Empresas que estão desenvolvendo “carros voadores” chegaram com festa às Bolsas americanas a partir do segundo semestre do ano passado. Após fecharem parcerias com Spacs (companhias que primeiro abrem capital para depois buscar um projeto para investir), foram avaliadas em até US$ 6 bilhões (R$ 30 bilhões). Passados sete meses desde que a primeira dessas empresas fez seu IPO (sigla em inglês para oferta pública inicial de ações), seus papéis despencaram até 68% – em um ritmo muito superior ao índice das Bolsas em que foram listadas. Em média, o recuo foi de 56,2%.
A americana Archer foi a empresa que viu suas ações caírem de forma mais acentuada. Com acordo para fornecer US$ 1 bilhão em “carros voadores” para a United Airlines e possibilidade de aumentar esse contrato em mais US$ 500 milhões, a empresa fez seu IPO em setembro na Bolsa de Nova York (NYSE). Suas ações começaram sendo negociadas a US$ 9,48; hoje estão cotadas em US$ 3,03. No mesmo período, o principal índice da NYSE recuou 4,6%.
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No caso da também americana Joby – a primeira a abrir o capital, em agosto, e a que foi mais bem avaliada pelo mercado antes da chegada à Bolsa, por US$ 6 bilhões –, a queda dos papéis foi de 51,3% até agora. O recuo é 45 pontos porcentuais superior ao da NYSE no período.
Avaliação
Há pouco mais de um mês, quando a retração do preço das ações da Joby estava em 57%, um relatório do banco Morgan Stanley afirmou que o desempenho negativo na Bolsa devia-se a um menor apetite ao risco dos investidores por empresas que ainda não registram lucro, mas têm grande potencial. No documento, a instituição financeira lembrou que outras companhias de eVTOL – sigla em inglês para veículo elétrico de pouso e decolagem vertical, como é chamado oficialmente o “carro voador” – enfrentavam situação semelhante. A alemã Lilium recuou 66% de seu IPO até ontem, e a britânica Vertical, 39,6%.
Para o analista da XP Lucas Laghi, que acompanha o setor aéreo, os recuos acentuados são explicados pelo risco de um produto que deve começar a gerar caixa, em tese, só depois de 2025 – as quatro empresas que abriram capital prometem entregar as primeiras unidades em 2024. Enquanto o Federal Reserve (o Banco Central americano, o Fed) não elevava a taxa de juros nos EUA, porém, os investidores estavam mais dispostos a encarar esse risco.
“A perspectiva de risco global hoje é muito mais elevada. Empresas de tecnologia e startups têm perspectiva de geração de caixa muito para frente e sofrem com isso”, disse Laghi. “O valor justo de uma empresa, teoricamente, é o valor presente do fluxo de caixa de hoje até a perpetuidade. Quando se tem muito desse valor no futuro, o valor presente desse montante é mais sensível à taxa de juros, isto é, a taxa que você vai usar para trazer esse fluxo de caixa a preços de hoje”, afirmou o analista.
Setor de tecnologia
Esse panorama tem prejudicado companhias não apenas de eVTOL, mas de tecnologia das mais diversas áreas em todo o mundo. Um sinal disso é o desempenho, neste ano, da Nasdaq, a Bolsa americana em que as principais empresas do setor estão listadas. Enquanto a NYSE e o S&P 500 recuaram 8,8% e 12,4%, respectivamente, no acumulado do ano, a Nasdaq perdeu 19%.
Além do panorama mais difícil para o setor de tecnologia, empresas de eVTOL têm ainda o desafio de viabilizar seus produtos e implementá-los no mercado. Isso significa que precisam desenvolver todas as tecnologias necessárias e conseguir a certificação dos órgãos reguladores, além de terem de criar a infraestrutura dos locais onde as aeronaves vão pousar, decolar e ser recarregadas.
Para os analistas do Morgan Stanley, o principal risco hoje para o preço das ações – considerando o caso da Joby, única do segmento analisada pelo banco – é a dificuldade no processo de certificação, que pode atrasar a entrada da aeronave no mercado. Uma aceitação baixa pelos consumidores dos vertiports – os “helipontos” – também pode ser um percalço.
Apesar do cenário, o banco continua apostando que as ações da companhia podem chegar a US$ 16 e que o preço atual do papel pode significar uma oportunidade para comprá-lo. Para os analistas, o segmento de eVTOL ganha credibilidade. Um dos indicativos disso, disseram eles, é um investimento adicional de US$ 450 milhões feito pela Boeing na Wisk, empresa desenvolvedora de eVTOL que tem como sócios a Boeing e a Kitty Hawk.
Procuradas, a Vertical e a Archer afirmaram que não comentariam o assunto. A Joby e a Lilium não deram retorno.
Embraer e Bolsa dos EUA
Assim como já fizeram suas concorrentes, a Embraer se prepara para abrir o capital da Eve, subsidiária que desenvolve seu “caro voador”. A chegada da empresa à Bolsa dos EUA, porém, ocorrerá em um momento pouco favorável. A estreia está prevista para o fim de abril, quando o Federal Reserve (o banco central americano) já deverá ter iniciado o ciclo de alta na taxa de juros e em meio a um ceticismo do mercado em relação às empresas de tecnologia.
“Com certeza o fato de o setor como um todo ter caído na Bolsa não ajuda a empresa, mas não consigo ainda dizer como será o impacto”, afirmou o analista Lucas Laghi, da XP.
Laghi disse que o preço da ação da Embraer hoje, de R$ 15,32, é baixo quando se considera que a Eve foi avaliada em US$ 2,9 bilhões em 2021. Isso pode significar que o mercado financeiro considera o valor da avaliação alto.
O analista, porém, afirmou que a Eve tem pontos a seu favor. “A empresa está extremamente ativa em firmar parcerias. É impressionante a quantidade de contratos que estão fechando para desenvolver todo o ecossistema do eVTOL. Não estão apenas com um viés de entrega de produto”, disse. Laghi lembrou ainda que a companhia já tem 1.785 aeronaves encomendadas – uma das maiores carteiras de pedidos.
Procurada, a Embraer afirmou estar “bastante confiante no seu plano de negócios e nas parcerias já firmadas com investidores estratégicos e financeiros”. “A volatilidade do mercado acionário no curto prazo impacta empresas de tecnologia em geral e com foco em alto crescimento, não é algo específico do setor de mobilidade aérea urbana.”