Análise|Presidente do Equador cumpre seu papel de ‘homem-forte’ com operação em embaixada mexicana

Criticada por líderes mundiais, operação policial dentro de instalação diplomática foi elogiada no país como sinal de força do presidente

PUBLICIDADE

Enquanto líderes mundiais têm expressado choque e perplexidade em razão da decisão do presidente do Equador, Daniel Noboa, de realizar uma operação policial dentro da Embaixada do México, na sexta-feira passada, o movimento extraordinariamente incomum — e o relativo silêncio de Noboa a respeito — dificilmente o prejudicará diante de seu eleitorado. Na realidade, esse é exatamente o tipo de combate desenfreado ao crime que os equatorianos esperavam e pelo qual votaram.

PUBLICIDADE

Os equatorianos estavam à procura de seu homem-forte na eleição passada, fartos com a corrupção generalizada e os roubos, sequestros, extorsões e assassinatos alimentados pela crescente presença de cartéis internacionais de tráfico de drogas. Noboa, com frequência trajando coletes à prova de balas, óculos escuros e jaquetas de couro, ou sua casual camiseta branca ocasionalmente, até aqui parece estar cumprindo esse papel. Se impedir o caminho de bandidos significar a invasão de uma embaixada, que assim seja, disseram à Associated Press equatorianos entrevistados ao longo do fim de semana.

“O presidente Noboa passou uma mensagem de força à nação”, afirmou o consultor de comunicação política Carlos Galecio, coordenador do programa de comunicações da Universidade Casa Grande, no Equador. “É uma promoção de imagem muito poderosa.”

Noboa, herdeiro de 36 anos de uma das maiores fortunas no Equador, tomou posse como presidente em novembro, depois de vencer inesperadamente uma eleição especial em agosto. Ele derrotou a protegida do ex-presidente Rafael Correa, que evitou cumprir uma sentença de prisão relacionada a corrupção mudando-se para a Bélgica e obtendo asilo no país.

Presidente do Equador Daniel Noboa chega para evento com jovens em El Quinche, 8 de abril de 2024.  Foto: Dolores Ochoa/ Associated Press

Noboa herdou um país no qual pessoas não saem mais de casa a não ser que seja absolutamente necessário, em que quase todos conhecem uma vítima de crime e de onde muitos consideram emigrar. Estatísticas justificam essas decisões e refletem essas experiências: o ano passado foi o mais sangrento na história do Equador, com mais de 7,6 mil homicídios — contra 4,6 mil no ano anterior.

As causas para a elevação são complexas, mas em grande medida têm relação com cocaína. Gangues auxiliadas por cartéis estão lutando pelo controle de ruas, prisões e rotas de tráfico até o Pacífico. Orçamentos estaduais reduzidos, dívidas enormes, brigas políticas e corrupção ocasionaram faltas de financiamento em programas sociais e policiamento. E a pandemia de covid-19 transformou crianças famintas em jovens desempregados facilmente recrutáveis por grupos criminosos.

Noboa respondeu prometendo mais equipamentos para a polícia e as Forças Armadas e a construção de prisões similares às que o presidente Nayib Bukele construiu em El Salvador, com unidades de segurança alta, máxima e supermáxima. Noboa também baixou um decreto classificando mais de 20 grupos criminosos como organizações terroristas e marcou um referendo para abril com o objetivo de pedir aos eleitores mais poderes para os militares patrulharem as ruas e controlarem as prisões.

Publicidade

Uma pesquisa recente da empresa equatoriana de aferição de opinião pública Cedatos mostrou que mais de dois terços dos entrevistados aprovavam a presidência de Noboa e que mais da metade apoia sua decisão de convocar os eleitores às urnas.

A polícia entrou na Embaixada Mexicana em Quito, a capital, para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas, um criminoso condenado e fugitivo da Justiça que vivia na representação estrangeira desde dezembro. Em seus primeiros comentários a respeito da operação, Noboa afirmou na segunda-feira que tomou “decisões excepcionais para proteger a segurança nacional, o estado de direito e a dignidade de uma população que rejeita qualquer tipo de impunidade para criminosos, corruptos e narcoterroristas”.

“Minha obrigação é atender as determinações do sistema Judiciário, e nós não podemos permitir que criminosos sentenciados envolvidos em crimes muito sérios desfrutem de asilo”, o que, argumentou Noboa, violaria a Convenção de Viena e outros acordos internacionais. Em um comunicado postado na rede social X, Noboa não citou Glas pelo nome, mas sugeriu que havia um “risco de fuga iminente”.

Instalações diplomáticas são consideradas território estrangeiro “inviolável” segundo os tratados de Viena, e agências policiais de países anfitriões não podem entrar sem permissão do embaixador. O México planeja apresentar queixa a respeito da operação de Noboa na Corte Internacional de Justiça, em Haia.

PUBLICIDADE

Ainda assim, a mostra de força do presidente equatoriano rapidamente lhe rendeu elogios em seu país.

“Eu sou a favor das ações do presidente Noboa. Acho um ato corajoso (…) que vai fortalecê-lo”, afirmou a professora universitária Gabriela Sandoval. “A prioridade é limpar, desinfetar, continuar um processo tão importante quanto a ação do presidente Noboa de colocar a casa em ordem.”

Os equatorianos votarão para presidente em fevereiro. Noboa é habilitado para concorrer à reeleição. A confiança no presidente é tamanha que grupos empresariais acham que a condenação global à operação policial dentro Embaixada Mexicana não prejudicará o comércio ou as já espinhosas negociações de um acordo comercial entre Equador e México, que representam uma barreira crítica ao interesse do Equador em se juntar à Aliança do Pacífico, um bloco comercial que reúne países latino-americanos.

Publicidade

“Esses problemas políticos e cotidianos passarão, de alguma maneira, e então as relações voltarão ao normal”, afirmou o vice-presidente da Câmara Binacional Equador-México, Roberto Aspiazu. “Cedo ou tarde, o acordo comercial também também se tornará realidade porque a negociação existe e terá de ser retomada algum dia.”

Ainda assim, o momento do rompimento diplomático com o México poderia ser particularmente desafortunado para o Equador e contraproducente para as ambições de combate ao crime de Noboa, afirmou o pesquisador especializado em estudos latino-americanos Will Freeman, do Council on Foreign Relations, um instituto de análise sediado em Nova York.

O Equador era um dos países mais tranquilos da América Latina há até alguns anos, quando cartéis mexicanos e colombianos expandiram suas operações no país, estabelecendo-se em cidades costeiras e explorando portos de nível mundial para embarcar centenas de milhares de dólares em cocaína produzida nos vizinhos Colômbia e Peru.

“As gangues equatorianas são forças criminosas independentes, mas firmaram alianças com os cartéis mexicanos de Sinaloa e Jalisco Nova Geração”, afirmou Freeman. “Em um mundo ideal, Noboa buscaria cooperação com o governo do México para combater as gangues e seus parceiros internacionais. Mas, claramente, com o rompimento das relações diplomáticas isso não está acontecendo.”

E apesar de continuar incerto se Noboa aguardava a reação internacional negativa que recebeu, partes dessa crítica deverão pesar mais que outras.

Os Estados Unidos, que durante o governo Noboa forneceram ao Equador equipamentos cruciais e treinamento para combater os cartéis de narcotráfico, reiteraram a importância do cumprimento do direito internacional após a operação policial da semana passada na Embaixada Mexicana.

“Os EUA levam muito a sério a obrigação de países anfitriões respeitarem missões diplomáticas segundo o direito internacional”, afirmou o subsecretário de Estado americano para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols. “Nós encorajamos Equador e México a resolver suas diferenças amigavelmente.”/ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Publicidade

Análise por Gabriela Molina
Regina Garcia Cano
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.