Rússia mostra indícios de anexação em novos territórios dominados na Ucrânia

Declarações de autoridade russa sugerem anexação da região sul da Ucrânia; domínio daria à Moscou mais poder sobre a economia ucraniana

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Por Marc Santora, Ivan Nechepurenko e Norimitsu Onishi, The New York Times
5 min de leitura

CRACÓVIA - Logo após a vitória sobre a última resistência armada da Ucrânia em Mariupol, a Rússia parece preparar bases para anexar partes do sudeste do país. A área foi descrita por um alto funcionário do Kremlin que a visitou nesta semana como um “lugar digno em nossa família russa”.

O funcionário em questão é Marat Khusnullin, vice-primeiro-ministro de infraestrutura da Rússia. A viagem teve a intenção de traçar os planos para assumir o controle total da infraestrutura vital do sudeste ucraniano, incluindo a maior usina nuclear da Europa, a de Zaporizhzhia. Em paralelo, a Rússia fortalece as posições defensivas e exerce a autoridade sobre a população local.

A anexação desta região, juntamente com o domínio naval no Mar Negro, reforçaria o domínio de Moscou sobre a economia ucraniana e solidificaria seu bloqueio na costa sul da Ucrânia. A região cobre uma vasta extensão que inclui o coração agrícola da Ucrânia e vários portos importantes.

Militares russos fazem guarda em estrada próxima a cidade de Mariupol nesta quinta-feira, 19. Após conquistar Azovstal, Rússia se prepara para ter domínio completo sobre a cidade Foto: Alexander Ermochenko / Reuters

As autoridades já se moveram para introduzir o rublo como moeda, instalar políticos substitutos nos governos locais, impor novos currículos escolares, redirecionar servidores de internet e cortar a população das transmissões ucranianas. As ações são sinais de que Moscou se prepara para pressionar pela russificação da região - como tem feito na Crimeia desde que a tomou da Ucrânia em 2014.

Na cidade portuária de Kherson, perto da fronteira com a Crimeia, Khusnullin inspecionou a infraestrutura, incluindo o porto, uma estação ferroviária de carga e uma fábrica. “Vamos viver e trabalhar juntos”, afirmou, acrescentando que a Rússia já havia alocado fundos para restaurar as estradas da cidade. “Vim aqui para oferecer o máximo de oportunidades de integração”, disse Khusnullin à imprensa russa.

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Ele acrescentou que a Rússia pretende cobrar da Ucrânia até a eletricidade gerada pela usina nuclear de Zaporizhzhia, que as forças russas requisitaram nas primeiras semanas da invasão - um plano descrito como extorsão pela Ucrânia.

Em outro possível sinal de medidas para consolidar o controle da Rússia, as tropas fecharam nesta quinta-feira postos de controle para civis que transitam entre zonas ocupadas pela Rússia e áreas controladas pela Ucrânia em duas regiões, Kherson e Zaporizhzhia, segundo as autoridades militares e locais ucranianas.

Militares russos em estrada na região de Kherson nesta quinta-feira, 19. Autoridades da região afirmam que russos controlam saída de ucranianos Foto: Olga Maltseva / AFP

Em um dos postos de controle, perto da cidade de Vasilievka, uma fila de carros com mulheres e crianças tentando sair de áreas controladas pelos russos se estendia pela estrada. Autoridades ucranianas estimaram mais de mil carros, disse Zlata Nekrasova, vice-governadora do governo regional ucraniano em Zaporizhzhia.

Além disso, ucranianos acusam os russos de deportar milhares de pessoas à força para a Rússia e testemunhas descrevem esforços cada vez mais repressivos para impor o domínio.

O Kremlin procura retratar suas ações como reflexo da vontade popular. Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, pareceu minimizar o significado das declarações de Khusnullin que sinalizam anexação, dizendo que apenas os moradores locais podem decidir.

Mas em um movimento que alguns analistas consideraram como reflexo da confusão dentro da liderança russa sobre como proteger as áreas ucranianas tomadas pela Rússia, um grupo de legisladores apresentou nesta quinta-feira um projeto de lei que daria a Putin o poder de estabelecer “administrações temporárias em territórios onde o exército da Rússia realiza operações militares”.

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Conquistas na região

A vitória russa no sudeste ucraniano foi concretizada na terça-feira, 17, com a conquista da usina siderúrgica de Azovstal, o último reduto de resistência de Mariupol. Mais de 700 soldados ucranianos, do batalhão de Azov, se renderam, de acordo com o Ministério de Defesa da Rússia.

O batalhão de Azov é conhecido por ser um grupo neonazista dentro do Exército ucraniano e tem sido utilizado pelo Kremlin para fins de propaganda. Eles descrevem os prisioneiros como terroristas e nazistas criminosos de guerra e enquadram a conquista de Mariupol como um ponto de virada do conflito.

Embora grande parte de Mariupol esteja destruída, a captura da cidade portuária provavelmente vai dar benefícios à Rússia. Em primeiro lugar, a conquista cria uma conexão terrestre entre a Crimeia, anexada à Rússia, e a região do Donbas, onde os russos se concentram e contam com apoio de separatistas para lutar contra a Ucrânia.

Imagem mostra veículo destruído durante batalha em Kharkiv, na Ucrânia, no dia 15 deste mês. Exercito ucraniano contra-atacou russos e os afastou da cidade Foto: Esteban Biba / EFE

Além disso, as tropas russas estão agora liberadas para ajudar a Rússia no objetivo de conquistar a região do Donbas. O objetivo está abaixo do esforço inicial de Moscou para controlar toda a Ucrânia, mas se trata de uma forte influência em quaisquer futuras negociações de paz.

Nos últimos dias, os conflitos no leste, onde está a região do Donbas, se encontram em um impasse. A Ucrânia resiste e força os russos a lutar em formações menores e com objetivos mais limitados, segundo a avaliação de um alto funcionário do Pentágono nesta quinta-feira, 19. “Às vezes os objetivos são mantidos apenas por um curto período de tempo antes que os ucranianos os retomem. Eles estão apenas sendo mais modestos no que estão tentando buscar”, disse sob anonimato.

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A mudança nas táticas russas reflete não apenas a defesa ucraniana, mas também os problemas de comando, logística e moral que continuam a atrapalhar os comandantes russos, especialmente no Donbas, acrescentou a fonte do Pentágono. Nesta quinta-feira, um relatório britânico afirmou que esses problemas se refletem em recriminações dentro das Forças Armadas da Rússia, com generais suspensos de seus cargos.

Por isso, analistas militares avaliam os anúncios de Moscou como parte de uma campanha de propaganda destinada a transmitir controle sobre áreas onde seu domínio é menos sólido. Para eles, as forças russas ainda podem enfrentar revoltas e contra-ofensivas ucranianas.

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