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Equador: capacidade destrutiva do narcotráfico ressalta alertas; leia coluna de Lourival Sant’Anna

Em apenas três anos, o Equador involuiu de um dos países mais seguros da região para um dos mais violentos

colunista convidado
Foto do author Lourival Sant'Anna
Por Lourival Sant'Anna

Nos últimos cinco meses, o crime organizado assombrou duas vezes o Equador, com o propósito de projetar poder e intimidar as autoridades do país. Em apenas três anos, o Equador involuiu de um dos países mais seguros da região para um dos mais violentos. A transformação é reveladora da capacidade destrutiva do narcotráfico e repleta de lições e alertas para a América Latina.

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No dia 9 de agosto, o deputado e jornalista Fernando Villavicencio, candidato a presidente, foi morto com três tiros na cabeça quando saía de um comício. Na semana anterior, o chefe do grupo mafioso Los Choneros, Adolfo Macías, conhecido como Fito, o havia ameaçado de morte.

Villavicencio prometia combater o crime organizado com vigor, e denunciava supostos vínculos entre Los Choneros, o cartel mexicano da droga Sinaloa e o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), condenado por corrupção e exilado na Bélgica.

Um militar revista duas pessoas no sul de Quito, no Equador, após o ataque de narcotraficantes a diversas cidades do país na terça-feira, 9  Foto: Dolores Ochoa / AP

Em 2019, Villavicencio publicou uma reportagem no site Mil Hojas, intitulada: “Odebrecht e outras multinacionais puseram presidente no Equador”. Ele presidia a Comissão de Justiça e Direitos Humanos da Câmara.

O assassinato ocorreu apenas 11 dias antes do primeiro turno da eleição. No mês anterior, o prefeito da cidade portuária de Manta também havia sido morto.

O assassino de Villavicencio, um pistoleiro colombiano de 18 anos recém-chegado de Cali, foi morto no local do crime. No dia 6 de outubro, os seis colombianos e o equatoriano presos por envolvimento no assassinato foram enforcados em suas celas em Guayaquil e Quito, respectivamente.

No dia 4, a procuradora-geral do Equador, Diana Salazar, declarou estar sob ameaça de morte pelos mandantes do assassinato de Villavicencio. O presidente Daniel Noboa mandou transferir três chefes da organização mafiosa Los Lobos, rival dos Choneros, para o presídio de segurança máxima de La Roca, em Guayaquil. Três dias depois, no domingo, Fito fugiu do presídio La Regional, na mesma cidade, controlado pelo seu grupo, Los Choneros.

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O presidente do Equador, Daniel Noboa (a direita), visita o canal TC Television, que foi atacado por narcotraficantes em Guayaquil, na terça-feira, 9  Foto: César Muñoz / AP

Os Lobos acusaram o governo de estar a favor dos Choneros e contra o seu grupo. Seguiu-se uma série de ataques, incluindo a tomada de carcereiros e policiais como reféns, e a invasão do canal de TV TC, em Guayaquil, que transmitiu a ação ao vivo. “Isto é para que saibam que não devem brincar com a máfia”, disse um dos dez homens encapuzados. Todos acabaram dominados pela polícia.

Noboa decretou estado de emergência e de conflito interno. O presidente advertiu: “Nós consideraremos juízes e procuradores que apoiem líderes identificados com esses grupos também como parte do grupo terrorista”.

Segundo ele, nos dois últimos governos, Fito entrava e saía da prisão. Ia ser transferido para uma prisão de segurança máxima no fim de semana, e fugiu. A inferência é de que ele era avisado e sua fuga, facilitada, antes de transferências como essa.

Logo depois do assassinato de Villavicencio, o líder dos Choneros foi transferido para uma ala de segurança máxima do La Regional. Em menos de um mês, voltou para a ala menos segura.

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A invasão da emissora de TV foi executada, segundo a polícia, por integrantes de um terceiro grupo, Los Tiguerones, que atua em parceria com Los Lobos em algumas áreas. Ainda segundo a polícia, 36% das extorsões são feitas pelos Tiguerones, enquanto Choneros e Lobos respondem por 14% cada.

Famílias e pequenas empresas são obrigadas a pagar de US$ 2 a US$ 10 por semana; transportadores de água potável, entre US$ 2 e US$ 5 por dia; caminhões que distribuem produtos, US$ 150 por mês.

Lobos e Tiguerones surgiram em 2021 como dissidências dos Choneros. São aliados do cartel mexicano Jalisco Nueva Generación, rival do Sinaloa.

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Soldados equatorianos patrulham as ruas de Quito em um tanque na terça-feira, 9  Foto: Galo Paguay/AFP

O Equador foi um dos países mais castigados pela pandemia. Os hospitais entraram em colapso. Muitas pessoas morreram nos braços de familiares que não encontraram vagas para elas. Não havia nem onde enterrar os mortos, e corpos foram deixados nas ruas.

Foi precisamente a partir daí que o crime organizado se alastrou pelo país. Entre 2021 e 2022, os assassinatos por 100 mil habitantes quase duplicaram, de 14 para 27. Dessas mortes, 90% têm ligação com as disputas entre as máfias pelo controle dos corredores de escoamento da droga da Colômbia para os portos equatorianos, e de zonas de influência para extorsão, sequestro e outros crimes.

Além dos problemas sociais, o Equador, localizado entre Colômbia, Peru e Bolívia, os três maiores produtores de cocaína, é vítima da geografia. Tudo isso traz duas lições. É muito mais difícil retomar o controle do que evitar perdê-lo. O crime organizado é um problema transnacional, e é responsabilidade do Brasil e de outros países da região cooperar com o Equador e entre si para enfrentar essa ameaça comum.

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