Policiais em Uvalde não seguiram o protocolo contra atiradores que eu criei no FBI; leia a análise

FBI gastou mais de US$ 30 milhões para enviar agentes a departamentos de polícia de todo o país

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Por Katherine Schweit*
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - Depois de assistir a tragédia na Escola de Ensino Fundamental Robb, em Uvalde, Texas, ocorrer após tantos outros massacres a tiros nas semanas recentes, pergunto-me onde posso ter errado quando me foi solicitado que iniciasse o programa contra atirador ativo do FBI, dez anos atrás. Será que coloquei o foco da minha equipe sobre os problemas errados? Será que gastei meu orçamento sabiamente para descobrir maneiras de salvar vidas?

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Todo massacre a tiros é avaliado em três partes: Como poderíamos tê-lo evitado? Respondemos de maneira eficaz para salvar vidas? De que maneira estamos ajudando a comunidade a se recuperar? Na última segunda-feira, o FBI designou 61 ocorrências de 2021 como ataques de atiradores ativos, contra 40 em 2020 e 30 em 2019. Dei-me conta de que não estamos evitando os ataques. Talvez, pensei, estejamos respondendo de maneira eficaz aos ataques durante as ações.

Mas se os 78 minutos que a polícia em Uvalde esperou antes de confrontar o atirador na Escola de Ensino Fundamental Robb servem como indicador, a resposta é: Não estamos. Esperar tanto tempo, afirmou na sexta-feira o diretor do Departamento de Segurança Pública do Texas, “foi a decisão errada. E ponto final”.

Policiais do lado de fora da Robb Elementary School em 24 de maio de 2022. Foto: Dario Lopez-Mills/ AP

Então por que os chefes de polícia tomaram essa decisão? Nos primeiros anos passados desde o massacre na Escola de Ensino Fundamental de Sandy Hook, em dezembro de 2012, o FBI gastou mais de US$ 30 milhões para enviar agentes a departamentos de polícia de todo o país. O objetivo era treinar policiais locais para lidar com atiradores ativos, para que eles soubessem como persegui-los com confiança e neutralizar a ameaça.

No dia seguinte ao que o FBI publicou os índices mais recentes de ocorrências com atiradores ativos, a Escola de Ensino Fundamental Robb foi atacada. Nos dois últimos anos, o distrito escolar de Uvalde passou por dois treinamentos contra atiradores ativos, segundo noticiou o The New York Times. Um ocorreu dois meses atrás. O protocolo atual e as boas práticas afirmam que os policiais devem empreender esforços persistentes para neutralizar o atirador quando a ocorrência está em andamento. Isso vale mesmo se apenas um policial estiver presente. Esta é sem nenhuma dúvida a abordagem correta.

Precisamos entender por que motivo esse protocolo não foi seguido em Uvalde. Ainda estou confiante de que o foco do FBI em treinamentos segundo esse padrão é correto, mas estou menos confiante em relação à sua execução. Os policiais que atenderam à ocorrência podem ter sido mal preparados para o conflito, o que pode levar a resultados fatais. Policiais precisam ser preparados mentalmente antes de atender ocorrências, para que possam responder imediatamente.

Treinamentos repetitivos constroem prática e confiança. Grandes eventos de treinamento realizados a cada poucos anos são mais caros e menos eficazes para fortalecer a memória. Em vez disso, os departamentos deveriam considerar exercícios mais virtuais com simulações, que podem ser realizados em uma tarde; fazer com que os policiais percorram instalações escolares, conversando entre si a respeito da maneira como responderiam; e exigir que os policiais chequem todo seu equipamento antes de iniciar seus turnos de trabalho.

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No ano passado, atiradores ativos mataram 103 pessoas e feriram outras 140, em 30 Estados. Cinco desses ataques ocorreram no Texas. A maioria dos mais de 800 mil policiais dos EUA está lotada em departamentos locais. Não é a primeira vez que uma corporação policial fracassou na maneira de responder a um ataque de atirador ativo. Às vezes o treinamento pode se tornar rotina e ser levado menos a sério em qualquer ambiente, mas as forças de segurança deveriam ser cuidadosas ao evitar complacência. Seus agentes estão sendo treinados para checar uma caixa? Diretores de departamentos de polícia precisam dizer aos seus policiais o que se espera deles atualmente e entender que os americanos exigem isso.

Também precisamos reavaliar a maneira como orientamos estudantes e professores a reagir quando um atirador ativo entra em uma escola. Depois de Sandy Hook, o governo federal adotou o modelo corra, se esconda ou lute, que orienta estudantes e professores a, primeiramente, sair correndo se puderem, se esconder se tiverem de fazê-lo ou, finalmente, lutar para sobreviver.

Atualmente, na melhor das hipóteses as escolas dão orientações verbais a respeito da primeira parte do mantra: corra. A maioria das escolas que realizam treinamentos para lidar com ataques a tiros orientam estudantes, professores e outros funcionários a trancar portas e bloquear acessos ou se esconder do atirador, mas quase nunca os orientam a sair correndo para salvar suas vidas se puderem. Meu amigo Frank DeAngelis, diretor aposentado da Escola de Ensino Médio de Columbine, Colorado, disse-me que desejou que seus estudantes e docentes tivessem sido orientados para fugir. Em Sandy Hook, nove alunos de 1.ª série sobreviveram porque puderam fugir de sua sala de aula graças à sua corajosa professora, Victoria Leigh Soto, que foi morta a tiros quando chamou a atenção do assassino e o encarou para proteger as crianças.

Ainda tenho pesadelos a respeito de detalhes de massacres em escolas. Sobreviventes me relataram que entraram debaixo de carteiras, nas esperança de, contrariando a lógica, não serem vistos pelo atirador. E é difícil esquecer as imagens de corpos de vítimas encolhidos debaixo das mesas de plástico, atrás de divisórias de tecido ou agrupados contra alguma parede.

Policial em frente a Robb Elementary School, em 1° de junho. Foto: Brandon Bell / AFP

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Lembro-me de dizer aos meus filhos que se alguém dirigindo emparelhar o carro enquanto eles estivessem andando na calçada, eles deviam sair correndo o mais rápido que pudessem. No entanto, em muitas escolas nós desencorajamos equivocadamente os estudantes a tentar como puderem simplesmente ficar vivos.

Agora, minha filha mais nova é uma professora cuja sala de aula numa escola de ensino médio fica próxima ao fim de um corredor que possui uma porta lateral de saída. As classes são repletas de carteiras. Ela sabe que os assassinos que atacam escolas valem-se de oportunidades para encontrar mais vítimas. Compartilho a experiência da minha filha não para atrair críticas às ações de educadores nas respostas a situações letais, mas para sublinhar como é vital um treinamento apropriado para que professores e estudantes sobrevivem.

Ouvimos que a melhor maneira de aprender é com os erros que cometemos. De acordo com informações do FBI, nos anos recentes, o número médio de mortes para cada atirador ativo tem caído, mesmo que o número de ataques tenha aumentado. Acho que isso é reflexo de melhor policiamento e maior conscientização do público.

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Ainda assim, a polícia provavelmente não estará presente nos primeiros minutos cruciais de um ataque a escola. E na sequência da desoladora tragédia em Uvalde fica evidente que, quase dez anos depois de Sandy Hook, devemos nos perguntar se o treinamento projetado para nos proteger de assassinos em nossas escolas está funcionando. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Katherine Schweit é ex-agente do FBI, se aposentou em 2017 depois de 20 anos na corporação. Ela criou e coordenou o programa contra atirador ativo depois do massacre na Escola de Ensino Fundamental de Sandy Hook, em 2021. É autora de “Stop the Killing” (Impeçam a matança).