Na manhã de hoje [2/4, terça-feira, quando foi publicada a coluna], no lançamento do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do IBRE-FGV, no edifício-sede da FGV, no Rio, o economista Manoel Pires, coordenador do novo Centro e principal arquiteto de sua criação, apontou uma das razões pelas quais as contas públicas são um dos temas mais centrais e sensíveis da economia:
"Na política fiscal, tudo tem juízo de valor, o que tende a preceder a análise técnica", disse o pesquisador na abertura do Primeiro Encontro do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público.
As palavras do pesquisador não representam nenhum lamento ou crítica sobre como se abordam os temas das contas públicas. O juízo de valor nasce do fato de que o debate nessa seara sempre envolve cobrar de alguém (impostos, que todos pagam, mas de forma que varia de acordo a estrutura tributária), ou dar ou cortar benefícios a/de alguém (gastos públicos).
Assim, a arte de analisar a política fiscal não pode se furtar à complexidade adicional trazida por essa combinação de juízo de valor com correção e bom senso técnicos - sendo que a busca por esses últimos atributos corresponde à tarefa mais específica de economistas como Pires e seus companheiros no novo Centro: Bráulio Borges, Carolina Resende e Fábio Goto.
Pires, com passagens no governo nos Ministérios do Planejamento e da Fazenda, e professor na FGV/EPPG em Brasília e na UnB, criou em 2017, quando chegou ao IBRE, o Observatório de Política Fiscal, um site dedicado a publicar estudos e disponibilizar dados de forma mais profunda e sistemática na área de contas públicas.
"Na minha vida acadêmica e profissional, ao lidar com esse tema das finanças públicas, tive acesso a diversas séries estatísticas e fontes de dados, frequentemente dispersas em vários documentos públicos e diferentes sites, às vezes pouco conhecidos e divulgados - dessa forma, o Observatório nasceu com essa função de organizar estatísticas que podem ser utilizadas no debate público e na formulação de políticas econômicas", explica o economista.
Com o tempo, o Observatório evoluiu de um repositório organizado de séries e dados fiscais dispersos e às vezes esquecidos para a elaboração de novas séries, inclusive abrindo-se para mais pesquisadores. A ideia, que já rendeu muitos frutos, é oferecer o espaço para apresentação e disponibilização de trabalhos sobre contas públicas, com foco em dados e séries, com metodologias transparentes, e sempre com o objetivo de permitir e facilitar as consultas pelo público interessado.
O trabalho no Observatório, por sua vez, acabou levando à criação do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público, que, na mesma área, constitui-se em um "think tank" mais completo. O objetivo, na sua definição oficial, é "elaborar estudos, análises e propostas que promovam o bem-estar da sociedade e o equilíbrio orçamentário de forma transparente, moderna e eficaz a partir de análises econômica, políticas e institucionais".
Em termos da atual agenda de finanças públicas no Brasil, Pires considera que "o mais importante é reconhecer que o Orçamento público é o principal instrumento de política econômica do País". É por meio do orçamento que se definem as políticas públicas a serem implementadas, seus objetivos e beneficiários, e sua forma de financiamento, isto é, quais os tributos, sobre quem incidem, a que alíquotas etc. Para o economista, o processo orçamentário tem que ser fortalecido numa perspectiva de eficiência do gasto público, dando condições de financiamento estáveis e adequadas para as políticas públicas.
O economista acrescenta que uma boa política fiscal deve ser progressiva, tributando mais que tem condição de pagar mais, e eficiente em termos sociais, de provisão de serviços públicos e de investimentos, além de tributar de forma racional e não distorciva. Ele acrescenta que "as condições de financiamento adequadas permitem que se controle a dívida pública", garantindo melhor ambiente macroeconômico para a atividade econômica prosperar.
Num país com desequilíbrio fiscal crônico, no qual as discussões sobre o assunto sempre tendem ao imediatismo de "apagar incêndios", Pires espera que o novo Centro criado no âmbito do IBRE sirva para discussões mais basilares e profundas da política fiscal, nas quais ele vê a questão do processo orçamentário, nas suas dimensões econômica, política e social, como o alicerce principal.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 2/4/2024, terça-feira.