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Cotação da carne de boi despenca, mas queda de preços para o consumidor é menor; entenda

Redução no ano passava de 15% até o final de maio, com a arroba a R$ 243,25 em São Paulo; movimento de baixa no varejo foi de 3,47%, segundo IPCA-15, do IBGE

Foto do author Márcia De Chiara
Por Márcia De Chiara
Atualização:

Quando o preço da carne disparou em março do ano passado, a maquiadora Fernanda Abud, de 34 anos, mudou os hábitos da família. A carne passou a ser consumida duas vezes na semana, e os churrascos começaram a ter mais linguiça, frango, queijo e pão de alho na brasa. “Tinha carne, mas não era o principal”, lembra.

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Casada e com um filho, ela diz que tem percebido a queda de preço da carne no varejo, porém não em todos os supermercados e açougues que frequenta. “Quando encontro carne com preço mais em conta, compro uma quantidade maior, separo em porções e congelo”, diz a maquiadora, que fez o primeiro churrasco com picanha depois de um bom tempo. “Foi por acaso: meu marido foi ao supermercado, encontrou picanha por valor bom e acabou comprando.”

O ligeiro recuo verificado por Fernanda é resultado da cotação da arroba do boi gordo, que encerrou o mês passado no menor nível em mais de dois anos e meio. A maior oferta de animais no mercado doméstico derrubou as cotações no campo, reduziu preços nos frigoríficos e provocou um recuo, porém em menor proporção, no custo da carne ao consumidor.

A retração na cadeia de bovinos gradativamente abre a perspectiva para que o bife volte ao prato do brasileiro. Mas a renda apertada continua sendo o principal obstáculo à retomada do consumo. Ele já foi de cerca de 33 quilos per capita no passado e recuou para 26 quilos em 2022.

A arroba do boi gordo no Estado de São Paulo para pagamento à vista fechou maio cotada a R$ 243,25, segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP. A mínima anterior havia sido registrada em setembro de 2020 (R$ 240,45). O resultado de maio é uma marca muito distante do pico de R$ 352,05, atingido em 22 de março do ano passado.

Neste ano, a arroba já caiu mais de 15% até final de maio, em termos nominais. Se for descontada a inflação, o valor médio mensal recuou 6,17% no ano até maio. Em 12 meses, a retração foi de 15,30%.

Mas o consumidor tem sentido um recuo bem menor no preço da carne no açougue e no supermercado comparado ao que houve no campo. Segundo dados da prévia da inflação oficial do País, o IPCA-15, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as carnes bovinas no varejo ficaram, em média, 3,47% mais baratas no ano até maio. É um movimento oposto ao da inflação geral no mesmo período, que subiu 3,12%. Em 12 meses até maio, a história se repete. A inflação geral subiu 4,07% e o preço da carne bovina no varejo teve deflação de 4,89%.

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A volta da picanha

A volta da picanha ao churrasco do brasileiro foi uma das promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o recuo nos preços do corte — preferido para churrasco brasileiro —, de 3,94% no ano até maio, de acordo com o IBGE, não tem a interferência do presidente.

Segundo Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Cepea/USP, a atual queda de preços tem origem quatro anos atrás. Em 2019, a China ampliou fortemente as compras do produto e os preços subiram. Com isso, os pecuaristas passaram a investir cada vez mais e ampliar o rebanho. “Houve muito investimento em genética, nutrição, manejo, redução na idade de abate, inclusive produzindo animais mais pesados”, observa.

Carnes bovinas no varejo ficaram, em média, 3,47% mais baratas no ano até maio, segundo dados da prévia da inflação oficial do País, o IPCA-15, apurado pelo IBGE  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Por conta dos preços remuneradores, o especialista lembra que nunca houve tanta inseminação artificial de vacas na pecuária de corte brasileira como em 2021. E os bezerros nascidos dessas vacas estão virando boi gordo para abate neste ano e no próximo.

Esse aumento na oferta de boi gordo aparece no crescimento do volume de abates, observa Rafael Ribeiro de Lima Filho, assessor técnico da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA). No primeiro trimestre deste ano, o número de bovinos abatidos aumentou 4,7% em relação ao mesmo período de 2022, segundo o IBGE. “Isso mostra a maior oferta de animais disponíveis no mercado.”

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Paralelamente, as exportações de carne brasileira para a China, o principal comprador, ficaram suspensas cerca de um mês, entre fevereiro e março deste ano, por causa de um caso atípico de vaca louca. Isso turbinou ainda mais a oferta do produto. Quando a China voltou às compras, houve uma certa recuperação de preços, observa o técnico da CNA. No entanto, esse movimento não se sustentou.

Carvalho, do Cepea, observa que os preços voltaram a recuar mesmo com a China importando o produto porque o gigante asiático, sabendo da maior oferta, tem negociado redução de preço.

Fora isso, a inflação e os juros altos no mercado internacional afetam as negociações de outros países compradores, já que os seus consumidores locais estão com menos renda para consumir carne. “Antes o câmbio estava em R$ 5,50, agora entre R$ 5,10 e R$ 5,20, com isso a carne brasileira fica mais cara no mercado internacional”, acrescenta.

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Perspectiva no curto prazo é de baixa de preço

Com a chegada da entressafra, período no qual os pastos secam pela falta de chuvas e fica mais difícil alimentar os animais, a tendência é de o abate aumentar neste mês e a oferta de carne também. “Junho é período de transição, final de safra e começo de entressafra”, diz Carvalho, que acredita na tendência de queda de preços.

Mas, a partir de julho, começa a entrar no mercado os animais engordados em confinamento. Como a perspectiva é que tenha ocorrido uma redução no confinamento, o técnico da CNA diz que a tendência é de preços mais firmes da arroba entre julho e setembro.

Na sua análise, os preços da arroba devem voltar a ter pressão de baixa em novembro e dezembro, quando a oferta da segunda leva de gado confinado chega ao mercado. Esse lote de animais deve ter aumentado por conta dos custos reduzidos dos grãos e dos próprios animais em abril deste ano.

A dúvida que pode abalar o mercado é o desenrolar da gripe aviária. Hoje a doença foi identificada em aves silvestres e não foram encontrados casos em granjas comerciais.

Caso a gripe aviária atinja a produção industrial de frangos, os frigoríficos estarão impedidos de exportar. Isso pode ampliar ainda mais a oferta doméstica de proteína animal e jogar para baixo os preços da carne bovina.

Procurada para esclarecer sobre o descompasso entre a redução de preços da carne bovina no campo e no varejo, a Associação Paulista de Supermercados (Apas) não tinha porta-voz e informações disponíveis sobre o tema.

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