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Indústria da maconha da Tailândia dispara mesmo com excesso de oferta ilegal da erva

Setor da cannabis legalizada no país — raridade na Ásia — enfrenta dificuldades em razão de excesso de oferta e ambiguidades regulatórias; mas os investidores aparecem mesmo assim

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Por Mike Ives

THE NEW YORK TIMES — Em Bangcoc, hoje em dia, é difícil não notar as lojas de maconha atendendo turistas, que se multiplicaram desde que o governo da Tailândia descriminalizou a droga no ano passado.

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Muitos comerciantes tiram vantagem das regulações frouxas para vender aos visitantes abertamente flores secas de maconha importadas ilegalmente do Canadá ou dos Estados Unidos. Numa tarde recente, um dos estabelecimentos divulgava suas aromáticas ofertas — cepas da erva batizadas com termos como “Ice Cream Cake” (bolo de sorvete) e “Lemon Cookies” (biscoitos de limão) — vendendo-as como “o melhor da Califórnia”.

Mas esses dispensários poderão falir rapidamente em razão de competição, excesso de oferta e novas regulações aguardadas em torno do cultivo e da comercialização da cannabis, afirmaram em entrevistas vários especialistas na indústria da maconha. Os comércios que sobreviverem venderão erva de alta qualidade, produzida domesticamente, o que ajuda a explicar por que investidores têm despejado milhões de dólares em fazendas de cultivo interno de cannabis altamente tecnológicas por toda a Tailândia.

Uma fazenda de cannabis em Nakhon Ratchasima, Tailândia. As mais recentes regulamentações para a maconha podem dar uma vantagem ao fornecimento doméstico de maconha de alta qualidade Foto: Lauren Decicca/The NY T

Apesar de ninguém saber que tipo de regulações a liderança recém-eleita do país produzirá, especialistas na indústria de cannabis afirmaram que as regras muito provavelmente darão mais clareza aos investidores e melhorarão os critérios de entrada nesse mercado de uma maneira que beneficiará os negócios que contarem com as melhores cadeias de fornecimento domésticas.

“O investidor inteligente e bem informado vai entrar”, afirmou recentemente Sirasit Praneenij, codiretor executivo da empresa de produção de maconha Medicana, em uma fazenda de cultivo interno na região metropolitana de Bangcoc. Trajando um jaleco branco de laboratório, ele concedeu entrevista ao lado de estufas iluminadas por painéis de lâmpadas LED, com avançados sistemas de irrigação e consecutivas fileiras de plantas jovens de cannabis.

Muitos cultivadores tailandeses, “incluindo nós, estaremos felizes em respeitar as regulações, desde que elas sejam equilibradas”, acrescentou Sirasit, cuja fazenda de US$ 2 milhões produz mensalmente entre 23 quilos e 30 quilos de flores secas de maconha, a parte da planta que causa entorpecimento. Parte da produção é vendida no varejo pelo dispensário de uma empresa-irmã, no centro de Bangcoc, o Dr. Dope.

Legislação

Conforme circunscrições de todos os EUA e outros países afrouxam constantemente suas legislações a respeito da maconha, a coisa não cheira mais a novidade para moradores dessas localidades. Mas a indústria canábica da Tailândia prospera em uma região onde longas penas de prisão — ou sentenças ainda piores — por posse, consumo ou tráfico de maconha ainda são a norma.

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A Tailândia também já teve leis severas como essas. Mas quando o governo removeu as flores de maconha de sua lista de narcóticos proibidos, em junho de 2022, uma indústria doméstica apareceu da noite para o dia, começando com os “trucks da erva” circulando nos distritos turísticos. Menos de um ano depois, já existiam cerca de 12 mil dispensários de cannabis registrados — segundo algumas estimativas, mais do que nos EUA.

Um atrativo óbvio para investidores é que a indústria canábica da Tailândia beneficia-se facilmente de uma grande fonte de clientes: turistas, que agora começam a voltar. Os produtores de maconha afirmam que são os turistas, não os cidadãos tailandeses, seus principais clientes.

Mas em razão da legislatura tailandesa não ter aprovado ainda uma lei para esclarecer áreas cinzentas da legalização da cannabis, a indústria existe em uma espécie de limbo regulatório. Todas as vendas ainda são, tecnicamente, por razões médicas, mesmo que na prática a cannabis seja amplamente usada como droga recreativa, e as importações ilegais ficaram tão comuns que algumas lojas as anunciam abertamente.

Um cliente examinando cannabis de uma loja em Bangkok no ano passado Foto: Lauren DeCicca/The New York T

O excesso de oferta e as importações ilegais fizeram o preço da maconha baixar em aproximadamente um terço nos meses recentes, para o equivalente a US$ 22 o grama, e alguns dispensários fecharam durante a temporada de verão baixa para o turismo, afirmou Lucksipha Sirithawornsatit, diretora-gerente da Vinzan, uma empresa especializada em negócios e marketing de maconha em Bangcoc. Srettha Thavisin, o novo primeiro-ministro eleito pelo Parlamento tailandês na terça-feira, disse a repórteres antes das eleições gerais de maio que seu partido político, Pheu Thai, não quer a “legalização total da cannabis” e apoiaria o uso apenas medicinal.

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Investidores estrangeiros e tailandeses estão se apresentando mesmo assim. Dados precisos de investimentos são escassos, mas Lucksipha afirmou que algumas empresas já começaram a construir caras fazendas de cultivo interno em toda a Tailândia com  recursos de investidores dos EUA, da Europa, da Austrália, da Rússia e de Cingapura, entre outras origens.

Vários empreendedores canábicos afirmaram em entrevistas esperar que os preços se estabilizem quando houver clareza regulatória e que o governo tailandês não ousaria destruir uma indústria com potencial econômico tão significativo.

“As pessoas agora veem claramente que é impossível enfiar essa pandora de volta na caixa”, afirmou James Porter, diretor executivo do dispensário Siam Green, que levantou cerca de US$ 1 milhão com investidores de Bangladesh, Índia, Tailândia e EUA.

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A Tailândia retirou as flores de maconha de sua lista de narcóticos em junho de 2022, levando ao surgimento da indústria da cannabis Foto: Lauren DeCicca/The New York Ti

“Empresas que operam legitimamente, têm boa equipe de gestão e são bem capitalizadas permanecerão”, afirmou Porter, que trabalhou anteriormente em startups em Nova York e Miami.

A Siam Green, que planeja abrir outros três ou quatro dispensários este ano, é uma das várias empresas de cannabis com planos de expansão. A Medicana e sua empresa-irmã, por exemplo, planejam investir US$ 5 em cultivos, lojas de varejo e desenvolvimento de produtos, afirmou Sirasit.

Numa escala maior, a empresa israelense Advanced Canna Technologies, que trabalhou em fazendas de cannabis nos EUA e outros países, inaugurou recentemente uma fazenda de cultivo interno de maconha de US$ 3 milhões, com 2 mil metros quadrados, em Bangcoc, com uma parceira local e financiada por investidores de Cingapura. O diretor executivo da ACT, Or Engler, afirmou que planeja começar a colher cerca de 120 quilos por mês de flores secas de cannabis a partir de outubro e se tornar um jogador “sério” e de longo prazo no mercado tailandês mesmo se os preços no varejo continuarem a cair.

Os dispensários são a parte mais visível da indústria canábica da Tailândia, mas a maconha também tem sido prescrita em centenas de clínicas médicas tradicionais e desempenha um papel proeminente da indústria da hospitalidade: o hotel butique The Beach Samui, no sul da Tailândia, tem seu próprio dispensário e segue o modelo de retiros de bem-estar e alimentação vegana na Europa e na América Central.

Empreendedores visitaram uma fazenda de cannabis na província de Chonburi, Tailândia, no ano passado Foto: Sakchai Lalit/Associated Press

Outros negócios canábicos da Tailândia colocam foco no CBD, um extrato de maconha que não deixa os usuários chapados, mas é tipicamente vendido como uma terapia que cura de tudo. Uma dessas empresas é a Good Neighbors Biotechnology, inaugurada há dois anos, que vende produtos de CBD em dispensários e planeja eventualmente vender também em farmácias.

“É uma boa chance de fazer dinheiro e ajudar as pessoas”, afirmou o fundador da empresa, Sakonpob Kittiwarawut, durante uma visita da reportagem ao seu laboratório, na Província Nakhon Ratchasima, a nordeste de Bangcoc. Suas sofisticadas instalações — com superfícies brancas, vidros de destilação e cientistas usando jalecos e máscaras faciais — lembra uma fábrica farmacêutica, mas com cheiro de show de reggae.

Dificuldades

Nem todos compartilham do otimismo de Kittiwarawut. Shivek Sachdev, especialista da indústria em Bangcoc, afirmou que duas grandes fábricas de CBD já fecharam na  Tailândia por causa de uma queda no preço do extrato e que o mercado está “bastante saturado” neste momento.

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Em em relação às flores secas de maconha, um risco a longo prazo é que empresas e cultivadores tailandeses possam ser expulsos do mercado por grandes competidores estrangeiros que estabeleçam suas próprias cadeias de fornecimento das fazendas aos dispensários, afirmou Sachdev, fundador da Cantrak, uma empresa que ajuda produtores de maconha tailandeses com rastreabilidade em cadeias de fornecimento.

Mas por agora o mercado ainda está aberto para cultivadores em menor escala que produzem flores de alta qualidade, afirmou Lucksipha, que negocia cannabis. Ela disse que alguns dispensários prosperariam com o impulso do bom marketing e do serviço ao cliente.

As lojas são a parte mais visível da indústria de cannabis da Tailândia, embora a droga também seja prescrita em clínicas de medicina tradicional Foto: Lauren DeCicca/The New York T

“É sobre o cliente, a vibe e os budtenders”, afirmou Lucksipha, referindo-se ao equivalente canábico dos bartenders.

Numa noite recente, no dispensário Siam Green, em Bangcoc, budtenders discorriam sobre sabores e características químicas das maconhas à venda para a turista Vera Murcia, das Filipinas. Depois de considerar opções como “White Truffle” e “Durban Poison”, ela resolveu comprar “Candy Crush”, uma cepa que, segundo os vendedores, deixa os fumantes relaxados, felizes e com fome.

“Eu quero dar risada e bater uma larica”, afirmou Murcia, de 37 anos, que trabalha na indústria de call-centers. A maconha lhe foi entregue e, em poucos minutos, após alguns tragos em seu cachimbinho, ela já ria à toa. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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