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Governo pode anular parte do leilão de arroz da Conab caso empresas não comprovem capacidade

Quatro companhias arrematadoras dos lotes são desconhecidas no setor de grãos e três delas não possuem atuação comprovada com a operação de importação e distribuição

Foto do author Isadora Duarte

BRASÍLIA - O governo federal avalia a possibilidade de anulação de lotes arrematados no leilão de compra pública de arroz importado e beneficiado, realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na quinta-feira, 6. A medida é estudada caso as empresas vencedoras dos lotes não comprovem capacidade técnica e financeira de adquirir e entregar o cereal, o que precisa ser feito até quinta-feira, 13, segundo relatos de integrantes do governo ao Estadão/Broadcast. Outra alternativa em análise é a impugnação de algum arrematante e chamamento do segundo colocado se o vencedor não comprovar as condições exigidas no leilão público.

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No leilão em questão, a Conab adquiriu 263,37 mil toneladas de arroz importado e beneficiado. Os lotes arrematados pela companhia tiveram preço mínimo de R$ 4,9899 por quilo e máximo de R$ 5 por quilo, com média de R$ 4,9982 por quilo. A operação custou R$ 1,316 bilhão ao Executivo. O arroz será distribuído em regiões metropolitanas de 21 Estados e do Distrito Federal com preço tabelado de R$ 20 por pacote de 5 kg e logomarca do governo federal na embalagem.

As medidas, avalizadas pelo edital do certame público, vêm sendo estudadas pelo Executivo em meio aos questionamentos públicos sobre a capacidade, a qualificação e a conduta ilibada das empresas vencedoras do leilão. As quatro companhias arrematadoras dos lotes são desconhecidas no setor de grãos e três delas não possuem atuação comprovada com a operação de importação e distribuição de grãos.

As ações são discutidas entre o Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Advocacia-Geral da União (AGU) e Controladoria Geral da União (CGU) em reuniões emergenciais no Palácio do Planalto nesta segunda-feira, 10.

Importação de arroz pelo governo federal tornou-se uma queda de braço entre setor produtivo e governo federal Foto: Taba Benedicto/Estadão

Uma fabricante de sorvetes, uma mercearia de bairro especializada em queijo e uma locadora de veículos estão entre as vencedoras do leilão promovido pelo governo. Das quatro empresas vencedoras do leilão, apenas uma, a Zafira Trading, atua no ramo. A empresa trabalha no comércio exterior desde 2010 e ganhou o direito de vender 73,8 mil toneladas de arroz, por R$ 368,9 milhões — o montante corresponde a 28% do total negociado no leilão.

Já a maior fatia, equivalente a 56% do total, foi arrematada por uma mercearia de bairro de Macapá (AP) pela razão social de Wisley A. de Sousa Ltda. A empresa, cujo nome fantasia é “Queijo Minas”, ganhou o direito de vender 147,3 mil toneladas de arroz para a Conab, pelo valor de R$ 736,2 milhões. Outras 19.740 toneladas foram arrematadas pela Icefruit, processadora de polpa de frutas, cuja sede fica em Tatuí (SP), por R$ 98,7 milhões. Já a ASR Locação de Veículos e Máquinas, do Distrito Federal, arrematou o direito de venda de 22,5 mil toneladas, por R$ 112,5 milhões.

Diante dos questionamentos crescentes e acusações de irregularidades no leilão, no sábado, a Conab convocou as Bolsas de Mercadorias e Cereais a apresentarem comprovações de capacidade técnica e financeira das empresas que representaram e que venceram o leilão público. Em nota, a empresa pública reconheceu que surgiram dúvidas e repercussões a partir da divulgação do resultado do certame público.

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“A Conab operacionaliza os leilões via bolsas de mercadorias que se inscrevem para representam as empresas importadoras. Apenas no final do leilão que conhecemos as empresas vencedoras”, afirmou o diretor presidente da Conab, Edegar Pretto, em vídeo.

“Após a divulgação das empresas vencedoras, suscitaram dúvidas sobre as reais condições técnicas e financeiras de as empresas honrarem seus compromissos, por isso, determinei a convocação das bolsas para nos apresentarem as condições de as empresas honrarem o leilão realizado. Nenhum centavo do dinheiro público será gasto sem que o arroz esteja embalado nos armazéns da Conab e tenha passado pelo rigor sanitário que o Brasil tem”, disse Pretto no vídeo.

A Conab enviou, na tarde desta segunda-feira, um ofício às bolsas de mercadorias pedindo detalhes da estratégia de operacionalização de cada companhia e da capacidade das empresas em participar do leilão.

Outro ponto que causou estranheza tanto no setor produtivo quanto em empresários com experiência no tema foi o fato de apenas duas bolsas de mercadorias — a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT), que negociou 116 mil toneladas das 263,3 mil toneladas do leilão, e a Bolsa de Cereais e Mercadorias de Londrina (BCML), que participou com 147,3 mil toneladas, terem intermediado a venda dos lotes vencedores. A BMT foi criada no ano passado e é presidida por Robson Luiz de Almeida França, ex-assessor do então deputado federal e ex-ministro da Agricultura, Neri Geller.

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O diretor executivo de Operações e Abastecimento da Conab, Thiago José dos Santos, disse ao Estadão/Broadcast que as bolsas possuem prazo para responder às questões de operacionalização até a próxima quinta-feira, cinco dias úteis após a conclusão do certame público. Até a data, as empresas devem também depositar a garantia da operação ao governo, equivalente ao 5% do valor nominal arrematado.

“Neste momento, a Conab não se comunica com as empresas, mas sim com as bolsas intermediárias que as representam. Se a empresa não pagar o valor de 5% do valor do lote arrematado em até cinco dias úteis, é aplicada sobre ela uma multa de 10% e o impedimento de participar dos leilões por dois anos”, esclareceu Santos.

Segundo o diretor, a garantia só é devolvida pela União às empresas vencedoras do leilão quando o arroz já estiver armazenado na Conab. De acordo com ele, há também responsabilidade civil e criminal sobre as bolsas credenciadas caso haja irregularidades nas documentações das empresas envolvidas.

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A importação de arroz pelo governo federal tornou-se uma queda de braço entre setor produtivo e governo federal. O Ministério da Agricultura e a Conab alegam que a medida visa frear o aumento especulativo dos preços do cereal no País, após as perdas registradas nas lavouras gaúchas como medida para enfrentar as consequências econômicas das enchentes do Rio Grande do Sul.

Estima-se que o Estado tenha perdido cerca de 600 mil toneladas de arroz, considerando o cereal afetado nas lavouras e nos silos e armazéns inundados. O governo federal autorizou a Conab a adquirir até 1 milhão de toneladas do grão importado em leilões escalonados e com despesas orçadas em R$ 7,2 bilhões.

Entidades do agronegócio argumentam que não há risco de desabastecimento, nem necessidade de recorrer às compras públicas para reequilibrar o mercado. O setor move uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a importação de 1 milhão de toneladas de arroz pelo Executivo, que está sob análise do ministro André Mendonça.

Parlamentares do setor alegam que há fraude no leilão. O partido Novo questionou o leilão em ação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura e coordenadora política da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Senado, também pediu ao TCU que fiscalizasse o leilão milionário realizado pela Conab.

Questionado sobre o leilão, o Ministério da Agricultura não se manifestou até o momento.

O que dizem as empresas

Maior arrematadora dos lotes com 147,3 mil toneladas, a Wisley A de Sousa Ltda., afirmou em nota à imprensa que “grupos com interesses contrariados” tentam afetar a imagem da empresa de Macapá (AP) e “deturpar a realidade num momento em que é essencial o País encontrar formas de assegurar o abastecimento de arroz para a população”.

A companhia disse que vai fornecer o produto dentro do cronograma estabelecido pela Conab, “cumprindo rigorosamente as normas de controle e qualidade” e que vai acelerar a importação do cereal em momento crítico de aumento de preços ao consumidor final. A companhia esclareceu ainda que possui 17 anos de experiência no comércio atacadista de alimentos e faturamento acima de R$ 60 milhões em 2023.

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“A empresa assumiu este compromisso ciente de que a importação é necessária para reduzir o preço final ao consumidor de um produto essencial na alimentação dos brasileiros”, disse na nota.

A Icefruit Comércio e Indústria Ltda., também em nota à imprensa, destacou que atua há 22 anos no comércio de alimentos e que é uma das líderes no mercado de frutas, vegetais e congelados no Brasil.

“Reafirmamos o nosso compromisso com a idoneidade e a transparência em todas as nossas operações, incluindo a recente participação no leilão de arroz realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).” Durante os trâmites do leilão de arroz realizado pela Conab, na última semana, a Icefruit assegurou a compra do produto importado dentro de todas as exigências estabelecidas pela Companhia Nacional de Abastecimento.

“A venda do produto ao consumidor brasileiro será realizada com os melhores preços e garantias de qualidade, refletindo nosso compromisso e capacidade de execução. E este compromisso evidencia a seriedade com que tratamos nossas responsabilidades contratuais e sociais”, disse a empresa na nota. A empresa afirma que fabrica mais de 3,6 mil toneladas de produtos na sede de Tatuí (SP) e que exporta para Estados Unidos, Europa e Ásia, “além de importar produtos de diversas regiões do mundo” e entrar no mercado de sorvetes.

Até o momento desta publicação, a Zafira Trading e a ASR Locação de Veículos e Máquinas não responderam aos pedidos de comentário feitos pela reportagem.

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