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Salário da mulher no futebol é o mesmo do homem das Séries C e D

Folha salarial dos grandes clubes aponta diferença de cem vezes para jogadoras; média é R$ 2,5 mil

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Foto do author Gonçalo Junior

Os gritos por igualdade salarial que marcaram o título dos Estados Unidos na Copa do Mundo de Futebol Feminino têm eco no Brasil. Por aqui, homens também ganham mais do que mulheres. Nos grandes clubes, eles ganham muito mais mesmo. Enquanto a folha de pagamentos dos gigantes de São Paulo gira entre R$ 10 milhões, os gastos com os times femininos ainda são da ordem de R$ 100 mil. É uma diferença de cem vezes. Portanto, brutal. No caso dos times menores, a remuneração das jogadoras oscila e é compatível com a dos homens das Séries B, C e até D do Brasileiro

De acordo com informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) da Secretaria da Previdência e Trabalho do Ministério da Economia (antigo Ministério do Trabalho), os salários de mulheres são de R$ 2.556,34. No caso dos homens, R$ 5.577,53. Ou seja: os homens ganham 118% a mais. A amostragem é de dez mil profissionais pesquisados, que foram analisados e consolidados pelo site salario.com.br, especializado em pesquisas de remuneração. 

Cristiane, atacante do São Paulo, diz que é preciso investir nas categorias de base do futebol feminino: 'é preciso olhar para aquelas que vão dar continuidade' Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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“Elas têm salários comparados com jogadores da Série B ou até uma série inferior, infelizmente”, diz Thaís Picarte, goleira do Santos e vice-presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de Futebol do Município de São Paulo. “Essa diferença salarial é um absurdo. Pior é que não sei se a gente vai conseguir igualar isso algum dia”, diz Cristiane, do São Paulo. “Lá fora, a situação é a mesma. Dificilmente, você encontra uma atleta que ganhe 15 mil euros ou uns R$ 60 mil”, diz a ex-jogadora do PSG, o mesmo time de Neymar

Questionado pelo Estado sobre a diferença salarial, Marco Aurélio Cunha, coordenador das seleções femininas da CBF, citou jogos recentes que não tiveram cobrança de ingressos do futebol feminino. “São unidades de negócio diferentes. Um é consolidado e lucrativo no País; o outro está em formação e ainda precisa de investimentos. Eles podem ser iguais financeiramente?”, questiona.  O professor Eduardo Carlassara, doutorando da Escola de Educação Física e Esporte da USP, concorda que o modelo de negócio precisa ser repensado. “A diferença de remuneração entre os gêneros está atrelada à procura e ao preço dos ingressos. Na Rio-2016, os ingressos para as competições masculinas eram 33% mais caros do que as femininas. Isso pode influenciar na remuneração”, explica. 

Além dos baixos salários, muitas não têm registro profissional. Entre os 52 clubes que disputam o Brasileiro feminino, menos de 10% assinam a carteira das atletas. Sem registro, a jogadora não tem acessos aos direitos trabalhistas. Pior: não consegue recorrer aos benefícios do INSS quando sofre um contusão grave, por exemplo. “Uma colega ficou nove meses esperando uma ressonância e mais de um ano para conseguir a cirurgia”, conta Thais. 

Thaís Picarte, goleira do Santos e vice-presidente do SIAFMSP Foto: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/Santos FC

Essas dificuldades não se limitam aos clubes menores ou equipes recém-criadas por exigência da CBF, mas atingem as atletas da seleção que permanecem no País. As jogadoras do Corinthians, por exemplo, assinaram um acordo de prestação de serviços com duração de um ano. "Foi uma das nossas escolhas como jogadoras. Perguntaram se nós teríamos interesse, mas disseram que seriam algumas, não seriam todas. O próprio Artur, o técnico, falou que seriam todas ou ninguém. Aos poucos, o clube vai tomando ciência do que é melhor e a gente vai entrar num acordo mais para a frente. No momento, não havia para a gente uma necessidade grande de ter a carteira assinada", diz a zagueira Érika, do Corinthians. 

Marco Aurélio Cunha reconhece a falta de profissionalização no Brasil. “Ainda é uma atividade semiprofissional. Se exigirmos isso (carteira assinada) de todos, não haverá chance de sobrevivência de muitos clubes”, argumenta o dirigente. 

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Érika, do Corinthians, acredita que o futebol feminino tem de aproveitar o momento para evoluir Foto: Bruno Teixeira/Corinthians

Aline Pellegrino, diretora de futebol feminino da Federação Paulista de Futebol (FPF), defende que todas as condições precisam melhorar. “Temos de focar em aumentar o número de campeonatos, principalmente nas categorias de base, e focar na estrutura para os treinamentos e partidas”, afirma.

"Eu não vou brigar pelas mesmas coisas que o masculino tem, mas o mínimo é uma estrutura profissional. Isso é respeito pelo meu trabalho. Para você me cobrar, você precisa me dar condições de trabalho. Não é o que está acontecendo de maneira generalizada", diz Érika. 

TRÊS PERGUNTAS PARA...

Cristiane, atacante do São Paulo e da seleção brasileira

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1. O que é prioridade depois da Copa para o País desenvolver o futebol feminino?  Agora que acabou a fase do oba-oba, quando a Copa do Mundo foi a mais assistida, a gente não pode ficar olhando só para a seleção brasileira adulta. É preciso de um plano mais amplo. A gente precisa olhar para a base, não só da seleção, mas também para os clubes. É preciso olhar para aquelas que vão dar continuidade à modalidade e oferecer uma estrutura de trabalho, como campos de treinamentos, uniformes, equipe profissional. Não é só criar um campeonato e deixar lá. 

2. Após a Copa, você tem dado opiniões mais críticas. Você está se tornando uma porta-voz das meninas?  A nossa voz é importante e precisa ser ouvida. Não podemos deixar passar esse momento. Não são todas as meninas que têm o perfil de se expor e falar. Eu tenho. Eu não faço isso por mim, faço por todas elas. A gente precisa pensar no todo.

3. O que achou da escolha da Pia Sundhage como nova técnica da seleção? Acho que foi uma boa escolha. Agora, ela vai ter uma noção de como são as coisas no futebol feminino do Brasil. Nos anos anteriores, quando disputamos o título, muitas jogadoras vinham perguntar como a gente conseguia chegar às finais sem ter condições de trabalho, sem ter dinheiro e com pouca estrutura. Mesmo que seja chato e repetitivo, a gente não pode mais deixar de falar sobre essas coisas.

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