O Brasil é mesmo um país sem memória. O governo está de novo às voltas com as enormes dificuldades de pôr fim à indefensável desoneração das folhas de pagamento dos “setores que mais empregam”, que já custou dezenas de bilhões de reais às contas públicas.
Nunca é demais rememorar as origens desse infindável trem da alegria. O programa foi desenvolvido, em meados de 2011, sob a bandeira da nova matriz, no laboratório de pajelanças avançadas da inesquecível equipe econômica do primeiro governo da presidente Dilma Rousseff.
A ideia inicial era um projeto-piloto que permitiria que setores exportadores ou expostos à concorrência de importações, escolhidos a dedo, deixassem de pagar contribuição sobre a folha e passassem a recolhê-la sobre faturamento, com alíquotas favorecidas, negociadas setor a setor, conforme a grita de cada um.
De início, eram só quatro setores. Em abril de 2012, passaram a ser 15. Mas, como poderia ter sido previsto por qualquer observador menos ingênuo de como as coisas funcionam em Brasília, a mágica logo fugiu ao controle do governo, quando o Congresso, fascinado pela alquimia, se apossou do caldeirão. E, para espanto e desespero dos aprendizes de feiticeiro, passou a distribuir a poção a dezenas de outros setores que nada tinham a ver com comércio exterior.
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Quando se trata de conceder benesses, o Congresso tende a dispensar tutela. Prefere levar adiante suas próprias ideias, com a determinação implacável que costuma exibir quando se vê diante de uma oportunidade de extração tão farta de dividendos políticos. O número de setores agraciados saltou de 15 para 56.
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Há anos, sucessivas autoridades fazendárias vêm tentando desmontar esse trem da alegria. A equipe econômica de Michel Temer, ajudada pelo senso de urgência imposto pela gravidade da crise que lhe coube enfrentar, conseguiu reduzir a lista de beneficiados a 17 setores. Número que permaneceu inalterado até hoje.
As dificuldades, enfrentadas a cada governo, para acabar de vez com tais benesses dão bem ideia de quão poderoso e eficaz tem sido o lobby conjunto dos setores que ainda continuam a tirar bom proveito desse esquema indefensável.
Em boa hora e com bons argumentos, o presidente vetou o projeto de lei. Mas, como o veto parece fadado a ser derrubado, é bem possível que a questão venha a ser judicializada. Resta saber se o STF perceberá a importância de se manifestar tão logo quanto possível, para sustar a perda colossal de receita que a derrubada do veto poderá impor ao erário nos próximos anos.