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Economia e políticas públicas

Opinião|Desigualdade nos EUA pode não ter aumentado

Novo estudo contesta dados do economista francês Thomas Piketty e pesquisadores associados de que apropriação da renda pelo 1% mais rico nos Estados Unidos teria mais que dobrado desde os anos 60.

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Foto do author Fernando Dantas

Um trabalho recente de dois economistas americanos, que será publicado no Journal of Political Economy, revista acadêmica de primeira linha, representa um torpedo na direção da pesquisa do economista francês Thomas Piketty e outros pesquisadores associados ao francês.

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Como se sabe, Piketty levantou a lebre do aumento da desigualdade nos Estados Unidos e outros países ricos, o que mudou o debate econômico neste século, tornando-o muito mais crítico ao capitalismo e ao pensamento liberal.

Agora, porém, recém-publicado estudo de Gerald Auten e David Splinter busca mostrar que Piketty e seus colega erraram ao calcular a evolução da apropriação da renda pelo 1% mais rico nos Estados Unidos desde a década de 60.

Um número muito brandido por Piketty e copesquisadores é de que a renda do 1% mais rico, incluindo ganhos de capital, saltou de 9% da renda total dos americanos em 1960 para 19,4% em 2019, mais do que dobrando.

O economista francês e seus colegas foram pioneiros no uso de dados das Receitas nacionais para calcular a renda dos diversos extratos da população. Tradicionalmente, análises de distribuição de renda são feitas por meio de pesquisas nacionais de domicílios por amostragem, como a PNADC no Brasil.

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Piketty e seus colegas criticaram essa abordagem, notando que ricos muitas vezes são subrepresentados nas pesquisas de domicílio e sub-reportam seus rendimentos. A abordagem dos economistas, portanto, foi de combinar as pesquisas domiciliares com bases de dados das Receitas nacionais, de forma a captar melhor a renda dos ricos e superricos.

Piketty e seus associados fizeram um esforço hercúleo de montar bases de dados de distribuição de renda desse tipo para alguns dos principais países ricos, incluindo alguns emergentes. A partir dessas bases, alçaram a questão da piora da distribuição de renda ao topo do debate econômico global.

Auten e Splinter são especialistas justamente em tributação e bases de dados do Internal Revenue Service (IRS), a Receita Federal dos Estados Unidos. Auten cuida de assuntos tributários no Departamento do Tesouro americano e Splinter está na comissão mista tributária do Congresso dos EUA.

O trabalho deles foi revisar o cálculo da trajetória da renda dos americanos mais ricos a partir das bases de dados do IRS, levando em conta uma infinidade de detalhes e tecnalidades que teriam escapado a Piketty e sua turma.

Por exemplo, o fato de que os casamentos caíram nos Estados Unidos, mas bem menos entre os mais ricos, traz problemas na hora de se chegar na renda familiar per capita de cada domicílio. Outro detalhe foi retirar da conta "rendas" que nada mais eram que a mudança por portabilidade de recursos de um fundo de pensão para outro. Mudanças em regras tributárias que levaram a maior distribuição de dividendos também causaram erros no cálculo da renda dos ricos.

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Depois desses e de muitos outros ajustes, Auten e Splinter estimaram que a renda bruta do 1% mais rico nos EUA passou de 10,3% da renda total em 1960 para 13,8% em 2019. O aumento de 10,4 pontos porcentuais (pp) de Piketty e companhia caiu para 3,5pp.

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Mas os dois pesquisadores não pararam aí. Eles também calcularam a evolução da renda do 1% mais rico americano líquida de impostos e incluindo transferências públicas previdenciárias, de seguro-desemprego, do Medicare (programa de saúde para idosos) e outros. Nessa conta, a renda do 1% mais rico saiu de 8,1% do total em 1960 para 8,8% em 2019, uma alta muito pequena, quase insignificante.

O economista Samuel Pessôa, que está acompanhando com atenção essa contribuição de Auten e Splinter e o debate associado a ela, lembra que Piketty e seus colegas apontaram um aumento de mal estar num grande segmento da população dos Estados Unidos que é muito real, e que não desaparece se por acaso se concluir que o fenômeno não derivou tanto da piora da distribuição de renda.

Pessoa se refere ao forte aumento da mortalidade (com a ajuda, mas não só, da alta das overdoses por drogas opioides) que atinge em cheio americanos de meia idade, especialmente um grande segmento de classe média baixa branca. Relatos recentes, inclusive, mostram que não se restringe aos brancos, afetando negros, latinos e outras etnias no mesmo recorte de perfil socioeconômico.

Pessoa considera que essa piora social nos Estados Unidos captada pela mortalidade (que há algumas décadas se descolou, para pior, da europeia) pode estar associada a dois pontos que distinguem a sociedade americana da europeia: maior desigualdade educacional e custos de saúde mais elevados        .

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 5/12/2023, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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