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‘Governo não acredita em reformas e quer desfazer as que foram feitas’, diz economista da PUC-RJ

Na avaliação de José Márcio Camargo, arcabouço fiscal é insuficiente para segurar relação dívida/PIB, mas é medida positiva do governo

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Por Luciana Dyniewicz
Foto: Felipe Rau/Estadão
Entrevista comJosé Márcio CamargoProfessor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos

A intenção do governo Lula de desfazer medidas adotadas pelos presidentes Jair Bolsonaro e Michel Temer na área econômica pode ameaçar a retomada de investimentos no País, segundo o professor da PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo. “Há uma série de anúncios antirreformas, de volta atrás das reformas dos últimos seis anos que foram importantes para gerar aumento de investimento”, diz o economista.

Para ele, neste começo de ano, o comportamento do Congresso, “aparentemente responsável”, tem sido positivo por evitar que as mudanças nas reformas avancem. “Até que ponto isso tem a ver com um Congresso ideologicamente mais resistente ou com o fato de o governo ainda não ter pago as emendas? Espero que seja a primeira hipótese. Vamos ver.”

A seguir, confira trechos da entrevista:

Qual avaliação o sr. faz dos primeiros quatro meses de governo?

O início foi muito negativo, principalmente do ponto de vista fiscal. Todas as notícias eram de aumento de gastos, sem que houvesse afirmação de onde viria o dinheiro. Os investidores começaram a ficar preocupados. Aí veio o arcabouço, que, com todos os problemas, deu um sinal importante de que tem alguém minimamente preocupado com a fonte de recursos para financiar o aumento de gastos. É um arcabouço com mil problemas, de aumento de despesas baseado em aumento de receitas, mas é melhor do que a situação inicial. O grande problema é que, depois que você faz as contas, vê que é muito pouco provável que o governo consiga atingir o equilíbrio fiscal no ano que vem. O arcabouço não é suficiente para estabilizar a relação dívida/PIB, que deve chegar a 92% em 2030. Dada essa trajetória, será que os investidores estarão dispostos a financiar a dívida a uma taxa de juro sustentável? Provavelmente, não. Nenhum país emergente consegue isso. Há uma probabilidade grande de que algum tipo de ajuste tenha de ser feito nos próximos anos, exatamente porque a situação fiscal vai se deteriorar. Nossa avaliação é que o PIB crescerá em torno de 1% em 2023 e menos que isso em 2024 e 2025. Por outro lado, a taxa de inflação está muito resiliente. Isso sugere que a taxa neutra de juro deve estar aumentando na economia brasileira, o que vai fazer diferença lá na frente.

Camargo: 'O governo está tentando desfazer reformas feitas nos governos passados. Vai conseguir? Não sabemos' Foto: Felipe Rau/Estadão

Fora a questão fiscal, como vê o que vem sendo feito?

Temos um ponto importante e preocupante no longo prazo. O governo Lula, ao contrário dos anteriores, está com uma estratégia de desfazer o conjunto de reformas dos últimos seis anos, uma tentativa de mudar o marco regulatório do saneamento, de fazer outra reforma trabalhista, de voltar com algo similar à TJLP. É uma série de anúncios antirreformas, de volta atrás das reformas dos últimos seis anos que foram importantes para gerar aumento do investimento. Essa interferência na Eletrobras é extremamente negativa. A atração de investimento para o Brasil vai diminuir porque a interferência na privatização aumenta muito a incerteza jurídica. O limite (de poder de voto do governo no conselho de administração da Eletrobras) é uma coisa normal no mercado financeiro. Várias empresas têm essa estrutura. Se o STF der ganho de causa para o governo, vai ser um desastre para o País conseguir atrair investimento.

As medidas adotadas pelo governo estão fora do que o sr. esperava quando o presidente foi eleito?

Eu achava que seria pouco responsável do ponto de vista fiscal. Não é uma característica do PT a responsabilidade fiscal. Isso existiu no primeiro mandato do Lula, mas estava mais ligado ao ministro (da Fazenda, Antonio) Palocci. O PT sempre defendeu aumento de gastos para gerar crescimento e reduzir pobreza. Mas me surpreendeu o volume. Eu também me preocupava com o fato de que o governo não teria gosto pelas reformas. É um governo que não acredita nelas. Minha avaliação era que elas seriam paralisadas e cresceríamos pouco. Mas é pior: o governo está tentando desfazer reformas feitas nos governos passados. Vai conseguir? Não sabemos. Aparentemente existe resistência no Congresso para mudar as reformas que foram aprovadas.

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O sr. já havia criticado algumas medidas adotadas pelo governo no começo deste ano, como o arcabouço fiscal sem punição e o imposto sobre exportação de petróleo. Há algo que veja como positivo do que foi feito até agora?

O arcabouço não é suficiente, mas é positivo, porque sinaliza que existe preocupação com o equilíbrio fiscal. Do jeito que está, ele exige que alguma coisa seja feita para gerar equilíbrio fiscal. Esse é um ponto positivo. Outro ponto, que não tem a ver com o governo, é o comportamento aparentemente responsável do Congresso de evitar um passo atrás nas reformas que foram implementadas nos últimos anos. Outra coisa positiva é a reforma tributária. Mas tenho dúvidas de que vai ser aprovada da forma como está sendo anunciada pelo (secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard) Appy. A proposta é bastante positiva, mas estão começando a aparecer resistências fortes. O agronegócio já está se considerando penalizado. Serviços têm resistências. O IVA único provavelmente não vai acontecer. Devem ser no mínimo dois. Acho difícil ser aprovada no primeiro semestre. Outro lado positivo é o fato de o ministro (da Fazenda, Fernando) Haddad estar tentando diminuir a quantidade de grupos que são beneficiados pela estrutura tributária, pelos subsídios. Sempre tem grupos extremamente poderosos que acabam conseguindo manter privilégios. Se ele conseguir diminuir, será bom para o País, mas não estou otimista.

O sr. citou a resistência do Congresso para mudar reformas, mas o governo também está com uma articulação política fraca. Há risco de que projetos, como o da reforma tributária, fiquem travados?

Pode travar. Tem muito lobby contra a reforma, porque alguns setores vão pagar mais imposto, apesar dos ganhos de produtividade. Agora, o governo não conseguiu aprovar duas propostas que considerava importantes: o PL das Fake News e a mudança no marco regulatório de saneamento. Minha pergunta é: até que ponto isso tem a ver com um Congresso ideologicamente mais resistente ou com o fato de o governo ainda não ter pago as emendas? Quando começar a pagar, vão votar a favor dos projetos, como era no passado? Espero que seja a primeira hipótese. É possível que realmente tenha mudado o comportamento do Congresso e ele tenha se tornado mais propositivo. Vamos ver.

Como vê a indicação do secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, para a diretoria do Banco Central?

Não o conheço pessoalmente. É difícil avaliar. Mas o presidente nomear o diretor do Banco Central sem conversar com o presidente do Banco Central é um sinal péssimo.

O Haddad disse que o nome do Galípolo foi sugerido pelo próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto.

Isso não é forma de consultar o presidente do BC. A forma institucional de conversar com o presidente do BC sobre a nomeação de um de seus subordinados é chamar o presidente do BC e perguntar o que ele acha. Então, acho que é um sinal ruim. Agora, se vai ser bom ou ruim, vamos ver.

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O sr. escreveu recentemente, em sua coluna no ‘Estadão’, sobre o processo que está no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode fazer com que todos os trabalhadores tenham de pagar contribuição aos sindicatos, a não ser que se recusem. Que impacto isso teria na economia?

Uma parte desse imposto vai ser repassada para os salários, isso depende da oferta e demanda do tipo do trabalhador. Provavelmente, no caso dos mais qualificados, a empresa vai pagar uma parte maior do imposto. No dos menos qualificados, os trabalhadores vão pagar a maior parte. Além disso, esse imposto é fora de propósito. Afinal de contas, os sindicatos são monopolistas sobre seus trabalhadores. Se você tem um sindicato por categoria e por município, o trabalhador não pode escolher entre diferentes sindicatos. Esse sindicato, então, tem enorme poder de monopólio sobre o trabalhador. Terceiro ponto é que gera ineficiência na alocação de recursos.

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