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Ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócios da FGV

Opinião|Lua nova

Quem não gosta de Carnaval procura sossego em busca de nostalgias amenas, mergulhadas nas brumas da memória; neste caso, a lua é sempre uma boa companhia, resgata doces recordações

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Foto do author Roberto Rodrigues
Atualização:

Domingo de Carnaval. Durante o dia, nos 4 cantos do País, cordões, bloquinhos, blocos e blocões se agitam pelas ruas das cidades derramando uma estranha alegria sonora por onde vão passando, atraindo gente jovem e madura para uma festa de dança interminável, corpos embalados por ritmos frenéticos que espargem sensualidade. A batucada segue noite adentro, em desfiles coloridos nos sambódromos oficiais e improvisados, ou nos bailes eufóricos em salões de todo tipo.

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Mas tem quem não goste, e procure calma e sossego em locais discretos e silentes. Em geral são pessoas mais velhas, desencantadas desses folguedos alucinados, esquecidos já de colombinas e pierrôs que um dia lhes sorriram felizes.

E vão em busca de nostalgias amenas, mergulhadas nas brumas da memória que mistura imagens reais e ilusões. Neste caso, a lua é sempre uma boa companhia, resgata doces recordações.

A lua é sempre uma boa companhia, resgata doces recordações. Foto: henvryfo - stock.adobe.com

Mas este ano não tem muito jeito de encontrar no satélite alguma inspiração: é lua nova, pouca luz emite, as noites são escuras… E por isso essas pessoas carentes acabam encontrando na música – não nas marchinhas, mas na MPB mais discreta – um refúgio singular, especialmente quando as letras trazem a lua em seu esplendor hoje ausente.

É então que em sonhos surge Orestes Barbosa, que conta: “A porta do barraco era sem trinco, e a lua furando nosso zinco salpicava de estrelas nosso chão”. Que imagem maravilhosa!

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Ou Cândido das Neves, que, desesperado pelo abandono, chorava: “A estrofe derradeira, merencória, revelava toda a história de um amor que se perdeu. E a lua que rondava a natureza, solidária com a tristeza, entre as nuvens se escondeu”.

Mais alegre, Ivan Lins anunciou: “Até a lua se arrisca num palpite”… Será, nessa altura? E há quem celebre uma divindade, como Newton Teixeira: “A deusa da minha rua tem os olhos onde a lua costuma se embriagar”. Noel Rosa foi mais adiante: “A estrela Dalva no céu desponta, e a lua anda tonta com tamanho esplendor”.

A tristeza fecha o domingo no lamento urbano de Lupicínio: “Ela nasceu com o destino da lua, é pra todos que andam na rua, não vai viver só pra mim”.

Na roça, o caboclo se lembraria de Catulo, e recitaria: “A lua nasce por detrás da verde mata, mais parece um sol de prata prateando a solidão”.

Resta esperar a volta da lua cheia na quaresma, como acalmou Paulo Sérgio Pinheiro: “Mas podes ficar tranquila, minha poesia, pois nós voltaremos numa estrela guia, num clarão de lua, quando serenar”.

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Ah, a vida segue mansamente, sem samba, sem luar, sem violão.

Opinião por Roberto Rodrigues

Ex-ministro da Agricultura e professor emérito da Fundação Getúlio Vargas

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