Quem tem medo de Donald Trump? Ao que parece, cada vez menos pessoas.
Depois que o presidente agitou uma bandeira branca esta semana na guerra comercial, seus assessores e aliados alegaram que a rendição fazia parte do plano. O secretário do Tesouro, Scott Bessent, disse a repórteres que “essa era a estratégia dele desde o início”. O presidente da Câmara, Mike Johnson, elogiou: “Contemplem a ‘Arte da Negociação’”.
Mas Trump, pela primeira vez, foi sincero ao explicar por que suspendeu suas “tarifas recíprocas” por 90 dias. “Bem, eu pensei que as pessoas estavam saindo um pouco da linha”, disse ele. “Estavam latindo mais alto, sabe?”

Eu sei. Tem havido tantos latidos ultimamente que os republicanos correm o risco de serem presos pela carrocinha.
Bill Ackman, um bilionário pró-Trump, alertou que “estamos caminhando para um inverno nuclear econômico auto induzido” e que “a economia global está sendo derrubada por causa de cálculos malfeitos”.
No Capitólio, sete senadores republicanos e uma dúzia de deputados republicanos sinalizaram que tentariam arrancar o poder tarifário do presidente. O senador Thom Tillis, da Carolina do Norte, perguntou ao representante comercial de Trump a respeito da estratégia: “Quem eu vou ter que estrangular se isso se provar errado?”. O senador Rand Paul, do Kentucky, disse que as tarifas se baseavam em “uma falácia que nos fará perder nossa riqueza”. O senador Ron Johnson, do movimento MAGA, de Wisconsin, disse ao Post: “Não entendo muito bem a estratégia, e não tenho certeza se há alguém mais que entenda”.
Um grupo financiado por Charles Koch e Leonard Leo entrou com uma ação judicial contra as tarifas de Trump. A apresentadora Maria Bartiromo, fiel a Trump, questionou Bessent: “Por que estamos fazendo isso?”. E assim por diante.
A discussão não se resumia às tarifas. Mesmo com Trump recuando na questão comercial na quarta feira, ele enfrentou uma rebelião na Câmara dos Representantes contra o orçamento do Senado — colocando brevemente em risco toda a pauta legislativa de Trump. O presidente pressionou duramente os republicanos da Câmara, dizendo-lhes para “fecharem os olhos e fecharem negócio” e “pararem de fazer pose”, insistindo que “é IMPERATIVO que os republicanos na Câmara aprovem o Projeto de Lei de Corte de Impostos, AGORA!”. Ele recebeu os opositores na Casa Branca e, segundo informações, participou pelo telefone de uma reunião que Johnson teve com eles na noite de quarta feira.
No entanto, no plenário da Câmara, o deputado Chip Roy, do Texas, chamou o projeto de lei do Senado de “uma piada” escrita por legisladores que não conseguiram “passar em uma prova de matemática”. Ele disse que o plano “destruirá este país”. Também no plenário, o deputado Lloyd Smucker, da Pensilvânia, disse que a resolução “não era séria” e a descreveu como “inaceitável”.
O deputado Andy Harris, de Maryland, líder da bancada direitista Freedom Caucus da Câmara, recusou um convite para se reunir com Trump para falar do projeto. Até mesmo o presidente do Comitê de Orçamento, Jodey Arrington, do Texas, líder republicano no plenário a favor do plano orçamentário, o chamou de “sem seriedade e decepcionante”.
Por fim, Roy, Smucker, Harris e o Freedom Caucus desistiram da votação remarcada na manhã de quinta feira, abandonando sua devoção frequentemente declarada em relação aos gastos do governo em favor da unidade partidária. Por um único voto, os republicanos da Câmara aprovaram o plano do Senado, que adicionaria quase US$ 7 trilhões à dívida em 10 anos, cortando apenas insignificantes US$ 4 bilhões nos gastos.
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A troca de farpas só vai piorar conforme a maioria do Congresso se movimenta para redigir o projeto de lei de impostos e gastos delineado na resolução orçamentária. Mas, se esta semana serviu de indicação, pode ser difícil distinguir essa troca de farpas em particular em meio ao alarido generalizado do fratricídio.
Peter Navarro, assessor comercial da Casa Branca, disse à CNBC que o chefe da Tesla, Elon Musk, o principal demolidor no governo Trump, “não é realmente um fabricante de automóveis; ele é um montador de automóveis”. Musk respondeu que “Navarro é realmente um idiota”, “mais burro que um saco de tijolos” e “perigosamente burro”.
Mitch McConnell, do Kentucky, ex-líder republicano no Senado, votou contra a indicação de Trump para subsecretário de Defesa, dizendo: “Não se enganem: os Estados Unidos não serão grandes novamente pelos esforços daqueles que se contentam em administrar nosso declínio”. O vice-presidente JD Vance rebateu no X: “O voto de Mitch hoje — como grande parte dos últimos anos de sua carreira — é um dos maiores atos de mesquinharia política que já vi”.
E Trump entrou na onda de críticas. Em um jantar de arrecadação de fundos para os republicanos da Câmara, Trump enfrentou o deputado Don Bacon, do Nebraska, líder do esforço para tirar a autoridade tarifária de Trump. “Vejo algum republicano rebelde, algum sujeito que quer se exibir, dizendo: ‘Acho que o Congresso deveria assumir as negociações’”, disse ele, em tom de zombaria.
Enquanto Trump falava, um repórter da NOTUS tirou uma foto do presidente Johnson dando uma espiada em seu celular. Na tela, uma manchete do Drudge: “Ações continuam em queda”.
Essa foi certamente a razão da recém-descoberta coragem dos republicanos para enfrentar Trump. O homem governa por meio da intimidação. Mas, neste caso, o mundo havia dado um soco na cara do valentão. Os mercados de ações e títulos despencaram, os alarmes de recessão soaram e os índices de aprovação de Trump despencaram.

Reconhecendo o perigo que corria, Trump mudou de ideia imediatamente, abandonando a “REVOLUÇÃO” que era o cerne de sua pauta econômica. Nas horas e dias que antecederam sua retirada, ele vinha apelando a seus apoiadores para que “FIQUEM CALMOS!” e “SEGUREM FIRME” enquanto administrava o “remédio” necessário. Um dia antes da retirada, sua assessora de imprensa disse: “Ele não está considerando uma prorrogação ou adiamento”. A retirada ocorreu tão rapidamente que o Representante Comercial dos EUA, Jamieson Greer, ao depor perante Tillis e outros parlamentares em apoio às tarifas no momento em que Trump as suspendeu, foi pego de surpresa. “Sei que a decisão foi tomada há alguns minutos”, disse ele.
Os mercados ficaram brevemente satisfeitos com a redução das tensões, subindo cerca de 10% na quarta feira, antes de recuperar cerca de um terço desses ganhos na quinta feira, em meio a temores de que o dano econômico não pudesse ser desfeito. Mesmo com a “pausa” de 90 dias, as tarifas permanecem mais altas do que em quase um século, com taxas de 145% sobre as importações chinesas (compensadas pela tarifa retaliatória de 125% da China); tarifas de 25% sobre metais, carros e muitos produtos canadenses e mexicanos; e tarifas de 10% sobre todos e tudo o mais. Em seguida, Trump diz que implementará “uma tarifa significativa” sobre produtos farmacêuticos. A confiança do consumidor foi abalada e o investimento empresarial congelado.
“Sabe, é como se tivéssemos um paciente doente. Temos que fazer uma cirurgia”, explicou Trump após sua retirada na quarta feira. Sim — e ele tinha acabado de abrir as entranhas da economia mundial, vasculhado seu interior com as mãos sujas, acidentalmente cortado a aorta e costurado o paciente de volta.
“Eu sei o que diabos estou fazendo”, disse ele aos legisladores republicanos esta semana. “Eu sei o que estou fazendo.”
Mas é isso: ele agora provou, sem sombra de dúvida, que não sabe. Preparem-se para mais latidos irritados.
“Não vamos retornar àquilo”, Kamala Harris costumava dizer a seus apoiadores.
“Não vamos retornar àquilo”, gritavam eles em resposta.
Mas, no final, os eleitores decidiram que retornaríamos àquilo. Mesmo assim, até os apoiadores de Trump provavelmente não perceberam o quão longe retornamos ao passado. Trump parece ter saltado as duas décadas mais recentes, passado direto pelo século XX e nos levado diretamente para o século XIX.
Ele deixa explícitas suas intenções em relação ao comércio. “Sabe, nosso país teve seu momento mais forte, acredite ou não, de 1870 a 1913″, observou, sem citar fontes, esta semana. “Sabe por quê? Era tudo baseado em tarifas.”
Mas a viagem no tempo de Trump de volta à Era Dourada vai muito além do comércio. Na Casa Branca, esta semana, Trump assinou ordens executivas para “turbinar a mineração de carvão nos Estados Unidos”. O carvão deixou de ser o combustível dominante há 75 anos, mas Trump se gabou de que “estamos trazendo de volta uma indústria que foi abandonada”, embora, em sua opinião, seja “a forma de energia mais confiável, durável, segura e poderosa que existe na Terra hoje”. Como pano de fundo, ele usou mineiros de carvão em trajes de trabalho. “Eles adoram extrair carvão”, disse Trump, alegando que preferem isso a fazer “engenhocas, bugigangas e traquitanas”.
O secretário de saúde e serviços humanos de Trump, Robert F. Kennedy Jr., está ocupado devolvendo a saúde pública ao charlatanismo e à medicina patenteada do século XIX. Enquanto um surto de sarampo se espalha pelos EUA, Kennedy apenas relutantemente endossa a vacinação, enquanto promove tratamentos como vitamina A (da qual algumas crianças estão sofrendo overdose) e “budesonida e claritromicina em aerossol” (um tratamento sem comprovação científica). Ele está agindo para remover o flúor da água potável, apesar do consenso de que seus benefícios superam os malefícios, impediu terapias promissoras contra o câncer e outras pesquisas de ponta e demitiu os especialistas do governo em envenenamento por chumbo.
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Da mesma forma, estamos assistindo a um retorno ao imperialismo americano com os planos de Trump para a Groenlândia, o Canadá e o Panamá. A Procuradora-Geral Pam Bondi, com suas tentativas de eliminar as políticas de segurança para armas, parece determinada a reviver os tiroteios no Velho Oeste. E barões-ladrões modernos como Musk mais uma vez dominam um governo federal cada vez mais corrupto. Os ataques nativistas de Trump contra imigrantes e as tentativas de deportá-los sem o devido processo legal têm antecedentes no final do século XIX, época da Lei de Exclusão Chinesa.
“Estou vendo a repetição de coisas que nunca imaginei ver novamente na história americana”, diz Richard White, renomado historiador da Era Dourada da Universidade Stanford. A ascensão de oligarcas que extorquiam subsídios do governo, as tentativas de usar o poder governamental para incapacitar oponentes políticos e a Suprema Corte altamente partidária são todos “uma reminiscência das décadas de 1880 e 1890″, acrescenta White, cujo livro “The Republic for Which it Stands” narra a época.
Não está claro por que os americanos desejariam retornar àquela época — quando a expectativa de vida era de cerca de 40 anos; mais de um quarto das crianças morria antes dos 5 anos; surtos de cólera eram comuns e os médicos acreditavam que a doença era causada por “miasmas”; indigentes eram enterrados em cemitérios e crianças abandonadas nas ruas; acidentes industriais matavam milhares de pessoas; mulheres e a maioria dos negros eram impedidos de votar; o país não tinha forças armadas; e o governo era composto por partidários que deviam seus empregos ao clientelismo, e não à competência. Mas, aparentemente, é o que vamos tentar agora.
A cada semana, Trump consegue apresentar uma nova onda de ideias para nos trazer de volta àqueles dias felizes antes da saúde pública e da previdência social. O site da Previdência Social continua saindo do ar — uma consequência direta dos esforços de Musk e companhia para cortar o quadro de funcionários da agência e reduzir seus serviços, justificando-o com alegações exageradas de fraude. O chefe interino da Receita Federal (IRS) renunciou, a terceira pessoa a abandonar o cargo desde que Trump assumiu. O governo está usando registros da Receita Federal para deportar imigrantes não documentados, o que, segundo previsões, desencadeará uma crise de não conformidade que custará ao Tesouro meio trilhão de dólares. O governo está cortando o pessoal da Fema antes do início de uma nova temporada de tempestades. Todo o pessoal do Programa de Assistência Energética para Residências de Baixa Renda foi demitido, sem deixar ninguém para administrar o programa que ajuda famílias de baixa renda a pagar pelo aquecimento.
Trump demitiu o chefe da Agência de Segurança Nacional (NSA) e do Comando Cibernético do Pentágono, e demitiu o almirante sênior da Marinha designado para a Otan. O esquadrão DOGE de Musk agora está usando sua motosserra para atacar o Corpo da Paz. O Programa Mundial de Alimentos da ONU alertou que a destruição da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) pelo governo “poderia representar uma sentença de morte para milhões de pessoas”. O Serviço Nacional de Parques reescreveu a história da Ferrovia Clandestina para minimizar Harriet Tubman e a escravidão. A Academia Naval removeu Maya Angelou de sua biblioteca.
Os abusos de poder de Trump também encontram novas expressões. Esta semana, ele ordenou uma investigação do ex-chefe da Agência de Segurança Cibernética e de Infraestrutura, por ter a temeridade de chamar a eleição de 2020 de “a mais segura da história americana”. Ele ordenou uma segunda investigação sobre um ex-funcionário da Segurança Interna e acusou-o de “traição” por ter escrito um artigo de opinião e um livro críticos a Trump. Ele ordenou que o Congresso assumisse o controle das eleições, um poder conferido aos estados pela Constituição, e declarou que “os estados são apenas agentes do governo federal”. O Departamento de Justiça afirmou que os réus do 6 de janeiro perdoados por Trump deveriam ser reembolsados pelos pagamentos feitos para cobrir os danos causados ao Capitólio. O procurador-geral interino de Trump em Washington traçou um paralelo entre o julgamento dos manifestantes de 6 de janeiro e a internação de japoneses durante a 2ª Guerra Mundial.

Os tribunais continuam tentando conter a ilegalidade de Trump. A Suprema Corte ordenou que o governo facilitasse o retorno de um homem de Maryland que havia sido deportado por engano. O tribunal superior também suspendeu o bloqueio de uma instância inferior às deportações sob a Lei de Inimigos Estrangeiros — mas, logo após a decisão, um juiz nomeado por Trump no Texas, Fernando Rodriguez Jr., prontamente impôs ao governo uma ordem de restrição semelhante. Outro nomeado por Trump, Trevor McFadden, ordenou a suspensão da exclusão da Associated Press do Salão Oval e do Air Force One, chamando a medida de “contrária à Primeira Emenda” e “ilegal”.
E, no entanto, os abusos continuam. A operação de detenção de migrantes pelo governo levou até agora à suposta detenção ou deportação indevida de pelo menos sete cidadãos americanos, informou María Luisa Paúl, do Post. O governo também revogou centenas de vistos para estudantes estrangeiros e está vasculhando postagens nas redes sociais em busca de mais alvos — ao mesmo tempo em que continua seu ataque ao ensino superior, congelando US$ 1 bilhão em financiamento para a Universidade Cornell e US$ 790 milhões para a Universidade Northwestern.
Para imigrantes mais desejáveis, Trump está promovendo um “cartão dourado” com seu rosto, que permite que estrangeiros comprem sua cidadania americana. “Por US$ 5 milhões, isso pode ser seu”, disse ele a repórteres.
Esse tipo de governança vaidosa também se consolidou no Departamento do Interior, onde o secretário, Doug Burgum, exige que os funcionários assem biscoitos de chocolate para ele e, em pelo menos uma ocasião, que refizessem os biscoitos quando uma fornada saiu “abaixo da média”, informou a The Atlantic. A Secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, em sua mais recente foto glamourosa, posou segurando um rifle aparentemente carregado na direção da cabeça de um agente de fronteira. “Noem está apontando o cano do M4 para um agente com a trava de proteção aberta, indicando uma munição na câmara. É o pior lugar possível para apontá-lo”, destacou Alex Horton, do Post.
Ainda assim, Trump não fica atrás no quesito vanglória. Ele organizou outra reunião de gabinete na quinta feira, na qual seus indicados competiram em elogios. “O que vocês reuniram em sua visão é um ponto de virada e um ponto de inflexão na história americana, então, simplesmente fazer parte disso é a maior honra”, foi a inscrição vencedora da Secretária de Agricultura, Brooke Rollins. Estão em andamento discussões para um desfile militar em Washington do tipo que Trump teve que abandonar durante seu primeiro mandato, depois que os militares estimaram o custo em US$ 92 milhões. Ele assinou um decreto na semana passada com o objetivo de aumentar a vazão dos chuveiros, afirmando que “gosto de tomar um bom banho, para cuidar do meu lindo cabelo”. E, enquanto o mundo se recuperava das tarifas, Trump também conseguiu passar parte de quatro dias seguidos em seus campos de golfe na Flórida. Após uma de suas rodadas, a Casa Branca emitiu um comunicado: “O presidente venceu sua segunda rodada do Senior Club Championship hoje em Jupiter, Flórida, e avançou para a rodada final.”
Mais tarde, ao retornar no Air Force One para enfrentar um país e um mundo em crise, ele foi à cabine de imprensa para atualizar os repórteres sobre a questão mais importante do dia: “Estão sabendo que eu venci, né?” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL