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Não, governo não editou decreto para dizer ‘quem é o dono da sua propriedade’

Medida que trata da participação social em formulação de políticas públicas foi tirada de contexto nas redes

Por Jorge C. Carrasco
Atualização:

Postagens nas redes sociais distorcem os fatos em torno do Decreto Nº 11.407 para acusar o governo de “decidir quem será o dono da propriedade que você tem”. A medida assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva regula a participação da sociedade civil na formulação de políticas públicas. Não há nenhuma menção ao direito à propriedade. Esta é uma cláusula pétrea da Constituição que não pode ser alterada por decreto. Leitores solicitaram a checagem deste conteúdo pelo WhatsApp do Estadão Verifica, 11 97683-7490.

“Saiu no Diário Oficial hoje que o governo vai decidir quem é o dono da propriedade do que você tem. Chama-se decreto de ‘participação social’. Isto foi um decreto assinado hoje. Foi assim que começou na Venezuela”, diz a mensagem que viralizou.

Direito à propriedade é garantido na Constituição; decreto não menciona propriedade nenhuma vez.  Foto: Reprodução

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Publicado no dia 31 de janeiro de 2023 no Diário Oficial da União, o Decreto Nº 11.407 institui o Sistema de Participação Social. Ele tem como objetivo “estruturar, coordenar e articular as relações do governo federal com os diferentes segmentos da sociedade civil na aplicação das políticas públicas”.

Como explica o professor de direito constitucional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Santa Catarina, Rodrigo Sartoti, este decreto permite que os segmentos da sociedade civil organizada possam opinar e sugerir ações governamentais. Ele acredita que o decreto presidencial atende ao princípio democrático previsto no parágrafo único do art. 1º da Constituição da República.

O Decreto Nº 11.407 visa articular a participação social na formulação e execução das políticas públicas.  Foto: Casa Civil/Reprodução

“Esse dispositivo da Constituição, que diz que ‘todo poder emana do povo’, garante que a democracia será exercida no Brasil não apenas por meio do voto, mas também de modo direto, e uma das formas diretas são justamente os mecanismos de participação popular,” explicou Sartoti ao Estadão Verifica.

Ele lembra que os espaços de participação social não são uma novidade do governo Lula. Em 1937, por exemplo, foi criado o Conselho Nacional de Saúde. Representantes de segmentos sociais discutem e deliberam políticas do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Acredito que esse novo Sistema vá afetar positivamente a relação entre sociedade e Estado, pois é como se o governo federal, por meio do Presidente da República, estivesse dizendo à população que quer ouvi-la,” diz Sartoti. “Vale lembrar que, nos últimos anos, têm sido cada vez mais recorrentes as reivindicações populares nas ruas. Parece-me que esse novo sistema é uma forma de ouvir essas pessoas e movimentos,” completou ele.

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Direito à propriedade e sua função social

O advogado ressalta que não é possível remover ou alterar o direito à propriedade por meio de um decreto porque ela é uma cláusula pétrea da Constituição. Mas a Carta Magna também diz que a propriedade deve cumprir uma função social.

“A função social da propriedade urbana é definida no plano diretor de cada cidade e nos termos da Lei 10.2572001, que instituiu o Estatuto da Cidade. Já a propriedade rural tem sua função social quando atende aos requisitos do art. 186 da Constituição, como, por exemplo, o uso adequado do solo e o respeito aos direitos trabalhistas”, explica Sartoti. Assim, uma pessoa somente pode perder a sua propriedade após um procedimento legal caso ela não esteja cumprindo a função social.

“Esse novo Decreto sobre participação social, no entanto, nada diz sobre a propriedade privada”, ressalta o advogado. “E nem poderia, pois isso não é da competência do Presidente da República.”

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CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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