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Equipe de Lula diz que governo Bolsonaro deixa dívida de R$ 500 bilhões no setor elétrico

Preocupação com impacto na conta de luz da população leva grupo a sugerir uma série de revisões de atos tomados ou planejados por governo Bolsonaro, como construção de usinas térmicas e venda de ativos da Petrobras

Foto do author André Borges
Por André Borges
Atualização:

BRASÍLIA - A equipe do governo de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez um levantamento do impacto financeiro de medidas tomadas pelo governo Bolsonaro sobre todo o setor elétrico, com consequências diretas na conta de luz do consumidor. A estimativa do relatório aponta para um rombo de R$ 500 bilhões nos próximos anos, ultrapassando a gestão petista, que vai até dezembro de 2026. Procurado pelo Estadão, o atual governo não quis comentar o assunto.

Usina hidrelétrica Engenheiro Souza Dias (Jupiá), no Rio Paraná, entre as cidades de Andradina e Castilho (SP) e Três Lagoas (MS). Fontes renováveis são principal aposta FOTO CTGBRASIL 

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Segundo o grupo técnico, R$ 24 bilhões estão atrelados à “Conta Covid”, que foi criada para viabilizar uma operação financeira para alívio do caixa das distribuidoras de energia. Outros R$ 6,5 bilhões estão ligados a medidas tomadas em relação à escassez hídrica.

O grupo alertou ainda para o efeito de R$ 39 bilhões ligados à contratação emergencial de usinas no ano passado, para afastar riscos de apagão, e mais R$ 368 bilhões ligados às emendas jabutis incluídas no processo de privatização da Eletrobras, com imposição de contratação de usinas térmicas a gás e construção de gasodutos, além de outros R$ 55 bilhões para fazer reserva mercado que beneficie a construção de pequenas centrais hidrelétricas, as chamadas PCHs.

A maior preocupação, dado o tamanho do rombo, está relacionada às imposições que foram feitas no processo de privatização da Eletrobras, que o novo governo tentará rever, por meio de acordos com o Congresso Nacional, já que se trata de uma lei que foi aprovada pelo parlamento. No relatório final que será encaminhado ao futuro ministro, o grupo vai detalhar “todas as consequências da privatização da Eletrobras”, como o impacto da distribuição de cotas da estatal no mercado.

“Nós ficamos bem assustados com o que encontramos. Será uma herança muito ruim e que terá de ser paga pelo consumidor”, comentou Mauricio Tolmasquim, coordenador executivo do grupo técnico de Minas e Energia. “É uma questão muito grave, porque hoje temos um fenômeno no Brasil em que a geração de energia é muito barata, nossas fontes são baratas, mas a tarifa para o consumidor é exorbitante, uma das mais caras do mundo.”

O novo governo sabe que, na prática, boa parte das medidas que podem ser tomadas para mudar o cenário depende, exclusivamente, do Congresso Nacional. São os parlamentares que, nesta semana, por exemplo, avançam com a imposição de construção de pequenas centrais hidrelétricas, por meio de uma emenda “jabuti” incluída em um projeto de lei que tramita na Câmara. A mão do Congresso pesa ainda sobre a imposição de construção de usinas térmicas a gás em regiões onde não existe este insumo e a exigência de se construir milhares de quilômetros de gasodutos para transportar esse gás, obras que já foram estimadas pelo próprio setor em mais de R$ 100 bilhões.

“É um crime de relação ao consumidor de energia, que vai pagar essa conta todo os dias. É a nossa obrigação fazer toda ação possível. Acreditamos que o Congresso será sensível a essa questão do consumidor”, disse Aloizio Mercadante, coordenador dos grupos técnicos da transição.

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Ao discorrer sobre a situação de agentes do setor elétrico, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a Pré-Sal Petróleo (PPSA) a Agência Nacional do Petróleo (ANP), o grupo afirmou que o cenário é de “penúria” financeira.

Nelson Hubner, coordenador do subgrupo de energia e ex-diretor da Aneel, disse que a calamidade financeira tem atrasado, inclusive, salário de servidores e prestadores de serviço. “É surpreendente e lamentável, porque não se trata de órgãos que puxam o orçamento público sem contribuir, mas que geram receita bilionária para o Estado brasileiro. Então, o mínimo que se pode ter é uma estrutura para funcionar”, comentou Hubner. “Nós tivemos casos relatados em que houve dificuldade para pagar o salário do mês. Estamos falando de uma empresa como a PPSA, que movimentou milhões e que comercializa bilhões. Na EPE, um terço do pessoal foi reduzido e não deram condições de trazer novas pessoas.”

Ao discorrerem sobre o processo de venda de empresas realizado pela Petrobras, a equipe voltou a frisar que solicitou à direção da empresa que todas as ofertas em andamento ou estudadas sejam suspensas, para que possam ser avaliadas pelo novo ministro que assumirá em janeiro. O estatal também foi criticada pelo grupo, que classificou como um “atraso” a postura da empresa em relação à adoção de novas tecnologias e menor dependência dos combustíveis fósseis.

“Quando a gente olha para a Petrobras, por exemplo, estamos vendo que a empresa não está mais na vanguarda desse movimento de transição energética, é uma empresa que voltou atrás, na contramão do que todas as petroleiras do mundo”, disse Magda Chambriard, ex-diretora-geral da ANP.

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“Ela foi na direção contrária, se tornou praticamente uma empresa dependente de petróleo, em vez de uma empresa integrada. Quando se olha para um cenário de 2050, se vê um monte de petroleiras despreparadas para fazer isso e a Petrobrás voltando à estaca zero, tendo que entrar nessa movimentação do zero, outra vez.”

Aloizio Mercadante também defendeu que a Petrobrás “não pode olhar só a exploração” de petróleo é que é preciso “maximizar a capacidade de refino instalada”, ou seja, ampliar a capacidade de refino nacional em unidades que já existem. “O aumento da capacidade de refino, principalmente a maximização da capacidade instalada, pode ajudar muito no sentido de a gente ter uma política que não dependa da taxa de câmbio, do combustível importado, da guerra da Ucrânia. Isso mostrou o quanto é importante a segurança energética, uma visão de longo prazo para o abastecimento de combustível no país.”

Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) chamou a atenção para o drama de uma realidade que já era conhecida. “Estamos alertando há muito tempo sobre os novos custos desnecessários que estão sendo colocados, tanto pelo poder Executivo quanto pelo Legislativo, na conta dos consumidores de energia. Essa conta está ficando impagável e levando o setor elétrico brasileiro ao colapso”, comentou Pedrosa. “Precisamos fazer um pacto para brecar esses custos e reduzir o custo da energia, fazendo a indústria mais competitiva e permitindo que o brasileiro comum tenha um respiro no orçamento, que hoje está altamente comprometido com o custo da energia.”

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Luiz Eduardo Barata, que lidera a Frente dos Consumidores de Energia, disse que a instituição foi criada justamente por conta dos “constantes e injustificáveis aumentos na conta de luz” do consumidor. “Na maioria das vezes, esse custo é gestado no Congresso Nacional e sem a participação de quem paga a conta: os consumidores. O valor divulgado é absurdo e não nos surpreende. Precisamos urgentemente acabar com esses aumentos na conta, que prejudica o brasileiro e o país de maneira geral.”

Atos e decretos de mineração e garimpo serão revogados

A equipe de transição disse que trabalha em uma lista de atos de Bolsonaro, como portarias e decretos do setor elétrico e de mineração, para serem revogados pelo novo ministério. Não foram detalhados que atos seriam esses. O que se sabe é que, entre estes, estarão medidas que foram tomadas pelo atual governo e que levaram a um aumento do garimpo ilegal que explode na Amazônia.

Para além do enfraquecimento das fiscalizações de garimpos ilegais e reação contra a destruição de máquinas utilizadas nestas atividades, Bolsonaro também publicou medidas para transformar o garimpeiro em “minerador artesanal”.

“Nós vamos sugerir algumas mudanças, a revisão de uma série de atos, para que a gente possa ter uma estabilidade na região amazônica, para atrair investimentos para esta região do País”, comentou Giles Azevedo, que é coordenador do subgrupo de mineração.

Mudança de ICMS sobre os combustíveis depende do STF

O ex-ministro Aloizio Mercadante disse que o governo eleito espera uma sinalização do Supremo Tribunal Federal (STF) a respeito da cobrança do ICMS pelos Estados, que desde julho passaram a aplicar o teto de 17% dessa tarifa sobre a venda de combustíveis.

O assunto é visto como ponto crítico na relação federal com os Estados, que chegavam a aplicar uma taxa superior a 34% na venda da gasolina e que, com a mudança, viram uma das principais fontes de receita cair drasticamente.

Ontem, o ministro do STF Gilmar Mendes decidiu submeter ao plenário virtual o acordo fechado entre Estados e governo federal em relação às mudanças na cobrança do ICMS sobre combustíveis. Gilmar disse que o tema é “urgente” e pediu que a presidente do STF, Rosa Weber, agende uma sessão extraordinária para julgar p tema no dia 14 de dezembro.

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“Essa decisão está com o STF, mas é um tema sobre o qual estamos bastante atentos”, disse Mercadante. Além de nivelar o teto dos combustíveis, o governo atual também impôs, com aprovação do Congresso, o limite de até 17% para o ICMS aplicado sobre a conta de luz, que também ultrapassava a casa dos 30% em alguns Estados.

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