DUBAI — Nos meses após Donald Trump ser empossado, a Arábia Saudita tem se encontrado no centro de algumas das mais ambiciosas metas geopolíticas e de política externa do presidente americano, incluindo ao sediar conversas entre autoridades dos Estados Unidos e da Rússia e facilitar negociações para um cessar-fogo e um lucrativo acordo de exploração de minerais na Ucrânia.
Trump escolheu o reino — cujo líder de facto, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, é um aliado próximo — para desempenhar um papel de mediador amigável, mas neutro, ao mesmo tempo que vem tentando redefinir as relações dos EUA com a Rússia e obter acesso às reservas ucranianas de minerais, petróleo e gás. Na terça-feira, o presidente americano anunciou que visitará a Arábia Saudita no próximo mês, em sua primeira viagem ao exterior no segundo mandato — uma visita que, segundo Trump, incluirá a conclusão de um acordo segundo o qual Riad investirá mais de US$ 1 trilhão na economia dos EUA.
“Tenho um relacionamento muito bom com Mohammed e o rei”, disse Trump a repórteres no Salão Oval, esta semana, referindo-se ao pai de Mohammed, o rei Salman, de 89 anos, que transmitiu o poder ao filho ao torná-lo seu sucessor. Trump descreveu sua visita anterior ao reino como “um dia incrível” e disse que voltaria agora para criar “quantidades tremendas de empregos” nos EUA.

A iniciativa de Trump de incumbir a Arábia Saudita de ajudar a mediar negociações importantes decorre em parte dos laços de Mohammed com o presidente russo, Vladimir Putin, mas também promete ressuscitar o relacionamento que o presidente americano e o príncipe saudita cultivaram durante o primeiro mandato de Trump.
Tanto Trump quanto Mohammed têm promovido um estilo de diplomacia mais transacional, fiando-se menos em princípios ou alianças e, em vez disso, usando acordos comerciais e de investimentos multibilionários para consolidar as relações com outras nações. Trump protegeu Mohammed de escrutínios depois que a CIA concluiu que o príncipe herdeiro ordenou o assassinato do jornalista e colunista colaborador do Washington Post Jamal Khashoggi, em 2018. Posteriormente, um fundo público liderado por Mohammed investiu US$ 2 bilhões na firma de investimentos de Jared Kushner, genro de Trump.
Quando fala sobre alcançar um acordo de normalização de relações entre Israel e a Arábia Saudita — um esforço que esteve em andamento em seu primeiro mandato, mas agora está suspenso por causa da guerra em Gaza — Trump enfatiza o que afirma ser a prosperidade econômica que tal acordo ocasionaria no Oriente Médio.
“Ao se tornar presidente novamente, Trump de fato colocou a Arábia Saudita no centro da coisa”, afirmou Neil Quilliam, membro associado da Chatham House, um centro de pesquisa em relações exteriores sediado no Reino Unido. Quilliam disse que o reino já se beneficiou muito da segunda presidência de Trump, mas que a ambição do príncipe herdeiro de projetar poder globalmente está em prática há muito tempo.
Salman nomeou Mohammed — que atuava como ministro da Defesa — príncipe herdeiro em 2017, e o sucessor consolidou seu poder quase imediatamente. Desde então, Mohammed tem afirmado que pretende reformular a economia saudita e afastá-la da dependência da receita das exportações de petróleo, ao mesmo tempo que vem abrindo o país para investimentos estrangeiros e acelerando mudanças sociais.

A Arábia Saudita tem a segunda maior reserva comprovada de petróleo do mundo, e Mohammed usa sua posição para promover “megaprojetos”, incluindo planos para uma metrópole “vertical” que funcionaria com energia limpa, ao mesmo tempo que corteja federações esportivas e recebe conferências econômicas e políticas de alto nível.
Mohammed manteve as relações com Putin apesar dos esforços dos EUA para transformar em pária o líder russo e, finalmente, ajudou a facilitar trocas de prisioneiros de alto nível entre Washington e Moscou. Após um período inicial de confrontações, Mohammed também assinou um acordo com o Irã, o arquirrival da Arábia Saudita.
Dentro do reino, os apoiadores da monarquia consideram sua aceitação por parte do governo Trump uma validação da visão do príncipe herdeiro de modernizar o país e reivindicar poder de forma mais ampla.
“É esta a recompensa; estamos colhendo as recompensas do realinhamento de nossa política externa”, afirmou o editor-chefe do jornal saudita Arab News, Faisal Abbas. Ele disse que após Trump ser reeleito muitos na Arábia Saudita acreditaram que “as estrelas se alinharam” em favor do reino.
“Agora, a Arábia Saudita pode desempenhar seu papel legítimo de principal autoridade muçulmana e árabe na região”, disse Abbas. Lar das cidades que testemunharam o nascimento do islamismo — Meca e Medina — o reino usou sua tutela sobre os locais sagrados para obter uma influência única dentro da comunidade muçulmana global.
Mudanças regionais também favoreceram o reino. Centros tradicionais de poder no Oriente Médio, como Egito, Síria e Iraque, foram enfraquecidos por anos de turbulência e declínio econômico. Essas mudanças abriram vácuos de liderança que a Arábia Saudita fica feliz em preencher, segundo o ex-diplomata americano Dennis Ross, atualmente analista do Washington Institute for Near East Policy, um centro de pesquisas sediado em Washington.
Ross disse que Mohammed aproveitou as mudanças regionais e se ajustou após os erros no passado. “Quanto mais tempo passa no cargo, ele fica mais pensativo e mais sistemático em termos de tomada de decisão”, afirmou o analista. “É algo que não vimos necessariamente quando ele assumiu. Ele tendia a ser mais impulsivo”, disse Ross.
A Arábia Saudita, no entanto, continua profundamente autocrática, e muitos dos dissidentes perseguidos por suas campanhas de repressão ainda estão presos. No ano passado, o governo saudita executou 345 pessoas, o maior número em décadas, de acordo com uma contagem compilada pelo grupo de direitos humanos Reprieve.
Abdullah Alaoudh, diretor-sênior de combate ao autoritarismo no Middle East Democracy Center, em Washington, critica explicitamente a monarquia. De acordo com o analista, o fato do governo Trump aceitar e apoiar a Arábia Saudita é um exemplo da riqueza e do poder sobrepujando os direitos humanos. “Não é uma mudança de sentimento, é Mohammed enfrentando a tempestade”, disse Alaoudh, referindo-se ao uso contínuo de linhas duras que o príncipe herdeiro aplica internamente para manter seu poder.
“Quando você tem tanto poder e dinheiro, as pessoas vêm conversar com você”, afirmou o analista, acrescentando que até mesmo o ex-presidente Joe Biden, que prometeu tornar a Arábia Saudita um “pária” após o assassinato de Khashoggi, acabou visitando o país em 2022. Logo após essa visita, disse Alaoudh, Mohammed lançou novas ondas de repressão contra dissidentes, algo a que o analista disse que estará atento após a visita de Trump, em maio.
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O acadêmico saudita Hatem Alzahrani, afiliado ao Middle East Institute, disse que os sauditas que apoiam a monarquia recebem “com cautela” críticas externas ao reino, especialmente de presidentes dos EUA. “Nós sabemos que a política americana é um teatro.”
Alzahrani afirmou esperar que agora as pessoas sejam ainda menos propensas a dar ouvidos a críticas externas. “Muitos sauditas desenvolveram imunidade à influência da mídia ocidental”, disse ele. O acadêmico acrescentou que o clima entre os apoiadores da monarquia é de “uma forte sensação de nacionalismo”.
Mas a região em que a Arábia Saudita se situa é atualmente muito mais volátil do que era alguns anos atrás, e não está claro se os conflitos em torno do reino atrapalham os planos de Mohammed.
Enquanto as negociações de paz sobre a Ucrânia continuam, em Jeddah, conflitos mais próximos ao reino vêm se expandindo. Ataques pesados de Israel em Gaza após o colapso do acordo de cessar-fogo mataram centenas de palestinos. No Iêmen, os EUA continuaram a bombardear alvos que disseram estar ligados aos houthis apoiados pelo Irã. E Trump ameaça repetidamente o Irã com força militar caso Teerã não concorde com um pacto sobre seu programa nuclear.
Em seus moldes atuais, os conflitos na região — em Gaza, no Iêmen, na Síria e no Líbano — são “irritantes” para as ambições da Arábia Saudita, segundo Hussein Ibish, acadêmico sênior do Arab Gulf States Institute, em Washington. “Apesar de todas as vitórias recentes, a situação continua perigosa”, disse ele, acrescentando que as ameaças de Trump de atacar o Irã podem provocar uma reação contra o reino ou desestabilizar ainda mais a região. “A coisa pode crescer, o que deixaria os sauditas em uma posição muito vulnerável”, afirmou ele. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO