Entenda as diferenças entre as reuniões com embaixadores feitas por Dilma e Bolsonaro

Postagens nas redes resgataram notícia de 2016 sobre encontro organizado por petista na época do impeachment; publicações fazem comparação com julgamento do TSE que deixou ex-presidente inelegível

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Por Gabriel Belic
Atualização:

Nos últimos dias, diversas postagens nas redes sociais resgataram uma notícia de 2016, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, sobre uma reunião da então presidente Dilma Rousseff (PT) com embaixadores estrangeiros em evento contrário ao processo de impeachment que acontecia naquela época. As publicações recentes fazem comparações com o julgamento que tornou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível — ele se reuniu com embaixadores para espalhar informações falsas sobre o sistema eleitoral.

Por que Dilma não teve seus direitos políticos suspensos? Por que Bolsonaro ficou inelegível? O Estadão Verifica responde os principais questionamentos encontrados nas redes sociais e explica o que levou à inelegibilidade do ex-presidente e como foi a votação pela cassação do mandato de Dilma.

O que ocorreu na reunião de Dilma com embaixadores estrangeiros em 2016?

No dia 22 de março de 2016, conforme noticiado pela Folha, Dilma Rousseff havia convidado cerca de 150 embaixadores estrangeiros para o evento “Encontro com Juristas pela Legalidade da Democracia”, que ocorreu em Brasília. A reunião era um encontro com advogados e juristas contrários ao impeachment – o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, por exemplo, marcou presença.

Presidente Dilma Rousseff durante encontro com Juristas pela Legalidade e em Defesa da Democracia no Palácio do Planalto em Brasília. Foto: DIDA SAMPAIO / ESTADÃO / ESTADAO CONTEUDO

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À época, o Planalto foi questionado sobre a justificativa de convidar todos os embaixadores para um evento em apoio à presidente, mas afirmou que não iria se pronunciar. Como mostrou o jornal, a lista de confirmação de presença contava com 28 embaixadores ou encarregados de negócios, como, por exemplo, os da Itália, do Reino Unido, da Bolívia, do Equador, de Cuba e da Rússia.

Em discurso durante o evento, Dilma disse que o que estava em curso era “um golpe contra a democracia”. “Aqueles que pedem a minha renúncia mostram a fragilidade da sua convicção sobre o processo de impeachment”, declarou. O pronunciamento na íntegra está disponível na Biblioteca da Presidência.

O que ocorreu na reunião de Bolsonaro com embaixadores estrangeiros em 2022?

No dia 18 de julho de 2022, Bolsonaro se reuniu com 70 embaixadores estrangeiros no Palácio do Alvorada. Durante o pronunciamento, o ex-chefe do Executivo fez uma apresentação de PowerPoint com informações falsas sobre o sistema eleitoral e ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) reuniu embaixadores estrangeiros para disseminar dúvidas e informações inconsistentes sobre as urnas eletrônicas. Foto: TV Brasil

Durante o evento, Bolsonaro disse que o sistema eleitoral é “completamente vulnerável” e fez alegações falsas, que já foram refutadas diversas vezes pela Justiça Eleitoral e por agências de checagem (veja todas as checagens do Estadão Verifica sobre urnas eletrônicas). Durante o pronunciamento, Bolsonaro disse ainda que hackers ficaram por oito meses dentro dos computadores do TSE e tiveram acesso a uma senha de um ministro da Corte, o que não é verdade.

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Bolsonaro se referia ao inquérito da Polícia Federal, aberto em 2018, para apurar uma denúncia de invasão do sistema interno do TSE. O Tribunal já afirmou, em nota, que o acesso indevido não representou qualquer risco à integridade das eleições de 2018, que ocorreram sem indícios de fraude. O Estadão Verifica e o projeto Comprova desmentiram boatos de que o inquérito teria revelado uma suposta irregularidade no processo eleitoral.

Qual a diferença entre as duas reuniões?

O cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) Guilherme Casarões afirma que existe uma diferença explícita entre os dois casos. Segundo ele, em 2016, Dilma não estava falando de eleições, tampouco estava utilizando a máquina pública para impugnar o resultado eleitoral. O encontro foi realizado para explicar sua perspectiva pessoal sobre a situação do impeachment. “O que a Dilma fez foi um exercício da sua prerrogativa de presidente da República. O que Bolsonaro fez, no contexto das eleições de 2022, foi entendido (pelo TSE) como abuso de poder político já no contexto eleitoral”, afirma.

Segundo o especialista em direito eleitoral Alberto Rollo, o encontro promovido por Dilma na época do impeachment não teve finalidade eleitoral. Em relação à reunião de Bolsonaro, a Corte Eleitoral teve um entendimento diferente. “O TSE entendeu que a reunião, além de tratar de temas eleitorais, também foi feita com vistas à eleição, porque foi transmitida pela TV Brasil e com trechos utilizados nas redes sociais de Bolsonaro”, explica.

Por que Dilma não teve seus direitos políticos suspensos?

No dia 31 de agosto de 2016, o Senado Federal votou, por 61 votos a 20, pela cassação do mandato de Dilma Rousseff por crime de responsabilidade. Em uma segunda votação, Dilma manteve seus direitos políticos.

A votação foi dividida porque senadores aliados a Dilma apresentaram destaque no Plenário, solicitando que o impeachment e a inabilitação para funções públicas fossem votadas em duas etapas. Quem acatou o pedido foi o então presidente da sessão e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski.

A presidente afastada Dilma Rousseff, no plenário do Senado, durante sua defesa no processo de impeachment, no Senado Federal, em Brasília. Foto: Dida Sampaio

Para que Dilma ficasse inelegível, dois terços do Senado precisariam votar por sua inabilitação, ou seja, pelo menos 54 votos. No entanto, a Casa formou um placar de 42 a 36, sendo que 42 votaram pela suspensão de direitos, 36 foram favoráveis à manutenção, enquanto 3 senadores se abstiveram.

O processo de impeachment começou por meio de uma denúncia apresentada pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. A acusação feita contra a ex-presidente era de que ela cometeu crime de responsabilidade quando editou três decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional e atrasou o repasse de recursos do Tesouro a bancos públicos para pagamento de programas sociais.

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Por que Bolsonaro ficou inelegível?

Diferentemente do que aconteceu com Dilma, a decisão pela inelegibilidade de Bolsonaro não ocorreu por meio do Senado Federal, e sim pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Isso se deve ao fato de que a Corte Eleitoral é a responsável pelo julgamento de processos relacionados às eleições federais.

A ação chegou à Corte Eleitoral em agosto do ano passado pelo PDT, partido do ex-presidenciável Ciro Gomes. Como argumento, a sigla afirmou que o ex-presidente usou o cargo e a estrutura do governo para espalhar desinformação sobre o processo eleitoral e para fazer campanha.

Como mostrou o Estadão, a legislação eleitoral proíbe o uso da máquina pública e da estrutura do governo em benefício dos candidatos que buscam a reeleição. Dessa forma, o abuso de poder político ocorre quando um candidato utiliza seu cargo para influenciar os eleitores.

No dia 30 de junho, o TSE declarou Bolsonaro inelegível até 2030. A Corte formou um placar de 5 votos a 2 para enquadrar o ex-chefe de Estado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Os votos favoráveis a Bolsonaro partiram dos ministros Kassio Nunes Marques, indicado pelo ex-chefe de Estado ao STF, e Raul Araújo.

O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e o ministro Benedito Gonçalves, durante julgamento de ação que tornou Jair Bolsonaro inelegível. Foto: WILTON JUNIOR / ESTADAO CONTEUDO

Qual a diferença entre cassação, perda e suspensão de direitos políticos?

A cassação de direitos políticos não existe mais no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com o artigo 15 da Constituição Federal, a cassação de direitos políticos é vedada. Casarões afirma que a cassação era comum durante períodos de ditadura militar, quando o governo suspendia permanentemente os direitos políticos de qualquer indivíduo.

Ainda que a cassação de direitos políticos não exista mais, a perda e a suspensão de tais direitos ainda são possíveis no País. A perda se refere a um prazo indeterminado, enquanto a suspensão tem um prazo de validade. Rollo explica que a perda de direitos políticos ocorre, por exemplo, quando um indivíduo utiliza documentos falsos para se naturalizar brasileiro.

Por fim, a suspensão de direitos políticos ocorre, de acordo com a Constituição, quando há a incapacidade civil absoluta, condenação criminal transitada em julgado – enquanto durarem seus efeitos – e improbidade administrativa, sendo este último caso o que levou à inelegibilidade de Bolsonaro.

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O advogado Alberto Rollo ressalta que, no caso de Dilma, o Senado não votou somente por sua inelegibilidade, e sim pela inabilitação da ex-presidente. Conforme a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, a inabilitação se refere ao exercício de qualquer função pública. No caso de Bolsonaro, o TSE julgou sua inelegibilidade – sendo assim, o ex-presidente fica impedido de concorrer as eleições até 2030.

Assim, o especialista em direito eleitoral explica que os cenários que julgaram Dilma e Bolsonaro são distintos. “O processo de impeachment, cuja competência é do Congresso – a Câmara recebe e o Senado julga –, é diferente da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) de Bolsonaro, de competência da Justiça Eleitoral”, afirma.

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