Retratação de artigo da 'Lancet' é de junho de 2020; desde então, vários estudos comprovaram ineficácia da cloroquina contra covid-19

Texto que viralizou nas redes sociais tira de contexto fato ocorrido no ano passado

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Por Tiago Aguiar
Atualização:

Um texto que viralizou nas redes sociais tira de contexto a retratação de um estudo na revista científica Lancet, que indicava que a cloroquina aumentava o risco de morte e arritimia cardíaca em pacientes da covid-19. Diferentemente do que um artigo do site Tribuna Nacional sugere, a pesquisa foi retirada em junho de 2020, e não recentemente. Além disso, várias outros estudos posteriores comprovaram que o medicamento não é eficaz contra o novo coronavírus e pode trazer riscos aos pacientes infectados.

O texto analisado copia trechos de uma notícia publicada em 4 de junho de 2020 no site da Agência Brasil, cuja manchete é "Revista inglesa retira publicação de estudo que invalidava cloroquina". A pesquisa mencionada havia sido publicada em 22 de maio na Lancet. Posteriormente, inconsistências nas bases de dados utilizadas foram questionadas por especialistas. Por isso, o estudo foi removido da revista científica, que publicou uma retratação.

 Foto: Estadão

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Três dos quatro autores do estudo se retrataram: Mandeep Mehra, Frank Ruschitza e Amit Patel. Eles afirmam que lançaram uma revisão independente "para avaliar a origem dos elementos da base de dados, para confirmar que estavam completos e também para replicar as análises apresentadas no estudo". Em seguida, declararam que após essa análise não poderiam mais "garantir a veracidade das fontes de dados primárias."

"Todos nós entramos nessa colaboração para contribuir de boa fé e em um momento de grande necessidade durante a pandemia de covid-19. Lamentamos profundamente a vocês, editores e leitores da revista por qualquer constrangimento ou inconveniência que isso possa ter causado", foi a expressão usada pelo trio na retratação.

A professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) Marcia Furquim de Almeida, editora científica da Revista Brasileira de Epidemiologia, disse em entrevista ao Nexo sobre o caso que "como a Lancet foi questionada, ela rapidamente falou que iria fazer uma investigação. Faz parte da ética de publicação, quando tem qualquer problema com os dados, fazer o que se chama de retratação".

O estudo também não tinha sido feito a partir de um ensaio clínico controlado, randomizado e duplo-cego. Esse é o tipo de estudo considerado o melhor padrão para guiar a prática clínica, pois, como nem os pesquisadores e nem os pacientes sabem quem faz parte do grupo de placebo, o risco de vieses (por exemplo, selecionar pacientes mais ou menos graves para determinado grupo) é reduzido. Os exemplos citados a seguir foram feitos com esse método.

Outros estudos também apontam riscos da cloroquina

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Desde junho do ano passado, diversos ensaios clínicos com a cloroquina foram concluídos, e todos apontaram que a droga é ineficaz no tratamento da covid-19. Um artigo publicado no New England Journal of Medicine (com colaboração de brasileiros) e outro na Annals of Internal Medicine mostraram que o medicamento não é capaz de reduzir o número de internações em casos leves ou moderados da doença. Outra pesquisa, também publicada no New England Journal of Medicine, mostrou que a droga também não é eficaz como medida preventiva contra o novo coronavírus.

Uma pesquisa com colaboração nacional, realizada por meio da Coalizão Covid-19 -- que reúne hospitais e institutos de pesquisa do País -- apresentou resultados que também não apontaram eficácia da hidroxicloroquina e azitromicina como tratamento precoce. O estudo também verificou ainda que, no grupo de pacientes que fez uso dos medicamentos, foram mais frequentes alterações nos exames de eletrocardiograma e de sangue, que representam maior risco de arritmia cardíaca e lesões no fígado.

A Agência Lupa fez nesta semana uma checagem de uma versão parecida do boato.

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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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