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Opinião|Confissões na Dutra

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«Após a queima de fogos, meu VW Apollo não pegava nem por decreto.»

 

(Pixabay)  

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Minha companheira era carioca. Ela, eu e três filhos pequenos, fomos passar a virada do ano no Rio. Após a queima de fogos, meu VW Apollo não pegava nem por decreto. O primogênito e eu, ficamos aguardando o guincho. Na manhã seguinte, a seguradora providenciou um táxi fretado. A companheira permaneceu com seus familiares, e nós quatro retornamos a São Paulo.

Na saída da cidade, ao passarmos diante de uma favela, perguntei ao motorista:

«Como será que funciona o esquema de tráfico nessas comunidades cariocas?»

«Posso explicar, o homem falou, inclusive aquela casa no pé do morro é minha, tenho um bar ali, ó.»

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As horas seguintes de via Dutra foram dedicadas à explanação.

«Não mexo com essas coisas, doutor. Mas, como tenho o estabelecimento, não pude negar quando o dono do morro me pediu uma sala.»

«Pra quê? - quis saber.»

«Pra freguesia dele provar a neve.»

O táxi parou num posto. O condutor abriu o porta-malas, deu uma olhadela, e logo voltou. A conversa seguiu.

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«Minha caçula acabou se casando com o filho do dono do morro. O rapaz era vapor, quem sobe e desce os bagulhos, sabe?»

«Era vapor? E hoje é o quê?»

«Presunto, doutor, levou um pipoco.»

Meus filhos começaram a se interessar pelo relato. Pedi que voltassem aos joguinhos de videogame.

«Como falei ao doutor, não mexo com nada disso. O negócio é que virei parça da família, e aí não tinha como não dar uma força. Feito o dia dos armamentos...»

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«Armamentos?»

«Pois é. O pai do meu genro comprou umas caixas de bazuca em Pedro Juan Caballero. E pediu pra camuflar a parada no fundo do meu bar.»

«Entendi.»

Outra entrada em posto de serviços. Mais uma averiguação ligeira no porta-malas. O homem continuou de onde se interrompera:

«Só que, graças a Jesus, logo cataram os armamentos de lá.»

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«Certo...»

«O senhor viu na televisão aquele helicóptero da Polícia que derrubaram?»

«Vi, sim.»

«Foi na frente do meu bar, com uma bazuca do dono do morro.»

«Caramba, passou na Globo, eu assisti! »

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O tiozinho coçou o cocuruto, preocupado.

«Ih, vai ter pit-stop, de novo, naquele posto mais na frente...»

«Por que estamos parando toda hora? Problema no carro?»

Quando encostamos, ele fez um gesto de que queria me mostrar algo. Fui lá fora. Quando abriu o porta-malas, havia um botijão de gás de cozinha ligado a uma mangueira plástica.

«O dono do morro emprestou um dinheiro ao meu cunhado, ele inaugurou na garagem uma instaladora de gás pra táxis. Esse meu carrinho é o primeiro que ele montou o sistema.»

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«Sério?»

«Sim, senhor. E, como o bujão é do meu botequim, ele falou pra ir verificando sempre a pressão. Por ser protótipo, não tamos 100% certos de que chega em São Paulo, que Deus nos livre, sem estourar.»

«Puxa, mas que maravilha, hein?»

«Ah, o doutor gostou, não foi? Depois eu passo o endereço do Russo, e o senhor instala gás no seu Apollo.»

Apesar dos pesares, chegamos sãos e salvos. Antes de voltar, o taxista tirou do bolso um cartão social, um pacotinho, e me entregou:

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«Taí o número do Russo. Ah, e uma provinha da branca. Não mexo com essas coisas, mas vai que o senhor aprecia. Fica com Deus, mermão!»

Opinião por Carlos Castelo

Carlos Castelo. Cronista, compositor e frasista. É ainda sócio fundador do grupo de humor Língua de Trapo.

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