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Proagro: Fazenda vê ‘conflito de interesses’ e estuda rever atuação de bancos no programa

No desenho atual, bancos e cooperativas acumulam a função de concessão do crédito ao produtor e de análise do pagamento do seguro rural, o que é criticado pelo TCU

Foto do author Bianca Lima
Foto do author Isadora Duarte
Atualização:

BRASÍLIA – Após as mudanças que apertaram as regras do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), a equipe econômica agora avalia formas de corrigir outro mecanismo do seguro rural, o qual é avaliado como conflituoso pelo próprio setor: o fato de as instituições financeiras acumularem a função de concessão do crédito ao produtor e de análise do pagamento do seguro em caso de sinistro.

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Isso porque o Proagro socorre pequenos e médios produtores em caso de eventos climáticos extremos, pragas ou doenças. Nessas hipóteses, o beneficiário fica isento de pagar os financiamentos rurais contratados com bancos ou cooperativas, e o custo é assumido pela União.

Nos últimos anos, o orçamento do programa quase quintuplicou em meio a suspeitas de fraudes, alertas sobre condutas negligentes de produtores e ações vistas como pouco rigorosas por parte de instituições financeiras e peritos.

Culturas menores, como olerícolas e hortifruti, costumam recorrer ao Proagro.  Foto: ROBSON FERNANDJES/ESTADÃO

Relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), realizado em 2023, destaca esse conflito de interesses. “O valor da indenização será calculado com base nas perdas amparadas e comprovadas pelo perito, que deve fazer uma avaliação técnica e independente; mas, no atual desenho da política, estas características podem restar comprometidas”, diz o documento, que ainda está em fase de análise dentro da Corte de Contas.

“Quanto menos rigoroso for o perito em sua avaliação, menos riscos para quem concede o crédito rural”, destaca o TCU, que recomenda uma alteração normativa para que a comprovação das perdas não seja mais de responsabilidade da instituição financeira.

Nesse cenário, a equipe econômica estuda formas de substituir ou ao menos supervisionar a função de perícia exercida pelos bancos, com o objetivo de evitar esse conflito. A mudança deve exigir a aprovação de lei no Congresso Nacional, apesar de integrantes do Ministério da Fazenda avaliarem que isso poderia ser feito diretamente pelo Banco Central (BC), que é o gestor do Proagro.

Além disso, seria necessário criar uma alternativa operacional, ou seja, uma forma de viabilizar a realização das perícias ou a sua supervisão nos milhares de municípios do País. As alternativas, em fase de estudo inicial, não devem ser implementadas no curto prazo, em virtude da capilaridade das mais de 200 mil operações amparadas pelo programa.

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O Estadão/Broadcast apurou que uma das opções na mesa é a criação de uma estrutura no Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para receber e avaliar os laudos e demandas de cobertura do Proagro – algo complexo, uma vez que a operação é bastante espalhada pelo País.

Para integrantes da equipe econômica, mesmo que haja avanço no uso de imagem de satélite para comprovação de perdas, o que ajuda a reduzir fraudes, o monitoramento remoto não elimina no curto prazo o papel dos peritos e das instituições financeiras.

Interlocutores do MDA, ouvidos pela reportagem, afirmam que um decreto de 2023 já permite a supervisão dos peritos e prevê, inclusive, a criação de uma área para coordenar esse trabalho. Mas, nesse caso, a comprovação das perdas continuaria sob responsabilidade da instituição financeira, cabendo ao MDA apenas o acompanhamento das autorizações do seguro.

Para os técnicos do ministério, seria inviável o governo criar uma estrutura para analisar, integralmente, as milhares de requisições do Proagro – tanto em termos de pessoal como em relação a orçamento.

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Integrantes do setor financeiro reconhecem que as mudanças poderiam levar a uma diminuição do conflito de interesses, mas afirmam que a proposta precisa ser bem fundamentada e discutida conjuntamente com bancos e cooperativas. Além disso, apontam preocupação com a parte operacional, ou seja, que as alterações ampliem o tempo de análise e concessão das indenizações – o que, na visão do segmento, traria mais problemas do que soluções.

Procurado, o MDA afirmou que o tema “está em discussão inicial no governo”. Destacou, também, que o Banco Central é o administrador do Proagro e que as decisões da operacionalização do programa, em última instância, são tomadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) – formado pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento, além do BC.

“As instituições financeiras serem responsáveis pela verificação de perdas, mediante laudo de profissional habilitado, é uma definição feita em lei, e, portanto, qualquer alteração somente será possível mediante nova proposição legislativa”, disse a pasta, em nota. O Ministério da Fazenda afirmou que não irá se posicionar sobre o assunto, e o BC não enviou resposta até o fechamento da reportagem.

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CNA vê problema de governança

No início desse mês, o CMN modificou as normas relativas ao Proagro. Os ajustes, que são criticados pelo setor produtivo, incluem a limitação do público elegível ao seguro e a exigência de uso de imagem por satélite para a comprovação das perdas.

As medidas passaram a integrar o plano de revisão de gastos da equipe econômica e a expectativa é de que gerem uma redução de custo de R$ 935 milhões no segundo semestre deste ano e de R$ 2 bilhões em 2025.

O agronegócio reclama que as mudanças deixaram parte dos produtores desatendidos e não endereçaram a questão das instituições financeiras. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) destaca que o problema de governança segue pendente.

“O Proagro precisa de revisões. Estamos dispostos a coibir práticas e juntos discutir novas metodologias, mas a mudança recente foi uma medida paliativa para a economia de recursos nas indenizações e não no aprimoramento como política pública”, disse o assessor técnico da Comissão Nacional de Política Agrícola da CNA, Guilherme Rios.

Quem delibera a indenização é o próprio agente financeiro que é o credor. Será que ele vai liberar recursos em todos casos necessários ou vai liberar apenas para não ficar com a dívida?

Guilherme Rios, assessor técnico da Comissão Nacional de Política Agrícola da CNA.

Entre as alternativas de governança de curto prazo sugeridas pela CNA, Rios cita a possibilidade de os peritos que fazem o laudo de comprovação das perdas não serem vinculados às instituições financeiras, a adoção de tecnologias para melhor verificação do sinistro e a disponibilidade de assistência técnica aos pequenos produtores integrados ao Proagro.

“São questões a serem trabalhadas no sentido de aprimoramento do programa e não apenas para garantir socorro paliativo ao Orçamento. Os casos extremos e pontuais de fraudes foram usados para mudanças que não endereçam as reais falhas de governança”, pontuou.

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