Foto do(a) blog

Comportamento Adolescente e Educação

Movimentos liderados por meninas promovem mudanças sociais

PUBLICIDADE

Foto do author Carolina  Delboni
Por Carolina Delboni
Atualização:

Conheça as boas histórias de meninas que têm se dedicado às garantias dos direitos da mulher e mostrado como as boas práticas podem impactar a vida de muitas

PUBLICIDADE

Há de chegar o dia na linha cronológica da História que iremos passar pelo Dia Internacional da Mulher como se passa por um marco da humanidade. Um daqueles dias que vai nos contar as muitas queimas de sutiãs em praças públicas, mas que não se fará mais necessário como palco de uma batalha constante.

Há de chegar o dia que mulheres não precisarão mais brigar por direitos e condições que ainda não lhe são asseguradas. Há de chegar o dia em que mulheres não serão violentadas por homens e não precisarão andar com medo pelas ruas ou temer o próprio teto. Há de chegar o dia em que a utopia de uma sociedade mais igualitária possa se fazer presente.

São anos de luta, são anos de avanços em direitos e implementações de políticas públicas, mas existe um sinal vermelho que se acende diariamente a todas as mulheres nas mais diversas situações. E é por isto que é preciso brigar, lutar e sim, ser feminista. Em 2022, não dá para existir como mulher sem levantar esta bandeira. Ser feminista hoje é um ato necessário à existência - e resistência de tantas violências.

"A data simboliza a luta das mulheres pela igualdade de direitos civis, sociais, políticos e culturais, mas é também um momento para pensar sobre as desigualdades ainda persistentes em tantas áreas", nos alerta Ana Carolina Querino, representante adjunta da ONU Mulheres.

Publicidade

Em novembro de 2015, 50.000 mulheres negras se manifestaram publicamente, em Brasília, por melhores condições de vida e de cidadania para as afro-brasileiras e a população negra Foto: PNUD/Tiago Zenero

E cá estamos, fazendo uso do Dia Internacional das Mulheres para levantar nossas bandeiras e dar voz a quem está à frente de iniciativas de impactam outras tantas mulheres. São meninas em suas escolas ou comunidades que entenderam que empoderamento feminino se constrói - e se fortalece - no coletivo.

Conheça as histórias de quem têm mobilizado escolas e comunidades para transformar a realidade de outras muitas meninas e mulheres. Elas têm mostrado como um coletivo bem organizado e uma intenção verdadeira de mudança pode impactar a vida de muitas pessoas ao redor.

Ana Carolina endossa e acrescenta que o coletivo é uma ferramenta que diz "muito sobre a conscientização das mulheres a respeito de seus direitos e dos recursos que existem para lutar contra as desigualdades e discriminações". Avante.

Projeto Tereza de Benguela Isabela Zebina, 17 anos, é de Cuiabá (MT), e durante a pandemia sentiu vontade, e necessidade, de fazer algo a mais além de "ser uma boa aluna com boas notas". "Eu queria fazer algo revolucionário pela minha comunidade", conta com o entusiasmo de uma adolescente. "Foi quando um amigo me apresentou o Girl Up, um movimento global que estimula e capacita meninas para desenvolver habilidades e competências capazes de gerar transformações dentro da sua comunidade".

Foi aí que ela começou o projeto Tereza de Benguela em homenagem a líder quilombola homônima que também viveu no Mato Grosso. "A minha ancestralidade está ligada a ela e como o meu clube foi o primeiro do estado, queríamos o nome de uma mulher forte que nos representasse", explica.

Publicidade

O projeto conta com 11 pessoas e elas buscam viabilizar, junto à órgãos do governo e parcerias privadas, propostas voltadas para causas como pobreza menstrual e equidade de gênero. "Nós estamos trabalhando em uma oficina para a confecção de absorventes ecológicos que serão doados para uma escola estadual de Várzea Grande aqui no Mato Grosso", conta.

Há também ações relacionadas ao protagonismo juvenil, empoderamento feminino e à educação. "Queremos promover cada vez mais liderança entre meninas jovens, para que elas se vejam como protagonistas da sua própria história", finaliza Isabela.

Isabela, líder do projeto, a direita com outros dois integrantes. foto: arquivo pessoal  Foto: Estadão

Projeto Somos Plurais Helena Branco, 19 anos, integrante há quatro anos do Somos Plurais, foi a primeira brasileira a se tornar uma Teen Advisor, isto é, embaixadora do programa Girl Up - que seleciona 20 jovens do mundo inteiro para participar de treinamentos de liderança em Washington (DC), nos Estados Unidos.

"Meu clube foi o primeiro da época, inclusive porque não existia nada efetivo no Brasil, e o nosso objetivo era expandir esse movimento e criar uma rede de meninas", explica a aluna do curso de Relações Internacionais e Políticas Públicas, da Universidade Federal do ABC.

A estudante conta que na escola em que cursou o Ensino Médio o ambiente todo era extremamente machista e que a ida aos EUA a mobilizou a elaborar um projeto de rodas de conversa e aulas sobre o tema dentro da instituição. Mas o corpo diretor não aprovou e com a negativa da escola, Helena resolveu levar a ideia para fora dos muros e começou o movimento em lugares públicos.

Publicidade

A ideia era realizar rodas de conversas e, assim, engajar meninas de outras escolas para criarem um clube comunitário. "A experiência na escola me ensinou que sempre vão existir lugares que vão fechar as portas para o feminismo, mas isso não foi e não será empecilho para nós."

Pobreza menstrual é outro tema do projeto da Helena e que já a levou a participar de eventos na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP). "Outras meninas do coletivo também já foram a Brasília conversar e debater o assunto com representantes do governo.", conta

Para ela, o #LivreParaMenstruar é uma das campanhas mais significativas, já que o acesso à higiene menstrual é um direito e deve ser tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos.

Segundo relatório feito pelo movimento, uma em cada quatro adolescentes, não tem um absorvente durante o período menstrual. Além disso, 20% das adolescentes não têm água tratada em casa e 200 mil estudam em escolas com banheiros sem condições de uso. "Durante a pandemia realizamos uma campanha chamada #AbsorventeUrgente, que teve a participação de 16 clubes em 7 estados e 4 regiões, arrecadando mais de 60 mil absorventes no total," relembra.

Engajamento político é uma ferramenta importante para as meninas do coletivo e em 2021 elas promoveram uma reunião virtual com candidatas a vereadora de São Paulo para falarem de temas como o voto jovem, que incentiva meninas a tirarem o título de eleitor e votarem em lideranças políticas femininas. "Precisamos ter representantes políticas que trabalhem junto com a gente. Só assim teremos mais políticas públicas capazes de proteger e assegurar os direitos das mulheres", fala Helena.

Publicidade

Rebeca Souza e Helena Branco, durante assembléia em Brasília  Foto: Estadão

Coletivo Democratizou Rebeca Souza, 18 anos, é embaixadora e diretora do Conselho de Políticas Públicas do coletivo, movimento que acredita na capacidade do jovem de conversar e debater política, criando um ambiente de aprendizagem saudável e ativismo democrático. "A gente debate democracia e ensina política", conta.

Ela, que também é líder do clube Girl Up Malfatti (inspirado na artista plástica Anita Malfatti), em Sergipe, explica que tanto o Democratizou, que traz debates políticos e rodas de conversas, quanto o Girl Up, com projetos de leis em relação à dignidade menstrual, mostram que os jovens podem - e devem - estar na política.

Entre os projetos e conquistas estão a campanha #SeuVotoImporta, que incentiva jovens de 16 e 17 anos a tirar o seu título de eleitor para votar, e a sua ida a Brasília para debater pobreza menstrual e direito das meninas. "Quando estive lá, no ano passado, senti o começo de uma realização", conta Rebeca que tem o desejo de se tornar Presidente da República.

Atualmente, o grupo Malfatti tem 25 pessoas de gêneros diversos, em várias regiões de Aracaju, onde discutem pautas sobre política, mulheres negras e educação.

Rebeca, de verde, e outras lideranças do movimento Girl Up, em reunião para discutir pobreza menstrual  Foto: Estadão

Movimento Filhas de Penha Fruto de uma iniciativa da Plan Brasil, ONG que trabalha em defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, o projeto surgiu em meados de 2021 depois que treze garotas participaram da Escola de Liderança para Meninas (ELM). e tem por objetivo trabalhar a promoção da igualdade de gênero.

Publicidade

O grupo que conta hoje com quatro meninas, Elaine, Nicole, Rayane e Vitória, defende a luta pela emancipação e pelo empoderamento feminino no combate à violência contra mulheres e meninas.A proposta é trabalhar a promoção de igualdade de gênero e para isto, abordam temas em rodas de conversa e nas redes sociais, canal usado para divulgar serviços de apoio às mulheres e canais de denúncia.

Na rede social, elas promovem debates on-line, fazem campanhas de conscientização e criam materiais, como cartilhas virtuais para que todos possam baixar e ter acesso às informações.

"Nós atuamos no campo das violências físicas e psicológicas. Ajudamos informando, evidenciando dados, mas sempre com respaldo de especialistas," conta Elaine, uma das integrantes responsáveis.

Para o grupo, o poder da informação pode transformar a vida de mulheres e meninas, que ao se sentirem mais confiantes podem ter coragem de denunciar seus agressores, por exemplo.

Além disso, as integrantes do Filhas de Penha acreditam que a luta pelo fim da violência doméstica representa a possibilidade de construir uma sociedade mais livre e justa.

Publicidade

"Nosso perfil tem hoje 263 seguidores, mas nosso desafio é alcançar cada vez mais pessoas, propagando informações, por meio desses conteúdos para quem precisa saber," afirma Elaine.

Filhas de Penha em visita ao Instituto Butantan em Outubro de 2021. Foto Adriano Arruguetti  Foto: Estadão

Projeto Meninas na Rede Outra iniciativa importante que recebeu apoio da Plan é o Projeto Meninas na Rede, da ONG Núcleo Social de Jovens Mulheres, em Alagoas, Maceió. O projeto, que começou em 2021, apoia jovens vítimas de violência e conta com a participação de assistentes sociais, psicólogas, advogadas e auxiliares administrativos. Por meio da economia criativa, o grupo já conseguiu financiar diversas ações em prol dos direitos sexuais e reprodutivos, formando meninas de 13 a 17 anos, nas comunidades e escolas da região.

Encabeçado por Mikaelle Alline de Melo Cruz e Anna Emanuelly Oliveira Laurindo, a iniciativa surgiu quando as meninas se deram conta de que era preciso ter as mesmas ações designadas às mulheres, às meninas também. "O projeto consiste numa ação inovadora do estado que tem como objetivo formar meninas mobilizadoras para atuarem em suas comunidades com foco não somente nas ações socioeducativas, mas também no exercício do protagonismo infantojuvenil a fim de elaborar estratégias de enfrentamento à violência sexual", explica Mikaelle.

Do começo de 2021 até os dias atuais, Mikaelle compartilha que 25 profissionais e 14 jovens meninas já foram capacitadas para o mercado de trabalho para o programa Jovem Aprendiz , do Centro de Integração Empresa-Escola (Alagoas). Os cursos são ministrados de forma on-line e os jovens participam também de seminários, lives e outros cursos paralelamente.

Vale ressaltar, que em 2020, Alagoas registrou o atendimento de 491 vítimas de violência sexual, 90% do sexo feminino e 33% pertencentes a faixa etária dos 12 aos 17 anos, de acordo com a Rede de Atenção às Vítimas de Violência Sexual (RAVVS). Os dados expressam duas questões importantes: a urgência da formulação de políticas públicas de enfrentamento à violência sexual e as relações que perpassam as questões de gênero, historicamente marcada pela desigualdade entre homens e mulheres.

Publicidade

Mikaelle, à frente da selfie do coletivo Meninas na Rede  Foto: Estadão

Coletivos de Escolas Privadas Dois coletivos feministas de escolas privadas na capital paulista merecem atenção. Um deles é o Eu Não Sou uma Gracinha, criado em 2014 no Colégio Gracinha, no Itaim Bibi, e Vivas, da Escola Carandá Educação, que nasceu em 2015.

Este, nasceu da iniciativa de três amigas que sentiam falta de um espaço para discutir o movimento feminista e pautas relacionadas. Luísa Trevisan, 17 anos, participa há três anos e afirma que apenas em 2018 o nome do coletivo foi estabelecido.

Painel feito por alunas integrantes do coletivo Vivas, da escola Carandá Educação, em São Paulo, com frases e conceitos que precisam ser desconstruídos a respeito da mulher e o machismo que a circunda  Foto: Estadão

"O Vivas foi inspirado no próprio nome da escola e na frase VIVA NOS QUEREMOS, usada durante a mobilização de mulheres contra a violência doméstica que aconteceu na América Latina em março de 2018. Um dia depois da criação do nome, Marielle Franco foi assassinada por motivações políticas, o que reforçou ainda mais o significado da escolha", esclarece Luísa.

Para ela, o coletivo Vivas é um espaço seguro e necessário para discussões, desabafos e estudos. "Abordamos variados temas na tentativa de construir e reforçar nossa identidade, enquanto coletivo fortalecendo ainda mais esses laços," afirma. A estudante conta que os projetos na escola trazem intervenções, exposições de cartazes e toda divulgação é feita na rede social do projeto.

Já o Eu não sou uma Gracinha, foi fruto do desenrolar de um projeto na aula de História em que a pauta "mulheres e seus direitos" veio à tona na discussão em sala. O coletivo, que é uma iniciativa das próprias alunas, surgiu para acolher e abrir espaço de conversa e conscientização sobre as questões femininas dentro do ambiente e combater as ações machistas presentes na rotina escolar.

Publicidade

Julia Zilio, 17 anos, é aluna do último ano do Ensino Médio do Gracinha, participa do coletivo há seis e conta que elas promovem muitas rodas de conversa, debates, palestras com especialistas, ações e intervenções por todo ambiente escolar, além de incentivarem a participação dos próprios pais em alguns momentos.

Meninas do coletivo Eu não sou Gracinha não, em São Paulo Foto: Estadão

Em 2018, fizeram uma petição endereçada à Fundação Universitária para o Vestibular, (FUVEST) pedindo mais livros escritos por mulheres na lista de leituras obrigatórias. "Ainda não conseguimos a mudança, mas hoje temos mais de 9 mil assinaturas na petição", afirma.

Paralelo a isso, na biblioteca da escola, o coletivo criou uma estante feminista chamada Maria Firmina dos Reis, em homenagem à primeira romancista brasileira, cujo espaço conta apenas com obras escritas por mulheres.

E durante a pandemia tiveram alguns desafios extras. "As ações sociais que antes eram feitas de forma presencial precisaram ser repensadas. Ainda assim, arrecadamos mais de 10 mil absorventes no ano passado que foram doados a ONGs da região e redistribuídos para penitenciárias femininas e mulheres em situação de pobreza menstrual", finaliza Julia.

* colaborou Elaine Vale

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.