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Seu cachorro não está pronto para sua volta ao escritório

Muitos nova-iorquinos, é claro, voltaram há muito tempo para seus locais de trabalho, ou nunca deixaram de frequentá-lo. Mas para aqueles que estão considerando a transição agora, e para seus cães, chegou o dia do acerto de contas.

Por John Leland

NOVA YORK – Olhem essa carinha, esses olhinhos pedintes, esse focinho que lhe fez companhia durante toda a pandemia. Agora expliquem para a Cooper por que é tão, tão importante voltar ao escritório – e deixá-la sozinha o dia todo, depois de dois anos juntos 24 horas por dia, sete dias por semana.

Porque… o quê? Espírito de equipe?

Nala, uma goldendoodle, se reconforta no rádio e nos sapatos e meias de seus donos quando estão fora Foto: Adrienne Grunwald/ The new York Times

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Todd McCormick, trader de derivativos no Upper West Side, em Manhattan, decidiu que não faria isso. “Acho que nunca mais voltarei a um escritório”, disse ele. Enquanto ele falava, seu vira-lata resgatado de 13 anos, Higgins, pedia um biscoito.

Muitos nova-iorquinos, é claro, voltaram há muito tempo para seus locais de trabalho, ou nunca deixaram de frequentá-lo. Mas para aqueles que estão considerando a transição agora, e para seus cães, chegou o dia do acerto de contas.

Mais de 23 milhões de lares americanos ganharam um gato ou um cachorro durante a pandemia, de acordo com a Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais (ASPCA, na sigla em inglês), e muitos desses animais nunca souberam como é ficar sozinho o dia todo. Eles invadiram as reuniões via Zoom, digitaram mensagens indecifráveis nos laptops de seus humanos e encontraram outras maneiras de contribuir para o ambiente de trabalho entre espécies diferentes. Para muitas pessoas, os cães eram o único ser vivo por perto – terapeuta, companhia e sistema de entretenimento reunidos em um só ser.

Todd McCormick, um operador de derivativos, não consegue prever quando deixará Higgins sozinho para retornar ao escritório Foto: Adrienne Grunwald/ The New York Times

Agora seus empregadores querem que eles abram mão de tudo isso.

Sem chance, disse McCormick, nem mesmo fingindo atrasar o biscoito de recompensa de Higgins.

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“Se eu saio para colocar o lixo fora, ou para pegar minha correspondência, ele uiva como um macaco bugio, e parece que alguém está sendo assassinado na minha casa”, disse ele, descrevendo o comportamento que surgiu apenas depois do início da pandemia. “Ele sabe que eu vou ficar fora por três minutos, mas isso não faz com que eu não o escute durante todo o trajeto no elevador.”

McCormick basicamente parou de ir a restaurantes e não viajou de férias desde o início da pandemia, sobretudo para evitar a separação de seu cachorro.

“Mas eu preciso admitir que, apesar de tudo, ele é um companheiro incrível”, disse ele.

Os cachorros que vivem em apartamentos sempre tiveram de se ajustar a condições nada ideais, mas o retorno ao escritório significa que, de repente, milhares estão passando pela mesma transição ao mesmo tempo, disse Kate Senisi, diretora de treinamento da Escola para Cães do East Village, em Manhattan. “Recebemos muitos casos de separação”, disse ela.

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Cães que estavam acostumados a ficar sozinhos antes da pandemia tendem a se ajustar de forma relativamente rápida, afirmou. “Mas no caso dos filhotes de pandemia” – cachorros nascidos e adotados durante a pandemia –, “eles nunca ficaram sozinhos e agora estão em uma idade delicada, a adolescência”, disse ela. “Pode ser bastante difícil. Eles precisam aprender essas novas habilidades.”

Dica profissional do adestrador: não dê ao seu cão aquele brinquedo especial apenas quando você sair, pois o brinquedo se tornará um gatilho para a angústia.

Pam Reid, vice-presidente da equipe de ciências comportamentais da ASPCA, observa que os animais deixados sozinhos do nada podem se sentir “confusos, solitários e ficar se perguntando por que todo mundo está saindo às pressas pela porta em vez de ficar em casa”. Ela sugere a prática de separações breves antes do grande retorno ao escritório e programar caminhadas e refeições para a adaptação do futuro horário de trabalho.

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“Não esqueça de ficar atento a sinais de ansiedade enquanto você se prepara para sair, como andar nervoso e ofegante, vocalizar ou tentar sair com você”, disse ela.

Millet Isareli, psicoterapeuta, em seu escritório em Manhattan, onde passa seus dias de trabalho com Milton e Rufus Foto: Adrienne Grunwald/ The New York Times

Esses sinais são bem conhecidos por Millet Israeli, psicoterapeuta que vive em Chelsea. Desde o início da pandemia, esses comportamentos angustiantes se tornaram parte da rotina diária de Milton e Rufus, ambos são fruto da mistura das raças poodle e cavalier king charles spaniel, que é conhecida como cavapoos ou cavoodle.

Se Millet e o marido saem do apartamento ao mesmo tempo, os cachorros deixam claro sua desaprovação, disse ela. “Com isso quero dizer uma lata de lixo virada, uma tigela de comida virada, talvez eles não usem os tapetes higiênicos que deixamos em casa se precisarem usar o banheiro, digamos.”

Como terapeuta, Millet vê a ansiedade de separação como uma “via de mão dupla”. Ela estava alimentando a ansiedade de seus cães? Ou mais revelador ainda, ela estava projetando sua própria ansiedade nos animais?

A solução dela: eliminar a separação. Agora ela os leva para seu consultório, onde às vezes eles participam de suas sessões de terapia, que costumam ser virtuais.

“De muitas maneiras, estou cedendo a vontade deles”, ela admitiu. “Eu não diria a um pai ou a uma mãe que está tendo dificuldades com a ansiedade de separação de seu filho para fazer isso.”

Muitas empresas de tecnologia, entre elas Amazon, Google, Squarespace e Etsy, passaram a aceitar cães em alguns de seus locais de trabalho mesmo antes da pandemia, e algumas outras empresas abriram exceções como uma forma de atrair e manter profissionais, disse Andy Challenger, vice-presidente sênior da firma de recolocação executiva Challenger, Gray e Christmas. Os animais costumam passar por um período de teste e às vezes precisam continuar na coleira. Uma mordida costuma levar à expulsão; para ofensas menores há mais tolerância.

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Mas Challenger acredita que essa moda deve durar pouco.

A advogada Mary Sheridan sabia que seu filho, Theo, teria dificuldades durante o confinamento sozinho; eles são donos da Nala Foto: Adrinne Grunwald/ The New York Times

Até lá, a verdadeira ansiedade de separação talvez esteja entre os tutores, não com os animais. Raf Astor, que hospeda e passeia com cães no East Village, disse que os cachorros com os quais tem contato se adaptaram bem à mudança. Mas, para as pessoas, ele disse, “muitos desses cães se tornaram animais de apoio emocional. Então agora, quando elas têm de deixar o cachorro, boa parte da ansiedade surge do tutor, não do cão. Essa pandemia deu a todos que tinham alguma neurose uma licença para se entregar de verdade a ela. E os cães, de alguma forma, ficaram a salvo disso.”

Quanto aos tutores, eles podem estar sem sorte. Apesar de todos os novos cães nos lares americanos, Karen Burke, consultora de recursos humanos da Sociedade de Gestão de Recursos Humanos (SHRM, na sigla em inglês), disse que não percebeu um movimento para permitir que os cachorros frequentem o escritório, exceto em datas como “o dia de trazer seu animal de estimação para o trabalho”.

“Isso está ganhando espaço? Não tive essa percepção”, disse ela.“Deveria ser feito? Provavelmente, sobretudo com a Grande Renúncia acontecendo.” Mas não crie expectativas, alertou. “Nem toda cultura organizacional pode apoiar isso.”

Agora, quem vai dizer isso para a Cooper?/ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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