática dos gastos, a fim de manter os gastos com políticas públicas que realmente se provaram em termos de impacto e eficiência, ou seja, com custos mais baixos. “Não é qualquer endividamento que vai gerar crescimento, muito pelo contrário. Se a gente pegar a trajetória da dívida nos últimos anos, observamos um forte endividamento, e não necessariamente conseguimos sair dessa armadilha de crescimento baixo”, afirma.

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Para Pieri, a estratégia do endividamento tem de ser acompanhada de cautela para identificar quais são os gastos, além de um plano mais específico de corte de gastos a longo prazo, para que haja um limite no crescimento dessa dívida.

Essa também é a avaliação de Emerson Marçal, professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Segundo ele, aumentar o endividamento não necessariamente vai gerar crescimento econômico. “Tudo depende do que você vai fazer com esse dinheiro. É preciso gastar muito bem, investir em coisas importantes, projetos claramente com grande retorno para a sociedade como um todo”, diz. O problema, portanto, não está em gastar, mas no que gastar.

Frederico Gonzaga Jayme Jr, professor do departamento de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia que a fala Lula parece significar que não será possível crescer com uma política fiscal tão amarrada. A avaliação dele é que não se deve demonizar a dívida pública numa situação de recuperação econômica. Mas lembra que é importante ter uma política atenta ao crescimento da dívida, a fim de se ter um equilíbrio fiscal.

“É claro que nenhum país vai querer ter uma dívida gigante, precisa ser financiável. Mas, numa situação em que o país não cresce bem há 10 anos, a possibilidade de crescer é aumentando o investimento. Não tem muito outra alternativa.” Ele destaca que o setor privado, por si só, não é capaz garantir os investimentos necessários para recuperar o crescimento a longo prazo, isso porque não arriscaria investir em setores cujo retorno é mais incerto.

O professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Paulo Zahluth Bastos, por outro lado, avalia que o caminho defendido por Lula é correto, diante da atual conjuntura de desaceleração econômica. “Está em linha com estudos avaliando que, em geral, no momento em que a economia está desacelerando, a tentativa de reduzir o déficit público ou provocar um superávit primário tende a aprofundar a desaceleração da economia, e isso acaba tendo efeitos negativos na relação dívida sobre o PIB, porque o PIB desacelera e a arrecadação tributária também é prejudicada”, diz.

Bastos concorda que, embora seja ideal buscar o equilíbrio das contas públicas a longo prazo, isso deve ser realizado considerando os ciclos econômicos. “Se as receitas acompanharem o crescimento do PIB, necessariamente o gasto público vai crescer a uma taxa inferior à taxa de crescimento do PIB. Mas para isso, o PIB precisa estar crescendo, precisa estar numa trajetória de expansão.”