Horóscopo de dinossauros? Entenda por que é impossível ver futuro e passado longínquos do universo

Astrônomos melhoraram o rastreamento dos movimentos das estrelas além do sistema solar. Mas isso dificultou a previsão do futuro da Terra e a reconstrução do passado

PUBLICIDADE

Por Dennis Overbye (The New York Times)
Atualização:

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE — Independentemente do que digam os analistas do mercado de ações, os pesquisadores políticos e os astrólogos, não podemos prever o futuro. De fato, não podemos nem mesmo prever o passado.

Isso é o que diz o trabalho de Pierre-Simon Laplace, o matemático francês, filósofo e rei do determinismo. Em 1814, Laplace declarou que se fosse possível conhecer a velocidade e a posição de cada partícula no universo em um determinado momento - e todas as forças que estavam agindo sobre elas - “para esse intelecto, nada seria incerto, e o futuro, assim como o passado, seria o presente para ele”.

PUBLICIDADE

O sonho de Laplace continua não realizado porque não podemos medir as coisas com precisão infinita e, portanto, pequenos erros se propagam e se acumulam ao longo do tempo, levando a uma incerteza cada vez maior. Como resultado, na década de 1980, astrônomos como Jaques Laskar, do Observatório de Paris, concluíram que as simulações computadorizadas dos movimentos dos planetas não eram confiáveis quando aplicadas a mais de 100 milhões de anos no passado ou no futuro. A título de comparação, o universo tem 14 bilhões de anos e o sistema solar tem cerca de 5 bilhões de anos.

“Não é possível fazer um horóscopo preciso para um dinossauro”, comentou recentemente Scott Tremaine, especialista em dinâmica orbital do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, em um e-mail.

Pesquisadores descobriram que uma estrela semelhante ao sol chamada HD 7977, encontrada a 247 anos-luz de distância na constelação de Cassiopeia, pode ter passado perto o suficiente do sol há cerca de 2,8 milhões de anos para alterar as órbitas da Terra e de outros planetas Foto: quickshooting/Adobe Stock

O antigo mapa astrológico agora ficou ainda mais obscuro. Um novo conjunto de simulações computadorizadas, que leva em conta os efeitos das estrelas que passam pelo nosso sistema solar, reduziu efetivamente a capacidade dos cientistas de olhar para trás ou para frente em mais 10 milhões de anos. As simulações anteriores consideravam o sistema solar como um sistema isolado, um cosmo mecânico no qual as principais perturbações das órbitas planetárias eram internas, resultantes de asteroides.

“As estrelas são importantes”, disse Nathan Kaib, cientista sênior do Instituto de Ciências Planetárias em Tucson, Arizona. Ele e Sean Raymond, da Universidade de Oklahoma, publicaram os resultados no Astrophysical Journal Letters no final de fevereiro.

Os pesquisadores descobriram que uma estrela semelhante ao sol chamada HD 7977, que atualmente se esconde a 247 anos-luz de distância na constelação de Cassiopeia, poderia ter passado perto o suficiente do sol há cerca de 2,8 milhões de anos para sacudir os maiores planetas em suas órbitas.

Publicidade

Essa incerteza adicional torna ainda mais difícil para os astrônomos fazerem previsões de mais de 50 milhões de anos no passado, para correlacionar as anomalias de temperatura no registro geológico com possíveis mudanças na órbita da Terra. Esse conhecimento seria útil quando tentamos entender as mudanças climáticas que estão ocorrendo atualmente.

Cerca de 56 milhões de anos atrás, disse Kaib, a Terra evidentemente passou pelo Máximo Térmico do Paleoceno-Eoceno, um período que durou mais de 100 mil anos e durante o qual as temperaturas médias globais aumentaram até 8 graus Celsius. Será que esse período de calor foi provocado por alguma mudança na órbita da Terra em torno do sol? Talvez nunca saibamos.

“Não sou especialista, mas acho que esse é o período mais quente dos últimos 100 milhões de anos”, disse Kaib. “E é quase certo que não foi causado pela órbita da Terra em si. Mas sabemos que as flutuações climáticas de longo prazo estão ligadas às flutuações orbitais da Terra. Portanto, se você quiser descobrir as anomalias climáticas, é bom ter confiança no que a órbita da Terra está fazendo.”

Tremaine observou: “As simulações foram feitas cuidadosamente e acredito que a conclusão esteja correta”. Ele acrescentou: “Essa é uma mudança relativamente pequena em nossa compreensão da história da órbita da Terra, mas é conceitualmente importante”.

A história realmente interessante, disse ele, é como o caos na órbita da Terra pode ter deixado uma marca no registro paleoclimático.

Espaçonave Gaia, que melhorou a capacidade dos cientistas de rastrear os movimentos das estrelas além do sistema solar desde o lançamento em 2013, retratada em uma representação artística Foto: European Space Agency via The New York Times

A capacidade de rastrear os movimentos das estrelas além do sistema solar foi muito melhorada pela espaçonave Gaia da Agência Espacial Europeia, que vem mapeando a localização, os movimentos e outras propriedades de 2 bilhões de estrelas desde o lançamento em 2013.

“Pela primeira vez, podemos realmente ver estrelas individuais”, disse Kaib, “projetá-las para trás ou para frente no tempo e descobrir quais estrelas estão próximas do sol e quais ainda não chegaram perto, o que é muito legal.”

Publicidade

De acordo com os cálculos dele, cerca de 20 estrelas chegam a 1 parsec (cerca de 3,26 anos-luz) do Sol a cada milhão de anos. A HD 7977 poderia ter chegado tão perto quanto cerca de 6,4 trilhões de quilômetros do sol - aproximadamente a distância da nuvem de Oort, um vasto reservatório de cometas congelados na borda do sistema solar - ou ter ficado mil vezes mais distante. Os efeitos gravitacionais do encontro mais próximo poderiam ter abalado as órbitas dos planetas gigantes externos, o que, por sua vez, poderia ter abalado os planetas internos, como a Terra.

“Isso é potencialmente poderoso o suficiente para alterar as previsões das simulações de como era a órbita da Terra depois de aproximadamente 50 milhões de anos atrás”, disse Kaib.

Como resultado, disse ele, quase tudo é estatisticamente possível se você olhar para frente o suficiente. “Assim, descobrimos que, por exemplo, se avançarmos bilhões de anos, nem todos os planetas são necessariamente estáveis. Na verdade, há cerca de 1% de chance de Mercúrio atingir o Sol ou Vênus nos próximos 5 bilhões de anos.”

Aconteça o que acontecer, é provável que não estejamos por perto para ver. Presos no presente, não sabemos ao certo de onde viemos ou para onde vamos; o futuro e o passado se transformam em mito e esperança. Ainda assim, seguimos em frente, tentando perscrutar nossos horizontes no tempo e no espaço. Como F. Scott Fitzgerald escreveu em O Grande Gatsby: “Assim seguimos em frente, barcos contra a corrente, levados incessantemente de volta ao passado.”

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Este conteúdo foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.