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O Futuro dos Negócios

Opinião|O Paradoxo de Jevons

A fascinante história de uma das leis menos óbvias do mercado — e sua importância para o futuro do trabalho

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Foto do author Guy  Perelmuter

Em 1865, logo depois da Primeira Revolução Industrial para sempre modificar o rumo das indústrias e do comércio globais, o economista inglês William Stanley Jevons escreveu o livro The Coal Question: An Inquiry Concerning the Progress of the Nation, and the Probable Exhaustion of Our Coal Mines — em português, algo como “A questão do carvão: uma investigação sobre o progresso do Reino Unido e o provável esgotamento de suas minas de carvão”. Nesta obra, Jevons apresenta um paradoxo que até hoje leva seu nome e que vem se mostrando verdadeiro há mais de 150 anos.

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Com o aumento da eficiência do uso do carvão, observou o inglês, a quantidade necessária do insumo para realização de determinada tarefa foi reduzida. Entretanto, ao contrário do que se poderia esperar — uma queda na demanda do carvão — o que se observou foi exatamente o contrário: mais indústrias e mais aplicações passaram a fazer uso do recurso. É exatamente esse fenômeno que ficou conhecido como o paradoxo de Jevons: quando o progresso tecnológico (ou alguma política pública) aumenta a eficiência de utilização de determinado recurso — reduzindo a quantidade necessária do mesmo — a queda do custo aumenta sua demanda. Este conceito está ligado ao que economistas chamam de “elasticidade da demanda”, termo que se refere a como a demanda por um produto ou serviço muda conforme seu preço. Uma procura “elástica” é aquela na qual uma pequena mudança no preço leva a uma alteração na quantidade procurada.

Exemplos do paradoxo de Jevons podem ser encontrados hoje em dia em diversas indústrias. A queda no preço do petróleo levou a uma explosão na sua demanda. A redução de preço das memórias de computadores e microprocessadores, idem. Até mesmo a construção de estradas segue este mesmo padrão: em abril de 2019, um professor de economia da Universidade Estadual da Califórnia em Northridge chamado Kent Hymel publicou um artigo intitulado If you build it, they will drive: Measuring induced demand for vehicle travel in urban areas (“Se você pavimentar, eles irão dirigir: mensurando a demanda induzida de tráfego em áreas urbanas”). Neste artigo, ele mostra como a criação de mais “facilidade” para deslocamento gera maior demanda e, consequentemente, novos engarrafamentos.

Outro setor que também vivencia o paradoxo de Jevons é o agronegócio, conforme pesquisa de Cameron Shelley, professor do Departamento de Engenharia de Projeto de Sistemas da Universidade de Waterloo, no Canadá. Considere o aumento no rendimento de uma determinada plantação através do uso de novas tecnologias, como drones ou agricultura de precisão, por exemplo. Teoricamente, isso irá reduzir a área necessária para atingir a mesma produção, mas na realidade será justamente o aumento da eficiência que irá aumentar a rentabilidade do negócio e sua demanda, levando não à redução na área plantada, mas sim a um aumento da mesma.

Se imaginarmos que a aplicação mais ampla de IA irá tornar trabalhadores mais produtivos, é razoável imaginar que a demanda por trabalhadores de forma geral irá aumentar, e não diminuir.  Foto: Dado Ruvic/Illustration/Reuters

O paradoxo de Jevons funciona não apenas com carvão, estradas e plantações. Um artigo de 2017, assinado por Greg Ip, atual comentarista-chefe de economia do Wall Street Journal, apresentou dados do Bureau of Labor Statistics (a principal agência de coleta e análise de dados do mercado de trabalho do governo norte-americano) sobre o impacto das planilhas eletrônicas em diversas carreiras a partir do início dos anos 1980. Se por um lado a quantidade de profissionais responsáveis por simplesmente organizar as informações financeiras nas empresas caiu 44% entre 1985 e 2015 — uma vez que planilhas eram capazes de fazer o mesmo trabalho de forma mais eficiente — o número de contadores e auditores cresceu 41%, enquanto a quantidade de gestores financeiros e analistas de gestão quase quadruplicou. Mais eficiência, mais demanda.

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Se imaginarmos que a aplicação mais ampla de técnicas de Inteligência Artificial irá tornar trabalhadores de praticamente todas as áreas mais produtivos, é razoável imaginar que a demanda por trabalhadores de forma geral irá aumentar, e não diminuir. A IA, na maior parte dos casos, não está substituindo seres humanos, mas sim nos auxiliando a concluir tarefas com mais rapidez e eficiência, criando novas carreiras e caminhos profissionais inimagináveis há apenas dez anos. É sobre essas novas carreiras que iremos falar em nossa próxima coluna. Até lá.

Opinião por Guy Perelmuter

Fundador da Grids Capital e autor do livro "Futuro Presente - O mundo movido à tecnologia", vencedor do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências. É engenheiro de computação e mestre em inteligência artificial

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