De olho na China, Biden aproxima Japão e Coreia do Sul

O presidente receberá os líderes das duas democracias asiáticas em Camp David, já que a invasão russa da Ucrânia os estimula a consertar rapidamente as relações.

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Por Ben Dooley e Choe Sang-Hun
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Com as ameaças crescendo na Ásia, os líderes dos Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul se reunirão em Camp David na sexta-feira, 18, dando um grande passo em direção a uma parceria militar e econômica que seria quase inconcebível antes da invasão russa da Ucrânia.

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Enquanto os Estados Unidos tentam enfrentar os desafios da China e da Coreia do Norte, um dos principais obstáculos tem sido o relacionamento tenso e às vezes francamente hostil entre o Japão e a Coreia do Sul, os dois aliados mais importantes de Washington na região.

Agora, Tóquio e Seul estão tentando superar rapidamente as desavenças históricas por conta do cenário da guerra na Ucrânia, que destaca as vulnerabilidades dos dois países em uma região dominada pela China,

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, e o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol durante a cúpula do G-7, que foi realizada em Hiroshima, Japão, em maio  Foto: Kenny Holston/NYT

O presidente americano, Joe Biden espera contribuir para melhorar as relações entre os países ao receber o primeiro-ministro Fumio Kishida, do Japão, e o presidente Yoon Suk Yeol, da Coréia do Sul, no retiro presidencial de Maryland. Será a primeira vez que os líderes das três nações se encontrarão fora do contexto de uma cúpula maior, bem como a primeira vez que Biden convidará líderes mundiais para Camp David.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou esta semana que a reunião daria aos três chefes de estado a chance de falar sobre medidas concretas para manter a paz e a estabilidade regional.

Isso é discurso diplomático para “a necessidade de uma resposta aos desafios vindos da China”, apontou Tetsuo Kotani, pesquisador sênior do Instituto Japonês de Relações Internacionais.

Rússia

O analista avalia que a invasão russa a Ucrânia contribuiu para a escalada das ameaças de Pequim de fazer o mesmo com Taiwan. Também levantou preocupações sobre o crescente alinhamento entre China, Rússia e Coreia do Norte, todas potências nucleares.

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O surgimento do que o líder norte-coreano, Kim Jong-un, chamou de “neo-Guerra Fria” em torno da península coreana foi posto em prática no mês passado. O ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, e Li Hongzhong, membro do Partido Comunista Chinês, estiveram com Kim em Pyongyang durante um desfile militar apresentando os mísseis com capacidade nuclear que a Coreia do Norte desenvolveu para se opor aos Estados Unidos e o Conselho de Segurança da ONU.

Exercícios conjuntos entre Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul foram seguidos por exercícios militares entre China e Rússia em águas próximas.

O ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, comparece a uma reunião com o líder supremo da Coreia do Norte, Kim Jung-un  Foto: Agência de notícias da Coreia do Norte/Reuters

A crescente sensação de ameaça fez com que Japão e Coreia do Sul deixassem as diferenças de lado para estreitarem a parceria conjunta com os Estados Unidos, que já reconheceu que precisa de aliados para se contrapor a China.

“A situação em nossa parte do mundo está ficando muito, muito pior do que muitos esperavam”, afirmou Kunihiko Miyake, diretor de pesquisa do Canon Institute of Global Studies.

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A reunião em Camp David será uma oportunidade para consolidar e institucionalizar o progresso que Washington, Seul e Tóquio fizeram no ano passado ao estreitar suas relações, segundo autoridades dos três países.

Esforços

Os esforços de Yoon para melhorar os laços com o Japão despertaram oposição de uma parcela do público sul-coreano antes das eleições legislativas, que estão marcadas para abril. O primeiro-ministro japonês também está enfraquecido politicamente. Ambas as nações asiáticas temem que as promessas de cooperação dos EUA possam ser desfeitas se o ex-presidente americano Donald Trump voltar a Casa Branca no ano que vem.

Pensando nisso, um dos principais objetivos do encontro é inserir mecanismos de cooperação “no DNA” dos três governos e “criar um novo normal” que será difícil de reverter, segundo Rahm Emanuel, embaixador dos Estados Unidos no Japão.

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Kim Tae-hyo, vice-conselheiro de segurança nacional do presidente da Coreia do Sul, afirmou que o governo sul-coreano esperava que a cúpula “estabelecesse uma estrutura chave de cooperação trilateral”.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tenta alavancar uma grande parceria com o primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, e o presidente da Coreia do Sul, Yoon Sul Yeol  Foto: Susan Walsh/ AP

A manifestação mais visível provavelmente será a promessa de realizar uma reunião anual entre os três líderes dos países. De forma mais prática, espera-se que as autoridades anunciem cooperação ampliada não apenas em exercícios militares conjuntos, mas também com o compartilhamento de informações militares e em setores como inteligência artificial, cadeias de suprimentos e segurança cibernética e econômica.

Os três chefes de Estado também discutirão medidas concretas para impedir as ameaças nucleares e de mísseis da Coreia do Norte, destacou Kim Tae-hyo.

Desde que assumiu o cargo no ano passado, Yoon enfatizou a melhoria dos laços com o Japão e o alinhamento mais próximo da Coreia do Sul com Washington e Tóquio no confronto com China, Rússia e Coreia do Norte.

Cooperação

Em um discurso na terça-feira, 15, marcando o aniversário da libertação da Coreia do Japão no final da Segunda Guerra Mundial, Yoon evitou discutir as queixas históricas de seu país com Tóquio, enfatizando, em vez disso, os benefícios da parceria.

A cúpula de Camp David, disse ele, “estabelecerá um novo marco na cooperação trilateral, contribuindo para a paz e a prosperidade na península coreana e na região do Indo-Pacífico”.

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Os dois países possuem diferenças históricas por conta da ocupação japonesa do território coreano que durou de 1910 até 1945. Segundo estimativas, 150 mil coreanos foram forçados a trabalhar em fábricas e minas japonesas durante os anos do conflito.

Sob a gestão de Yoon, a Coreia do Sul restaurou e expandiu exercícios militares conjuntos com os Estados Unidos e juntou exercícios com os Washington e Tóquio para rastrear e interceptar mísseis da Coreia do Norte.

Protestos contra exercícios militares entre Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos ocorreram em Seul, Coreia do SUl  Foto: Lee Jin-man / AP

China

Segundo Wu Xinbo, reitor da Universidade Fudan, em Xangai, a China pode buscar o seu próprio encontro com Tóquio e Seul em resposta à cúpula de Camp David. Mas, acrescentou, que se houver “ações substantivas desfavoráveis à China”, Pequim pode adotar uma “resposta relativamente dura”.

O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, alertou o Japão e a Coreia do Sul no mês passado contra um alinhamento muito próximo aos Estados Unidos. “Não importa o quão amarelo você pinte seu cabelo, ou quão pontudo você faça seu nariz, você nunca se tornará um europeu ou americano, você nunca se tornará um ocidental”, disse Wang.

Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, alertou os três países contra a formação de “panelinhas”, acrescentando que Pequim “se opõe à prática de intensificar o confronto e prejudicar a segurança estratégica de outros países”.

A possibilidade de retaliação econômica por parte de Pequim é uma séria preocupação tanto para a Coreia do Sul quanto para o Japão, que consideram a China seu maior parceiro comercial.

Ambas as nações “estão desconfortáveis com a ideia de uma nova Guerra Fria, uma guerra econômica com a China”, afirmou Daniel Sneider, professor de política internacional na Universidade de Stanford.

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