Drones, sabotagens e incursões militares: como a Ucrânia leva a guerra para dentro da Rússia

Operações envolvendo drones e grupos de sabotagem dentro do território de Moscou sinalizam nova estratégia do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, de tentar mostrar que a Rússia não está segura

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Por Daniel Gateno
Atualização:

Ataques de drones, sabotagens e incursões militares dentro do território russo podem indicar uma nova fase para a guerra na Ucrânia, em meio a diversos indícios de que a contraofensiva de Kiev já começou.

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As ofensivas dentro da Rússia se tornaram mais recorrentes, passando a preocupar os aliados ocidentais de que o Kremlin possa escalar ainda mais o conflito com a guerra entrando em suas fronteiras.

Operações dentro dos territórios de Moscou não são uma novidade no contexto da guerra na Ucrânia. Mesmo que Kiev não tenha reivindicado a responsabilidade por nenhum incidente, a Rússia já havia acusado a Ucrânia da autoria de ataques como a explosão em outubro de 2022 em uma ponte construída por Moscou que liga o território russo a Crimeia, ocupada pela Rússia desde 2014 , ou a morte de Daria Dugina, filha de Alexander Dugin, um dos aliados mais próximos do presidente da Rússia, Vladimir Putin, que teve seu carro explodido em uma estrada próxima de Moscou em agosto de 2022. Contudo, os ataques ficaram mais constantes.

Um prédio residencial danificado por um bombardeio em Shebekino, Rússia, perto da fronteira com a Ucrânia, em 8 de junho de 2023. Os crescentes ataques ucranianos no lado russo da fronteira mataram mais de uma dúzia de civis Foto: Nanna Heitmann// NYT

De acordo com o historiador russo-americano Leon Aron, do American Enterprise Institute, as operações recentes em território russo sinalizam uma nova estratégia do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, para minar a credibilidade de Putin e mostrar que a população russa, assim como a ucraniana, não está segura.

“A narrativa de Putin é que esta é uma guerra contra a Otan, que a Rússia está cercada de inimigos mas que o presidente russo sempre vai defender a população, então Zelenski quer mostrar que isso não é verdade”, avalia Aron. “Na medida em que esses ataques nas regiões fronteiriças começam a minar essa narrativa, isso prejudica o discurso de Putin”, completa o especialista.

Em um artigo publicado no jornal The New York Times em maio do ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou expressamente que nunca iria encorajar que Kiev atacasse o território russo. “Não vamos enviar armamentos a Ucrânia que atinjam a Rússia”, sinalizou Biden.

Contudo, em meio ao início da contraofensiva ucraniana, que contou com forte patrocínio de países da Otan, Kiev tem lançado um arsenal de ataques dentro do território russo, com ofensivas de drones, inclusive atingindo a capital da Rússia, Moscou, bombardeios e operações militares na região de Belgorod, que tiveram a ajuda de grupos de sabotagem dentro da Rússia que atuam contra Putin.

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Documentos confidenciais do Pentágono, que foram vazados no aplicativo Discord em maio, mas não tiveram a sua veracidade confirmada, mostram que Zelenski sinalizou a possibilidade de ataques as fronteiras de Moscou. O presidente ucraniano chegou a sugerir a ocupação de cidades russas próximas da fronteira com Kiev, o bombardeio de um oleoduto que leva petróleo russo para a Hungria, que faz parte da Otan, e a busca por misseis de longo alcance para atingir alvos na Rússia. O objetivo seria dar mais poder de barganha aos ucranianos em uma possível negociação de paz com Moscou.

Grupos de Sabotagem

A região russa de Belgorod, que fica no sudoeste da Rússia e faz fronteira com o nordeste da Ucrânia, tem sofrido com vários ataques de drones e incursões militares nas últimas semanas, principalmente com a ajuda de grupos de sabotagem que atuam dentro do território russo.

Dois grupos russos considerados anti-Putin, o Legião da Liberdade para a Rússia (LLR) e o Corpo de Voluntários Russos reivindicam a participação nestes ataques. Estes grupos voluntários se juntaram a luta armada e atuam junto a Kiev para prejudicar o governo de Vladimir Putin. Eles chegaram a avançar sobre cidades russas em ofensivas no inicio do mês, mas foram repelidos pelas forças russas, segundo comunicado do Ministério da Defesa de Moscou.

Estes grupos também atuam em áreas dentro do território ucraniano e recebem armamento. Apesar da oposição dos Estados Unidos contra este tipo de ataque, pouco foi feito em Washington para repelir as ofensivas.

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“Estes dissidentes aparentemente usam equipamento ucraniano dado pelo Ocidente. A Ucrânia nega envolvimento com esses atos de russos contra o Putin, mas é visível que existe equipamento e é visível que ocorre uma coordenação dessas tropas de dissidentes com as forças da Ucrânia, então é um risco calculado de Kiev, porque a Ucrânia prometeu para o Ocidente que não usaria armas fornecidas por eles para atacar a Rússia, mas neste caso quem está atacando Moscou são os próprios russos”, afirmou o professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard, Vitelio Brustolin.

De acordo com Aron, novas ofensivas dentro do território russo podem botar uma dúvida na cabeça de Putin, que precisa defender os territórios ocupados dentro da Ucrânia e pode não ter um contingente tão alto para defender as fronteiras. “Ucrânia e Rússia compartilham uma longa fronteira e se os ataques na região de Belgorod ficarem mais recorrentes, Putin terá que mandar mais tropas para defender a fronteira”, avalia o Historiador.

De acordo com um artigo do The New York Times, bombardeios ucranianos em Shebekino, cidade russa fronteiriça com a Ucrânia, que fica na região de Belgorod, deixaram pelo menos uma dúzia de mortos. Milhares de moradores saíram da cidade de 39 mil habitantes.

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Membros da Legião da Liberdade para a Rússia e do Corpo de Voluntários Russos conversam com repórteres durante um evento no território da Ucrânia  Foto: Finbarr O’Reilly/ NYT

Drones

Segundo a imprensa russa, mais de 60 ataques suspeitos de drones ocorreram este ano na Rússia e em territórios ocupados por Moscou dentro da Ucrânia. A suspeita é de que os grupos de sabotagem estejam por trás dos ataques, usando drones fabricados pela Ucrânia e não por membros da Otan.

“O mais provável é que os ataques de drones estejam sendo feitos por grupos dentro da Rússia. Em uma linha reta, o caminho mais curto da fronteira ucraniana para Moscou é de 560 km, muito difícil que Kiev esteja coordenando estes ataques de dentro de seu território”, aponta Brustolin.

As ofensivas com drones visam instalações de petróleo, aeródromos e infraestrutura civil. Em maio, duas refinarias de petróleo foram incendiadas em Krasnodar, no sul da Rússia, a cerca de 200 km da fronteira com a Crimeia. Moscou também relatou drones que atacaram instalações militares.

Os ataques chegaram a capital da Rússia, Moscou, atingindo diversos prédios residenciais em maio. O governo russo chegou a acusar a Ucrânia de tentar matar Putin ao afirmar que derrubou dois drones que tinham o Kremlin como alvo, o que foi negado por Zelenski.

De acordo com especialistas e vídeos que foram feitos dos drones em território russo, os ucranianos usaram principalmente o drone UJ-22, fabricado pela empresa ucraniana Ukrjet, e o R-18, drone fabricado pela companhia ucraniana Aerorozvidka.

Putin admite falta de preparo

Putin admitiu nesta terça-feira, 13, erros estratégicos russos na invasão à Ucrânia e na defesa do seu território.

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O líder russo declarou que a Rússia deveria ter reforçado a segurança interna no início para se prevenir de ataques deste tipo, mas falhou nisso. “Podíamos ter pensado a princípio que o inimigo se comportaria dessa forma e, seguramente, nos preparado melhor”, disse em uma reunião com blogueiros militares e correspondentes de guerra.

O presidente russo também apontou que se os ataques nas fronteiras continuarem a Rússia se verá obrigada a criar uma zona de exclusão no território vizinho que dificulte a ação dos ucranianos. Quanto aos ataques de drones, o russo confessou que as defesas aéreas do país não estavam preparadas.

Segundo ele, as defesas aéreas russas são pensadas contra caças e mísseis e têm dificuldades contra drones, fabricados com materiais mais leves que dificultam a detecção. “Claro, teria sido melhor se tivesse sido feito a tempo e corretamente”, disse. Apesar disso, o presidente russo enfatizou que faz ajustes nesta área e disse ter confiança na defesa de Moscou e de outras cidades russas importantes.

Otan

Até este momento os aliados da Otan não tem mudado a sua postura em relação a aliança com a Ucrânia, mas a relação pode mudar caso Kiev continue com as ofensivas em território ucraniano.

“Caso os ataques continuem, existe o risco de que seja muito prejudicial a Ucrânia porque entrega de bandeja um argumento para o Putin de que ele está lutando contra um país que também está invadindo o seu território”, afirma Brustolin.

Líderes ocidentais se reúnem com o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, durante a cúpula do G-7, que foi realizada em Hiroshima, Japão, no mês de maio  Foto: Kyodo News / AP

O pesquisador da Universidade de Harvard aponta que Kiev não pode admitir publicamente que está atacando alvos dentro da Rússia por conta do prestígio que tem com o Ocidente, que sempre deixou claro que era contra ataques dentro da Rússia. “A Ucrânia tem uma moral com o Ocidente, um acordo de que iria usar as armas estritamente para defender o seu território e a sua população, se começar a atacar áreas civis na Rússia, Kiev perde essa moral e viola as convenções internacionais”, completa o especialista.

Para o historiador russo-americano Leon Aron a Ucrânia tem sido cuidadosa ao não usar armamentos da Otan para ofensivas dentro da Rússia. principalmente por conta da relutância da Otan em fornecer os equipamentos mais modernos a Kiev.“Nenhum equipamento da Otan está sendo usado, apenas ucranianos. Se Zelenski começar a usar armamentos da Otan para incursões na Rússia, ele terá um problema. Mas não acredito que Kiev fará isso.”

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