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Economia e políticas públicas

Opinião|Brasil ainda não se diferenciou

Desde o final de janeiro, houve uma expressiva queda dos juros futuros e do dólar, que devolveu parte da deterioração ocorrida no primeiro mês do ano, na esteira da piora da percepção de risco dos emergentes e do agravamento da crise na Argentina. Hoje sexta-feira, dia 28/2), com a decepção do superávit primário do Governo Central em janeiro, juros e dólar voltaram a subir, mas ainda estão em níveis muito mais confortáveis do que os do final do mês passado.

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Atualização:

A melhora relativa da percepção de risco Brasil no último mês tem duas linhas principais de interpretação, que não são necessariamente autoexcludentes. A primeira é a de que o Brasil conseguiu se diferenciar claramente da Argentina nas últimas semanas.

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Em princípio, é uma ideia um pouco bizarra, porque ninguém que conheça mais profundamente os dois países diria que a política econômica brasileira assemelha-se aos desvarios kirchneristas. Mas o fato é que, no calor dos acontecimentos, os mercados costumam juntar alhos e bugalhos, e é consensual que o agravamento da situação argentina piorou o risco de Brasil e outros emergentes. Além disso, muitos analistas veem no controle de preços administrados, no microgerenciamento da economia, na intervenção no setor elétrico e na tentativa a partir de 2012 de baixar os juros e desvalorizar o câmbio uma aproximação brasileira - ainda que tímida e moderada - do modelo argentino.

A partir do final de janeiro, alguns fatores podem ter contribuído para distanciar novamente a percepção do Brasil e da Argentina. Durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, a presidente Dilma Rousseff esforçou-se por passar uma mensagem de que a política econômica brasileira mantinha os elementos ortodoxos que datam da flutuação forçada do câmbio, em 1999.

O Banco Central (no caso, já a partir de meados de janeiro) prosseguiu seu ciclo de aperto monetário, com mais duas altas consecutivas da Selic, de 0,5 e 0,25 ponto básico. No comunicado da última decisão, a porta ficou aberta para mais uma alta, embora uma corrente do mercado aposte que o BC vai parar. De qualquer forma, o discurso recente do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, vem enfatizando que o Brasil antecipou, ao iniciar a alta da Selic em abril do ano passado, uma "reação clássica" à piora do cenário internacional. É, sem dúvida nenhuma, um recado ortodoxo, do tipo que dificilmente sairia da boca de autoridades econômicas da Argentina ou da Venezuela.

O recente anúncio de meta de superávit primário de 1,9% do PIB em 2014, junto com o contingenciamento de R$ 44 bilhões do Orçamento, agradou o mercado, mesmo que haja dúvidas quanto à sua implementação (como fica claro na reação ao resultado do Governo Central em janeiro).

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Juntando-se o tom recente da presidente e da equipe econômica aos mais recentes desdobramentos da política monetária e fiscal, parece se formar a imagem de um país que busca reconquistar a credibilidade econômica por meio de uma moderada guinada ortodoxa.

O problema, porém, é que existe uma segunda linha de explicação para a melhora dos ativos brasileiros nas últimas semanas, que é simplesmente mais uma rodada de decepção com os indicadores de crescimento da economia americana, na longa e acidentada estrada da retomada pós-crise global.

"Não foi boa a virada de ano para os Estados Unidos, a economia agora parece estar rodando a 2%", comenta Samuel Pessôa, sócio e economista-chefe da gestora Reliance, em São Paulo.

Com isso, a perspectiva do 'tapering', a retirada dos superestímulos monetários nos Estados Unidos, fica ainda mais gradual. Apesar de ter chamado a atenção para o fator climático na refugada recente da economia americana, a chair do Federal Reserve (Fed, BC dos EUA), Janet Yellen, também afirmou no comitê bancário do Senado, ontem, que reconsideraria a condução do tapering se a desaceleração se provar mais duradoura. Assim, as perspectivas de liquidez internacional para economias emergentes melhoraram, ainda que este efeito possa durar muito pouco.

Uma medida possível para se avaliar se a melhora brasileira deve-se mais aos méritos da equipe econômica ou ao alívio internacional é comparar a trajetória recente do CDS (credit default swap) do Brasil e de outros países latino americanos. Se o Brasil afastou-se ainda mais da Argentina e aproximou-se de países como México, Colômbia, Chile e Peru - os atuais 'queridinhos do mercado' -, isto seria um sinal de maior peso do fator doméstico.

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Do final de janeiro até ontem, porém, não se notava essa diferenciação. O CDS brasileiro de cinco anos havia caído aproximadamente 14%, muito perto da média da queda de México, Colômbia, Chile e Peru. E mesmo o CDS da Argentina caiu no período, em 26%, mas, neste caso, tem de se considerar que vem de um patamar muitíssimo mais alto. Ontem à tarde, o CDS brasileiro de cinco anos era cotado 176 pontos base, comparado a 2.088 do argentino.

Não há, portanto, sinais da diferenciação brasileira na trajetória recente dos CDS, um dos principais termômetros de percepção de risco do mercado internacional. Isto não elimina a ideia de que o governo brasileiro e a equipe econômica deram passos na direção correta, mas deveria ser um alerta contra a complacência e a ideia de que o pior já passou.

Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)

Esta coluna foi publicada pela AE-News/Broadcast na sexta-feira, 28/2/14.

Opinião por Fernando Dantas
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