GENEBRA - A Europa expulsou mais de um milhão de estrangeiros de seu território desde o início da Primavera Árabe e da guerra civil na Síria – e impediu a entrada de outras 500 mil pessoas em apenas quatro anos. Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela Frontex, a agência de fronteiras da União Europeia.
Ele revela um aumento cada vez maior de iniciativas para barrar a entrada de estrangeiros. O resultado, segundo a ONU, tem sido a proliferação de traficantes agindo nas fronteiras. Mais de 300 mil estrangeiros chegaram até as fronteiras do bloco este ano, um recorde absoluto que deve levar 2015 a registrar o maior fluxo de pessoas na Europa desde a 2.ª Guerra. A onda migratória já passou a dominar a agenda dos líderes da região, que confessam que a crise é já o maior desafio social da Europa. A resposta de muitos governos europeus tem sido o fechamento de fechar suas fronteiras.
Em 2009, 65 mil pessoas foram expulsas da UE. Um ano depois, esse número aumentou para 74 mil. Mas, a partir de 2011, essas taxas ganharam um novo patamar. Em 2011, 231 mil estrangeiros receberam a ordem de deixar o bloco europeu e em 2012, mais de 269 mil.
Em 2013, as expulsões chegaram a 224 mil e em 2014, a 252 mil. Apenas no primeiro trimestre de 2015, mais 68 mil estrangeiros tiveram de deixar o território europeu, entre eles 4 mil sírios e 2 mil afegãos, populações que fugiram de países em guerra.
A intensificação do controle coincide com o período de maior turbulência no Norte da África e no Oriente Médio em décadas, com quedas de regimes, revoluções e desintegração de países como Síria e Líbia. Em quatro anos, 477 mil estrangeiros foram impedidos de entrar no bloco, enquanto barreiras, leis e tropas passaram a ser usadas para conter o fluxo.
Mas as medidas não foram suficientes para conter a multidão. A violência eclodiu em diferentes fronteiras da Europa e dezenas de imigrantes foram encontradas mortos. Governos também anunciaram que começariam a usar força militar para bloquear o fluxo migratório.
Longe das fronteiras, as autoridades também têm tomado medidas para reduzir os incentivos à chegada de estrangeiros. Na Finlândia, o Serviço de Imigração confirmou ao Estado que reduziu em 10% o valor pago a cada família de refugiados para que possam se sustentar no país. Atualmente, o valor é de ¤ 1,1 mil mensais.
Na Dinamarca, o novo governo de centro-direita prometeu ir além e anunciou em julho que cortará os benefícios financeiros pela metade a partir de setembro. Por mês, uma pessoa receberá ¤ 882 euros para se manter em um dos países mais caros do mundo. Em 2014, a Dinamarca recebeu 14 mil pedidos de asilo.
Na Eslováquia, a decisão foi a de impedir a entrada de muçulmanos, fazendo o serviço de imigração na fronteira perguntar a religião ao refugiado. A iniciativa foi condenada tanto pela UE quanto pela ONU.
Mortes. O fortalecimento das leis e do policiamento, segundo entidades de direitos humanos, estão tendo outra consequência: a morte de um número cada vez maior de imigrantes. Na semana passada, um caminhão foi encontrado com 71 imigrantes mortos em uma estrada da Áustria. O número de mortes no Mar Mediterrâneo chega a 2,5 mil.
“Os governos erguem muros e adotam leis duras para mostrar às suas populações que estão agindo”, analisa o porta-voz da Organização Internacional de Migrações, Joel Millman. “Mas o que estão criando são verdadeiras oportunidades de negócios para traficantes cada vez que fecham uma estrada ou levantam uma cerca.”
Até hoje, nenhum país europeu assinou o tratado internacional que defende os direitos de imigrantes.
Em algumas situações, as promessas de endurecimento de leis não resolveram. Na Grã-Bretanha, o país registrou um volume recorde de imigração entre março de 2014 e março deste ano, apesar de o primeiro-ministro David Cameron ter cortado benefícios aos estrangeiros, aumentado os controles e ampliado as expulsões de imigrantes ilegais.
Na Hungria, o governo espera concluir ainda esta semana a construção de um muro na fronteira com a Sérvia. Mas, segundo especialistas, as expulsões, leis e muros estão apenas transferindo o problema para o sul da Europa e para os países dos Bálcãs, usados como rota para chegar à Europa Ocidental.
Ao Estado, os porta-vozes da UE rejeitam a tese de que estão transferindo os problemas para os países fora do bloco. Desde 2007, segundo Bruxelas, ¤ 600 milhões foram destinados aos governos dos Bálcãs para ajudá-los a lidar com a imigração.
Para Melissa Fleming, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Refugiados, o fluxo não vai acabar por pelo menos duas razões. A primeira é que o apoio humanitário para as vítimas da guerra na Síria está falido financeiramente. “Cada pessoa recebe US$ 13 por mês para se alimentar. Eles estão famintos. Quem vive com isso?”
Outro fator que pesa hoje é a falta de esperança de um fim do conflito. “Os refugiados não queriam ir para a Europa. Querem ficar perto de seu país para, um dia, voltar para suas casas”, disse Melissa. “Mas, depois de cinco anos de guerra, perderam a esperança e não querem terminar suas vidas em barracas”, acrescentou.
Os governos do Oriente Médio, sem o apoio da comunidade europeia, também começaram a incentivar os refugiados a buscar a sorte na Europa.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.