O presidente da Caixa e dois colaboradores foram afastados do cargo em razão de denúncias de assédio sexual e moral. As vítimas recorreram ao Ministério Público, e o assunto acabou na imprensa. A publicização encorajou mais funcionárias a engrossar o coro das acusações.
A pergunta que exige resposta é: por que o canal de denúncias interno falhou? Pelo volume de casos, é quase impossível acreditar que não fossem conhecidos no banco. Mas as vítimas não se sentiram em segurança para expor suas situações de constrangimento ao responsável da ouvidoria.
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Os casos de assédio – sexual e moral – não se resumem às mulheres. Pedro Guimarães já deveria ter sido afastado quando obrigou seus funcionários a fazer flexões em público, visto em vídeo que viralizou nas redes.
Para incentivar a denúncia sem medo de retaliações, veio a sugestão de garantir estabilidade de emprego às mulheres que sofreram abuso. É mais uma proposta bem-intencionada que acaba por reforçar os estereótipos que discriminam a mulher no mercado de trabalho, como a extensão da licença-maternidade em lugar da licença parental obrigatória. Não é solução.
As vítimas devem ter confiança, e não medo, no órgão criado para protegê-las. Não importa se o chefe é amigo do rei. Essa é a tarefa da nova presidente. A Caixa é banco público e deve dar o exemplo.
O fenômeno é mais amplo. Uma criança de 11 anos, vítima de estupro, teve seu direito à interrupção da gravidez negado pelo Estado: médico, juíza e procuradora impuseram obstáculos ao aborto legal. Até a necropsia do feto foi pedida. Em outro caso, uma enfermeira quebrou seu compromisso profissional de confidencialidade e expôs, para uma coluna de fofocas, o drama de uma mulher que, consciente da sua incapacidade emocional de cuidar da criança, fruto de estupro, entregou seu filho para adoção. A culpa é sempre das vítimas. É o abuso de forma continuada.
Esse quadro não mudará sem a conscientização da sociedade e a responsabilização de cada um desses profissionais. Médico que recusa o atendimento a uma criança grávida, vítima de estupro, deveria saber que não precisa de autorização judicial. Mas nada acontece, seu registro será mantido, como o da enfermeira, da juíza, da procuradora e do responsável pelo canal de denúncias da Caixa. A sociedade vai perdendo a confiança na proteção que o Estado deve garantir.
Um pouco de esperança veio com a vitória de Patrícia Campos Mello contra Bolsonaro, em ação por danos morais. Não fosse a imprensa, nenhum dos casos acima teria chegado até nós. Que continuem dando furos.
* ECONOMISTA E ADVOGADA. CONTRIBUI COM O PLANO ECONÔMICO DE SIMONE TEBET