Um novo estudo do FMI (economistas Silvia Albrizio e John Bluedorn), detalhado no capítulo analítico da última edição do relatório Expectativas Econômicas Globais, mostra que as expectativas inflacionárias de curto prazo (nos próximos 12 meses) cada vez mais influenciam a inflação propriamente dita.
No caso dos países ricos, em média um ponto percentual (pp) de elevação das expectativas inflacionárias de curto prazo se traduzem em 0,8pp de aumento da inflação, e se tornaram - segundo os autores - o principal vetor primário na dinâmica inflacionária.
Na média dos países emergentes, o efeito é menor, mas ainda assim significativo: 1pp de aumento das expectativas inflacionárias de curto prazo leva a 0,4pp de alta da inflação.
A razão pela qual nos ricos as expectativas de curto prazo de curto prazo pesam mais do que nos emergentes, segundo os autores, é que, nestes últimos, em média, as informações sobre expectativas inflacionárias são mais escassas e os bancos centrais têm comunicação menos clara ou gozam de menor credibilidade.
Não é bem o caso do Brasil, um país emergente com um sistema de metas de inflação razoavelmente bem gerido há mais de duas décadas e um BC visto internacionalmente como competente. Além do mais, o sistema Focus do Banco Central (BC) de coleta de expectativas inflacionárias (e econômicas em geral) é bastante conhecido e levado em conta, ao menos no mercado financeiro.
Mas o economista Bráulio Borges, da consultoria LCA e do think-tank IBRE/FGV, nota que há outro fator no Brasil (e em outros emergentes) que pode fazer com que a inflação passada compareça com mais força na determinação da inflação efetiva, em detrimento das expectativas inflacionárias. Esse fator é a alta inércia ligada à indexação formal e informal à inflação passada de contratos e relações econômicas em geral.
Aliás, é justamente a inflação passada que, no estudo do FMI, surge como ocupando de forma importante o papel de um dos determinante da inflação efetiva nos países emergentes (e reduzindo o peso das expectativas), quando estes são comparados aos países ricos. Nas nações avançadas, a influência da inflação passada na inflação efetiva é muito baixa.
No entanto, o trabalho de Albrizio e Bluedorn indica que, mesmo nos países emergentes, o peso das expectativas inflacionárias de curto prazo, comparado com o peso da inflação passada, aumentou nos anos pós-pandemia.
Borges menciona que a taxa de câmbio é outro fator que afeta a determinação da inflação efetiva nos países emergentes, e que, nos ricos, costuma ser mínimo ou mesmo inexistente. Finalmente, na visão do economista brasileiro, outra diferença é que o forward guidance (informações dos BCs sobre seus próximos passos em termos de política monetária) em BCs de países ricos, como o Federal Reserve (Fed, BC dos EUA) é mais abrangente e regular. O que também pode ser um fator que induz os agentes econômicos a olharem mais para o futuro do que para o passado.
O estudo do FMI recapitula que, como desdobramento da pandemia, as expectativas inflacionárias de curto prazo em grande parte do mundo (e na média dos países ricos e emergentes) começaram a subir de forma firme em 2021, e reaceleraram em 2023. Mas a média das expectativas inflacionárias de longo prazo (cinco anos) praticamente não se mexeu nos dois grupos de países, permanecendo ancoradas em torno das metas - o que de certa forma aponta credibilidade das autoridades monetárias).
A boa notícia é que, mais recentemente, a média das expectativas inflacionárias de curto prazo começou a recuar, tanto nos países ricos como emergentes. Isso é um sinal de que, sempre em média, os BCs do mundo parecem estar fazendo o seu trabalho de combater o surto inflacionário provocado pela pandemia.
No caso do Brasil, porém, é preciso cautela redobrada, porque as expectativas inflacionárias de curto prazo (considerando o Focus tanto de 2024 quanto de 2025) estão em alta.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 7/6/2024, sexta-feira.