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Economia e políticas públicas

Opinião|"Bad cop, good cop" no Banco Central

Diretores que votaram por corte de 0,5pp na reunião do Copom em maio se manifestam sobre decisão e sobre a quebra do guidance por Roberto Campos Neto em abril.

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Paulo Picchetti e Gabriel Galípolo parecem ter atuado como, respectivamente, "bad cop, good cop" (policial bom, policial mau) em relação à quebra unilateral do guidance de corte de 0,5pp da Selic na reunião de maio do Copom por parte do presidente do BC, Roberto Campos Neto, durante a reunião de abril do FMI e Banco Mundial, em Washington.

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Na semana passada, a Selic foi reduzida em apenas 0,25pp, para 10,5%, com cinco votos a favor, incluindo o de Campos Neto, e quatro votos por um corte de 0,5pp, incluindo Galípolo e Pichetti (o grupo é exatamente aquele que foi indicado por Lula).

Em entrevista à Bloomberg publicada ontem, Pichetti disse que o Copom deveria "priorizar mecanismos oficiais de comunicação" e que "essa comunicação do presidente [a quebra do guidance de corte de 0,5pp] aconteceu em um evento e eu honestamente não sei se ele teve o objetivo e a intenção de fazer um guidance, mas acabou que foi isso que aconteceu". Parece um claro puxão de orelha, ainda que cortês, em Campos Neto.

Já Galípolo, num tom bem mais diplomático, comentou hoje, em evento do jornal Valor Econômico em Nova York, que chegou a cogitar do corte de 0,25pp na reunião de maio e que, caso assim tivesse agido, estaria hoje confortável com esse voto.

A ata do Copom divulgada ontem buscou colocar panos quentes no imbróglio, reforçando a ideia (que já estava no comunicado) de que os dois grupos - os que votaram por corte de 0,25pp e de 0,5pp - comungam de uma visão bastante semelhante do cenário inflacionário. A razão para o voto de 0,5pp por parte dos quatro nomeados por Lula é que eles não acharam que o cenário teria mudado o suficiente entre março e maio para compensar o abandono do guidance de mais um corte de 0,5pp, que foi dado em março.

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A grande questão é o que vem a seguir. A bússola do mercado está dividida entre mais um corte de 0,25pp ou manutenção na reunião de junho.

Uma hipótese é que haja nova divisão, com os quatro nomeados por Lula votando por um corte de 0,25pp e os cinco demais membros, incluindo Campos Neto, votando por 0,5pp. Esse cenário reforçaria ainda mais a imagem de que a gestão da política monetária a partir de 2025 - quando a substituição de Campos Neto e mais dois da "velha guarda" dará maioria para os nomeados por Lula - será tolerante com a inflação.

Numa eventual busca de unanimidade, um dos lados terá de dar o braço a torcer. Uma fonte de mercado observa que a ata menciona "alguns membros" do Copom que veem um balanço de riscos assimétrico na direção de mais inflação. Acredita-se que Diogo Guillen, diretor de Política Econômica, visto como "hawk" (mais conservador) no âmbito do atual Copom, esteja entre aqueles membros que veem o risco assimétrico. Votar por mais um corte de 0,25pp nesse caso talvez seja difícil de engolir para ele e os outros membros que com ele se alinham na mesma visão do balanço de riscos.

Dessa forma, o voto unânime pode não ser tão fácil de obter. Uma outra possibilidade seria a de que algum ou alguns dos membros que votaram por corte de 0,25pp este mês se alinhem ao grupo dos nomeados por Lula (supondo que estes votem por mais 0,25pp em junho) e este lado saia vencedor. No fundo, a diferença em termos puramente de política monetária seriam bem diminutas, mas a importância das percepções sobre a conduta do BC a partir do ano que vem na psicologia do mercado estão longe de irrelevantes. O Copom faria bem de ensaiar com muito cuidado os seus próximos passos.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

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Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/5/2024, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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