BRASÍLIA - Os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) criticaram, mas mesmo assim votaram a favor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que turbina benefícios sociais nas vésperas da eleição. A emedebista é pré-candidata a presidente e deve ter Tasso como vice. Os dois têm pautado a pré-campanha com foco na responsabilidade fiscal. Mesmo com senadores do PT e do PDT votando a favor da proposta, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) também criticaram o texto.
Foram 72 votos a favor no primeiro turno e um contra. No segundo foram 67 a favor e um contra. O senador José Serra (PSDB-SP) foi o único a votar contra nos dois turnos.
O projeto, que foi patrocinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) aumenta o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, cria o bolsa-caminhoneiro e o bolsa-taxista, amplia o vale-gás e compensa Estados pela gratuidade de idososno transporte público e traz uma compensação para alíquota menor para o etanol. O custo estimado é de R$ 41,2 bilhões. O texto cria um "estado de emergência", que permite uma burla na lei eleitoral e concede a criação de benefícios sociais. Fora do estado de emergência ou calamidade, a legislação proíbe a concessão de benesses em ano de eleição.
A justificativa usada por Tasso e Simone para ferir os princípios de responsabilidade fiscal, com despesas fora do teto de gastos e que quebram a regra de ouro, que proíbe aumento de despesas sem ser para investimentos, foi o combate à fome e à miséria. Simone também ressaltou o caráter temporário e emergencial da medida. "Ela só vale até 31 de dezembro e criou crédito extraordinário", disse ao Estadão. Questionada sobre a possibilidade de ser criado um constrangimento para que o próximo presidente mantenha os benefícios a partir de janeiro de 2023, a emedebista não comentou.
Na quinta-feira, 30, durante a votação, Tasso estava em sua casa em Fortaleza (CE) e participou da sessão por meio do sistema remoto. Ao mesmo tempo que o texto era discutido, o tucano também participava de um evento virtual que debatia os 28 anos do Plano Real.
No evento, o senador criticou o ritmo acelerado de análise da proposta e reconheceu que a medida fere regras fiscais. "Estamos votando uma PEC em 24 horas, lemos o relatório ontem, quase que votávamos, se não houvesse uma grita muito grande, ontem mesmo uma PEC que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, o teto e a lei eleitoral", apontou.
Mesmo assim, o parlamentar disse que aprovar o texto era necessário. "Dentro de alguns minutos votaremos e acho que vai ser quase que por unanimidade o voto sim em função do cenário que estamos vivendo hoje de extrema fome, miséria mesmo", afirmou.
Simone Tebet também participaria do evento do Plano Real, mas se ausentou porque acompanhou a sessão do Senado presencialmente em Brasília. Quando discursou no Plenário do Senado durante a votação, Simone também afirmou que a proposta foi feita de modo improvisado, mas que não poderia votar contra porque se preocupa com relatos de mães de família que não têm o que comer.
"Nós não estamos diante de uma escolha de Sofia. Não quando tantas Sofias e Marias estão sofrendo a dor da fome. Então não é uma escolha de Sofia, nós temos que efetivamente avançar e avançar rapidamente em uma solução para quem hoje não tem o que dar de comer a seus filhos", declarou.
Mesmo votando favorável, a parlamentar pediu ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que as próximas medidas que alterem a Constituição não sejam votadas diretamente no Plenário e passem antes pela análise da Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
"Não é possível nós entrarmos para os anais da história do Brasil, de votarmos uma PEC tão relevante, que fura teto, que viola lei de responsabilidade fiscal, que atinge a regra de ouro, fazendo alterações de vírgula ou de parágrafo na coxa. Porque é isso que estamos fazendo", afirmou.
Apoiador do projeto presidencial de Simone, o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) também votou a favor da PEC. De acordo com ele, o Senado não pode apostar no "quanto pior, melhor" e que a discussão sobre o assunto se contaminou por conta do debate eleitoral. "Existe hoje uma contaminação pelo clima eleitoral muito acentuada em todos os setores e uma visão de que para tirar o Bolsonaro vale tudo, inclusive deixar o povo sofrer mais alguns meses", afirmou. "Eu não voto no Bolsonaro, acho que o governo tem problemas muitos sérios, mas não posso entrar nesse quanto pior, melhor para ter proveito eleitoral", completou.
Do outro lado, o ex-presidente Lula afirmou que a proposta é uma tentativa de Bolsonaro de comprar voto. "Ele (Bolsonaro) acha que pode comprar o povo, acha que o povo é um rebanho, que o povo não pensa, ele acha que o povo vai acreditar em mentira, e não vai”, disse o petista durante evento em Salvador (BA) nesta sexta-feira, 1º.
Seis dos sete senadores do PT votaram favoráveis à PEC. O senador Humberto Costa (PT-PE) se ausentou da votação. O ex-presidente defendeu a criação de programas sociais, mas ressaltou que a medida é eleitoreira. “Acho que o povo tem que pegar o dinheiro, mas não é isso que resolve o problema porque tudo isso vai acabar em dezembro. Na verdade, o projeto que ele mandou é um projeto eleitoral.”
Já Ciro Gomes classificou a medida como PEC do "desespero", "do fim do mundo" e "da vergonha". Apesar disso, três dos quatro senadores do PDT votaram a favor da proposta. O senador Cid Gomes (PDT-CE), irmão de Ciro, não participou da votação.
O pedetista ainda afirmou que o texto "tritura" a Constituição. “Ao povo, no seu estado de penúria, não se pode negar nada. Mas não se pode colocar no seu prato de comida os restos triturados da Constituição. Se continuarmos a fazer isso, seremos uma nação sem lei, sem estado de direito e sem democracia”, afirmou em mensagem publicada no Twitter.